Conflito entre economia e preservação trava projetos na Amazônia

Perspectiva conciliatória entre crescimento econômico, agenda ambiental e proteção de populações tradicionais é desafio para empreendimentos na região

Fabrício Queiroz
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O recente indeferimento de licença ambiental para perfuração de um poço exploratório na Margem Equatorial do Estado do Amapá trouxe à tona questionamentos sobre a viabilidade e andamento de outros projetos previstos para a região amazônica. No Estado do Pará, iniciativas como o derrocamento do Pedral do Lourenço, no rio Tocantins; a implantação da ferrovia EF-170, mais conhecida como Ferrogrão; e a própria exploração de petróleo nos poços da Petrobras se arrastam por anos e ainda suscitam debates que opõem inclusive órgãos do Governo Federal.

A discussão sobre o licenciamento para sondagem do potencial petrolífero da região evidenciou, por exemplos, as posições distintas do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, e o Ministério de Minas e Energia, cujo titular é Alexandre Silveira. A negativa da área ambiental também não foi bem recebida pela Petrobras, que prevê um investimento de US$ 2,9 bilhões na região que se estende pela costa dos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Em razão disso, a companhia apresentou na última quinta-feira um recurso contra a decisão.

No pedido de reconsideração, a estatal prevê a adoção de medidas adicionais de segurança, incluindo a ampliação da base de estabilização da fauna no município de Oiapoque (AP), que atuará em conjunto com o Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna (CRD) instalado no distrito de Icoaraci.

“A Petrobras segue comprometida com o desenvolvimento da Margem Equatorial, a nova fronteira energética do Brasil, que abrange cinco bacias em alto mar, entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Neste sentido, a companhia vem empenhando todos os esforços na obtenção desta licença de perfuração no bloco FZA-M-059, onde se compromete a atuar com segurança e total respeito e cuidado com o meio ambiente e com a população da região”, disse a empresa em nota pública, em que afirma que está disposta a colaborar com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) na revisão de seus processos e no atendimento às prioridades definidas pelo governo.

“De forma colaborativa, a companhia presta todas as informações necessárias para demonstrar que seus planos apresentados no licenciamento ambiental são suficientes para mitigar os riscos da perfuração e atuar em remoto caso de acidente ambiental”, enfatiza a Petrobras.

Projetos logísticos enfrentam entraves políticos e jurídicos

Os grandes projetos implantados na Amazônia estão envolvidos em diversas polêmicas desde meados da década 1960. Iniciativas como a rodovia Transamazônica, a Hidrelétrica de Tucuruí e a Usina de Belo Monte são apenas alguns dos exemplos mais emblemáticos que provocaram conflitos variados entre diferentes governos, organizações da sociedade civil e pesquisadores. No bojo desse debate, o desenvolvimento econômico da região é geralmente tratado em oposição à preservação da floresta, de seus povos e culturas. É esse embate que ronda outros projetos previstos para o estado.

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No ano passado, o Ibama concedeu ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) licença prévia para a dragagem e derrocamento do rio Tocantins, desde Marabá até Baião. A obra visa dar segurança à navegação no local, onde a presença de rochas impede o transito de embarcações de maior porte no período de seca.

O projeto é reivindicado pelo setor produtivo que afirma que com o projeto concretizado, o Pará contaria com um dos principais corredores para escoamento da produção de agropecuária e mineral do pais. Contudo, em março passado, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão da licença até que os órgãos corrigissem “omissões” e “insuficiência de dados” no projeto. Diante disso, a Procuradoria da República demandou, entre outras ações, a realização de processo de consulta prévia, livre e informada das comunidades ribeirinhas e extrativistas e o aprimoramento das medidas de contingência dos impactos do empreendimento.

