Enquanto 5G chega ao Brasil, orelhões caem no desuso em Belém
Criação brasileira foi perdendo espaço para celulares. No Pará, apenas 26% funcionam
Ícone do design brasileiro, os orelhões estão cada vez mais escassos nos centros urbanos do país e mais escassos ainda estão os dispositivos em funcionamento. No Pará, são 3.051 telefones públicos, mas só 26% deles estão em funcionamento, ou seja, 924 aparelhos.
Às vésperas da implantação da tecnologia de internet 5G no Brasil, que já iniciou no Distrito Federal, os orelhões viram artefatos ainda mais anacrônicos em um mundo em que as ligações estão cada vez mais raras, substituídas por mensagens de texto e redes sociais.
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Na avenida Rômulo Maiorana, em Belém, Roseane Lopes trabalha vendendo salgados em frente a uma escola que possui um orelhão na entrada. Ela conta que o aparelho é novo, mas nunca foi devidamente usado pois já chegou sem funcionar direito.
"Ele apareceu antes da pandemia, em 2019, só que as pessoas tentavam usar e viam não estava funcionando. Foram danificando. Primeiramente eram três. Aí depois funcionava só um. Até que não pegou mais nada. É uma pena. Seria de extrema importância pois às vezes a gente precisa ligar para 0800, que não funciona no celular sem crédito. E a Rômulo Maiorana vai ser revitalizada, então seria legal revitalizar o telefone também, reativar esse serviço. Eu usava de vez em quando. Antes do celular era mais comum. Hoje em dia é um hábito abandonado", diz.
Idealizado pela sino-brasileira Chu Ming Silveira, o projeto foi idealizado em 1972 e tinha como objetivo principal proteger do sol e da chuva e garantir uma acústica perfeita para as conversas, considerando o barulho das grandes cidades.
Tudo isso com custos reduzidos, o que explica o uso de fibra de vidro nas cabines em formato de ovos, bem diferentes do formato europeu de cabine de vidro fechada. A criação rapidamente ganhou as cidades brasileiras e foi exportada para a China, Angola, Moçambique, Colômbia, Peru e Paraguai.
Inicialmente chamado de Tulipa, o orelhão ganhou ainda a versão "orelhinha", para espaços fechados. O mais recente estudo sobre o uso dos aparelhos, feito pelo governo do estado de São Paulo, relatou que 93% dos orelhões do estado foram utilizados de julho a dezembro de 2017, com ligações durando até dois minutos. Metade das ligações foram de até 59 segundos.
Regina Aurora é dona de casa e conta que usou muito o orelhão nos anos 2000 e sempre tinha um cartão na bolsa. "Era uma época que o celular não estava popularizado. Era pouca gente que tinha. O orelhão já me salvou várias vezes, especialmente um que tinha ali perto da minha antiga casa na Senador Lemos. Acho que tem mais de 10 anos que não pego em um. É uma pena que ninguém cuide deles", diz.
O contraste com a chegada de tecnologia é inevitável, mas isso não significa que a criação brasileira deve se tornar inútil. Para o engenheiro de computação Allan Castro, algumas cidades desenvolveram sistemas wi-fi a partir dos aparelhos.
"Temos muitos orelhões revitalizados com pinturas de artistas e grafites. Em Santa Catarina vimos a iniciativa de tornar eles ponto de conexão com a internet. Acho que o 5G de maneira ampla, aqui no Pará, ainda deve demorar uns dois anos para se estabelecer. Até lá, é bom pensar em como utilizar e ampliar o que já temos", diz.
Jorge Tadeu Ferreira trabalha vendendo lanches há cinco anos perto de um orelhão na travessa Mauriti e lembra de pelo menos duas vezes que utilizou o dispositivo. "Já usei para socorro. Era só para quebrar o galho. Liguei a cobrar e atenderam. Quando a escola estava funcionando, via o pessoal atender. Ficou abandonado. Seria bom ser de graça por conta da situação que a gente vive hoje", afirma.
Maria Cavalcante é aposentada e conta que nunca mais utilizou o aparelho. Ela parou de usar por conta da chegada dos celulares. Na opinião dela, se não for para revitalizar os aparelhos, é melhor retirá-los. "Da última vez a minha neta estava com cinco anos e hoje ela está com 20. Eu achava que deveria continuar funcionando, mas não sei se vai valer a pena", diz.
Para o agente de portaria Edson Sousa, se o dispositivo estivesse em boas condições, com certeza atrairia mais usuários. Atualmente, o aparelho da frente da escola onde ele trabalha não funciona mais e tem até fios desencapados. "Os alunos utilizavam. Teve uma época até que era de graça, mas acho que agora deveriam retirar, pois ninguém usa mais", lamenta. O telefone aparece como em funcionamento no site da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
"Cadê a ficha? Cadê o cartão?", questiona a aposentada Joana Santos. Na opinião dela, com tanta violência nas ruas, a volta do orelhão seria um alívio para os transeuntes. "Seria bem mais prático para não se arriscar. Se fossem levar algo, levariam só o cartão", diz.
A reportagem entrou em contato com a Anatel e aguarda respostas sobre os temas abordados no texto.
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