'Caixinha' é opção de poupança entre amigos

Grupos de amigos e familiares encontram neste método uma opção de crédito facilitado, mas juros nem sempre são baixos

Elisa Vaz

Menos de um quinto dos brasileiros consegue poupar dinheiro, de acordo com dados divulgados pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), e um dos principais motivos é a falta de disciplina. Por conta disso, na hora do aperto financeiro, é preciso recorrer a soluções viáveis. Uma delas é a chamada "caixinha", uma contribuição feita mensalmente por grupos de amigos, familiares ou colegas de trabalho, em que os participantes podem solicitar empréstimo dos valores arrecadados a juros que podem variar entre 20 e 30% ao mês - em vez de pegar dinheiro emprestado em bancos, acaba sendo uma negociação informal.

Uma das pessoas que têm o costume de participar da modalidade é a psicóloga Cleide Nascimento, de 52 anos. Ao lado de outras 11 familiares, Cleide é integrante de uma caixinha que já existe há dois anos. Funciona da seguinte forma: mensalmente, os cotistas fazem o pagamento das cotas que possuem, além de pagar parte de um evento que seja produzido no mês. No total, são 23 cotas, porque alguns participantes têm mais de uma.

Na opinião da psicóloga, esta é uma ótima forma de guardar dinheiro para as festas de final de ano, presentes de aniversário, gastos extras e outras despesas, como viagens. "Dinheiro na mão é vendaval, então é bom poder contar com uma ajuda no final do ano. É como um cofrinho, com a vantagem de que o dinheiro não fica parado, sempre tem uma correção de mercado, mesmo que pequena. Um dos benefícios é que o investimento retorna para você com menos burocracia", argumentou Cleide. Além disso, ela acredita que é positivo não precisar contribuir com os bancos e corretoras, já que o lucro é dividido apenas com os colegas que colaboraram.

Para que o sistema dê certo, o grupo decidiu manter o empréstimo como uma obrigação dos participantes, para gerar mais lucro. Desta forma, todos precisam pegar um valor, com uma margem de segurança, sem ser prejudicado. Na transação, o participante solicita o dinheiro e é calculado o percentual de juros. No mês seguinte, efetua o pagamento total ou parcial. "Existe um tempo máximo para que ele quite o empréstimo, é uma segurança para nós. Mas não cobramos juros altos, então sempre é tranquilo para pagar", explicou Cleide. A coordenação da caixinha ainda possui um regulamento que estabelece as condições de funcionamento, como o valor das cotas, datas de pagamento, percentual de juros, atrasos, eventos e outros itens.

Orientações

Apesar da facilidade, é preciso ter cuidado na hora de se envolver com os empréstimos. Conforme explicado pelo economista Eduardo Costa, um dos pontos mais importantes antes de iniciar a caixinha é ter segurança na gestão do grupo. "Muitas vezes, o coordenador da caixa não tem o devido controle sobre os valores que entram e os que saem. Essa falta de organização pode prejudicar, então é ideal escolher alguém que vá anotar tudo, além de ser uma pessoa confiável para todas, porque ela vai cuidar do valor total", explicou.

De acordo com o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA), Bernardo Mendes, o método é totalmente legal, porque não chega a ser paralelo ao sistema financeiro. "É bem simples, uma reunião de pessoas. É informal, mas os integrantes levam a sério, criam contas em bancos, com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e tudo. O problema é outro: a taxa de juros deveria ser mais baixa que a do mercado, e às vezes é cobrado mais que os próprios bancos", disse o advogado. A indicação é que o percentual fique de acordo com a inflação vigente.

Segundo ele, isso configura agiotagem, prática de emprestar dinheiro fora do mercado de crédito legítimo, sem autorização ou submissão à regulação, que é considerada crime contra a economia popular, previsto na Lei nº 1521/51. A penalização para essa prática é de reclusão de até dois anos. No caso de ocorrência do crime ou de outro tipo de golpe, como a falta de pagamento, Mendes indica que os membros devem fazer apuração de responsabilidade e contratar um advogado para dar seguimento ao caso. Para que isso não ocorra, o ideal, segundo o especialista, é criar atas de reunião, anotando todos os detalhes das reuniões e coletando assinaturas.

Formas de investir

O economista Eduardo Costa disse que as caixinhas lembram o 'auxílio mútuo', uma forma de ajudar trabalhadores e suas famílias em casos de necessidade. "Esse método funcionava da seguinte forma: criava-se uma associação para guardar dinheiro, e caso alguma pessoa tivesse um problema de saúde ou emergência, poderia utilizar o dinheiro e pagar depois. Também poderia ser doada para as família dos trabalhadores que falecessem, por exemplo", disse. Na avaliação dele, o auxílio mútuo se aproxima muito da caixinha, portanto, o objetivo não é criar um fundo de renda para a coletividade, porque, para ele, existem outras formas melhores de investimento e poupança. 

"Esse modelo não é indicado para guardar dinheiro porque, para que a caixinha renda dinheiro, alguém precisa emprestar os valores com juros altos, então você ganha em cima da sua família, amigos ou colegas, esse não é o intuito. As que têm taxa de juros alta geram um ciclo de endividamento financeiro e algumas pessoas podem ter problema e desgastar as relações". Para quem quer fazer render o dinheiro, a indicação de Costa é procurar outros mecanismos, dependendo do perfil individual de aplicação, como os fundos de renda fixa e variável, tesouro direto, poupança, ações na bolsa de valores ou em imóveis, compra de dólares, entre outros.

Em qualquer um dos casos, o mais importante é o planejamento das finanças, segundo o economista. O primeiro passo é analisar quanto se ganha e quanto se gasta, para estabelecer um valor para poupar mensalmente - deve girar em torno de 10 a 30% do salário, quando o orçamento familiar está equilibrado e saudável. Além disso, é preciso planejar os gastos e saldos e criar metas, como viagens ou a compra de um carro ou casa. "A partir desse foco, podemos pensar o seguinte: se quero viajar daqui a um ano e preciso de determinado valor, preciso poupar a porcentagem necessária para conseguir", disse. A última recomendação de Costa é tirar o dinheiro da aplicação apenas em casos de emergências.

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Economia
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