Em nota ao Grupo Liberal, o Ibama informou que as recomendações apontadas estão em análise e que aguarda o requerimento da Licença de Instalação (LI) pelo empreendedor. Por sua vez, a DTA Engenharia, empresa vencedora da licitação para execução das obras, diz que considera normal esse tipo de solicitação e que as demandas serão atendidas para garantir o bom andamento do projeto. “A DTA trabalha nos estudos que levarão à LI, estudos esses que deverão, inclusive, atender às aludidas solicitações do MPF”, pontua.

Já a implementação da Ferrogrão enfrenta caminhos mais tortuosos e deve demorar a sair do papel. Isso porque todos os processos envolvendo a ferrovia estão interrompidos devido à espera de um julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6553 no Supremo Tribunal Federal (STF). O processo movido pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes e tem julgamento marcado para a próxima quarta-feira (31).

O motivo da ação foi a Lei nº 13.452/2017, que decorreu de uma medida provisória e reduziu a área do Parque Nacional do Jamanxim, localizado no município de Itaituba. O partido argumenta que a modificação dos limites da unidade de conservação só poderia ocorrer por meio de promulgação de lei formal e que a destinação da área suprimida ao projeto Ferrogrão violaria as normas que protegem o patrimônio cultural, bem como ferem os direitos dos povos indígenas da região.

Aliado a isso, o MPF também questionou a Justiça para que os procedimentos de consulta aos indígenas ocorram conforme as previsões legais da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Em agosto de 2022, o juiz federal Marcelo Garcia Viera acolheu o pedido da Procuradoria e elencou as principais violações observadas nesse âmbito.

São elas: a inexistência de consulta às comunidades que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) confessou que serão impactadas; o fato de o Governo Federal ter considerado liderança indígena uma pessoa sem representatividade para a população; a realização de reunião sem qualquer consideração da cultura indígena, em local fora dos seus territórios e sem a mediação de tradutores culturais; e o cumprimento da Convenção 169 de acordo com a interpretação autônoma da União de forma distinta do que prevê a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

“Os efeitos práticos em benefício das populações tradicionais envolvidas foram que os direitos dessas populações foram protegidos”, afirmou em nota o MPF, que alerta ainda que há outros riscos envolvidos no projeto, incluindo pressão sobre os recursos naturais, avanço da grilagem de terras e o aumento das ocorrências de conflitos ambientais e fundiários.

“A desconsideração do direito de indígenas a consulta e consentimento livre, prévio e informado desde a fase inicial de planejamento provoca subdimensionamento dos custos do projeto. Essa violação de direitos também impede a correta avaliação socioeconômica do investimento, por ignorar critérios não monetários que são desconhecidos pelos tomadores de decisões governamentais”, acrescenta o MPF.

Na outra ponta da disputa está a ANTT, que afirma que todo o processo de concessão e condução do licenciamento foi submetido à participação social. De acordo com autarquia, foi realizada audiência pública entre outubro de 2017 e janeiro de 2018, com sessões presenciais em Cuiabá (MT), Belém, Sinop (MT) e Brasília (DF). “A partir da análise das contribuições recebidas foram realizados ajustes nos estudos. Em seguida, o Plano de Outorga foi aprovado pelo Ministério da Infraestrutura e enviado para análise do TCU em 10/07/2020”, esclarece.

No que se refere ao procedimento de consulta prévia, livre e informada, a Agência diz que respeitou o que prevê a convenção 169 da OIT na escuta do povo Munduruku e que, por isso contestou a decisão liminar do juiz federal por entender que a competência para apreciar a matéria é do STF. “Esta autarquia deve aguardar o julgamento da ADI 6553 para então realizar eventuais ajustes no referido projeto de concessão”, frisa a ANTT.

Por sua vez, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ibama ressaltam que também aguardam a decisão do STF para dar andamento às discussões sobre o projeto. “Inicialmente, havia sido planejado o início do procedimento de consulta com o povo Munduruku, porém, devido ao contexto da pandemia, houve dificuldades para sua realização na época”, diz a Funai que completa: “Quaisquer manifestações relacionadas aos aspectos socioambientais do componente indígena do licenciamento ambiental do empreendimento estão sujeitas à avaliação do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental, os quais ainda não foram realizados”.

Entretanto, ainda que o julgamento seja favorável ao que defende a ANTT, a concepção da ferrovia deve sofrer modificações. Após assumir o Ministério dos Transportes, Renan Filho, já anunciou publicamente uma série de investimentos previstos para ampliar a malha ferroviária no país, porém defendeu também a necessidade da pasta dialogar sobre o projeto Ferrogrão com o Ministério do Meio Ambiente.

O Ministério dos Transportes entende que o projeto da Ferrogrão, cujos estudos ocorreram em 2013, está defasado. Análise técnica realizada pela pasta apontou que eles podem não refletir as mudanças econômicas, sociais e ambientais verificadas na região impactada na última década”, informou a pasta à reportagem, pontuando que também aguarda o julgamento.

“Reiteramos que o Ministério dos Transportes segue atuando de forma consistente para prover a região da infraestrutura de transportes necessária ao escoamento da safra da região Centro-Oeste e ao abastecimento das populações locais, promovendo a responsabilidade social, a sustentabilidade ambiental e a redução dos custos de produção e de transporte, de forma intermodal”, destaca a nota.

Implantação de grandes projetos gera debate

Para o setor produtivo, a implementação de projetos infraestruturantes é necessária para o desenvolvimento do estado e, por isso, a morosidade dos processos seria prejudicial à economia e sociedade em geral. Em relação à exploração de petróleo na Margem Equatorial, o vice-presidente executivo da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), José Maria Mendonça, considera que a área ambiental age “na contramão da história”.

“Já se explora na plataforma continental equatorial no Suriname e na Guiana. Vai se começar a explorar na Guiana Francesa, só não pode explorar no Brasil. Isso é um absurdo, um contrassenso e um tiro no pé de uma nação que precisa se desenvolver como é o caso do Brasil”, critica o empresário, que defende que o presidente Lula intervenha nesses casos em que há conflito entre pastas distintas. “A gente espera que o presidente Lula tenha o bom senso de apoiar aqueles que estão pensando no Brasil”, diz.

Por outro lado, o doutor em Geografia e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Adolfo Oliveira Neto, que integrou a equipe de transição no grupo de trabalho sobre desenvolvimento regional, avalia que o indeferimento do Ibama ao projeto na costa amazônica sinaliza o reconhecimento da necessidade de abordagens diferenciadas para os empreendimentos que se instalam na região.

“A gente precisa dar um salto que está relacionado à segurança ambiental e ao desenvolvimento local. A Petrobras é uma empresa que tem capacidade técnica absurda. A gente vai conseguir atingir um novo projeto um nível de segurança ambiental que permita fazer com que os riscos que foram apontados pelo Ibama sejam solucionados e eu tenho absoluta convicção de que o governo brasileiro tem no seu horizonte político a necessidade de ter uma proteção adequada às questões ambientais, aos recursos naturais, mas também às populações que são diretamente afetadas”, analisa o pesquisador, que entende que as mesmas demandas devem atingir projetos como a Ferrogrão e o derrocamento do Pedral do Lourenço.

“Esses projetos também tem que seguir a mesma lógica. Eles não podem continuar só impactando ambientalmente. A gente tem que dar segurança ambiental para as coisas e tem que permitir com que as populações sejam ouvidas. Não se pode desconsiderar os territórios e o impacto que esses grandes empreendimentos tem na vida das pessoas. A gente passa agora para um novo patamar em que se viabiliza essas grandes obras, mas se pensa num ponto que nunca havíamos pensado com tanta seriedade, que é a proteção ambiental e a resposta ás comunidades locais”, completa Adolfo Neto.

Já José Maria Mendonça também considera que é possível conciliar a agenda ambiental com crescimento econômico desde que se priorize os anseios da população. “Eu parto do princípio que se outras nações conseguem conciliar, nós conseguimos também. Nós temos que ter autoridade de dizer o que nós queremos”, afirma.

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