Alta dos combustíveis deve deixar fretes e alimentos mais caros
Representantes do comércio divergem sobre falta de abastecimento de produtos no Pará
O reajuste de duas casas no preço do combustível pode ter impacto além do abastecimento de veículos. A nova alta, de 18% para gasolina e 24,9% no diesel, passou a valer nesta sexta-feira (11) após anúncio da Petrobras e já impactou o setor de transporte rodoviário, incluindo transportadoras e caminhoneiros, e deve influenciar também no custo da alimentação básica nos supermercados.
Presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos do Estado do Pará (Sindicam), Eurico Tadeu explica que a situação do setor já estava difícil há algum tempo. A principal crítica do represente é quanto à fiscalização na tabela do frete, que não é cumprida pelas empresas, segundo ele. Agora, com a alta no preço dos combustíveis, o frete no transporte de cargas, que já estava defasado, subirá de forma “exorbitante”.
“Se a tabela do frete fosse cumprida, não teria problema, para o caminhoneiro, aumentar o preço do combustível, porque sobe o combustível e sobe também o frete. Uma coisa que precisamos entender é que a tabela não dá lucro, ela apenas custeia o caminhão. E o que acontece hoje é que as empresas pagam o que querem. Aqui no Norte piora porque não tem infraestrutura, as estradas são péssimas, e ainda por cima não tem indústria. Cerca de 90% dos caminhões do Sul e Sudeste vêm cheio e voltam vazios, porque não tem o que levar daqui. Isso tudo é custo. Agora a tabela vai ter que acompanhar, e o frete vai dar um pulo muito grande porque já estava defasada”, adianta.
Apenas no dia do anúncio do reajuste dos combustíveis, pelo menos 200 caminhoneiros pararam e várias transportadoras suspenderam suas frotas pelo país, de acordo com Eurico. O motivo é que não compensa fazer o transporte de cargas sem o reajuste no frete. Um dos impactos disso é a dispensa de centenas de caminhoneiros. Em segundo lugar, pode haver um desabastecimento de alimentos no Pará. “Os hortifrutis devem ser os primeiros, na Ceasa. Os supermercados também vão ser afetados. O agronegócio vai levar um baque grande pela falta de insumos e de transporte. A coisa está grave há muito tempo e ninguém está se atentando porque antes chegava o produto, agora vai desabastecer, e isso demora para voltar ao normal”, argumenta o presidente do Sindicam.
Alimentação sofrerá impacto rápido
Para além do desabastecimento, os alimentos que chegarem ao Pará devem ficar mais caros, na opinião de Eurico. “A empresa que tiver o produto venderá a preços mais altos”, alerta. Outros especialistas do comércio concordam. É o caso do presidente da Associação Comercial do Pará (ACP), Clóvis Carneiro.
Segundo o representante do setor, há dois impactos provocados pelo embate em volta dos combustíveis. Um é direto, já que a guerra na Ucrânia afeta a produção mundial de alimentos, e outro é indireto, porque a alta dos combustíveis tem efeitos negativos no frete e, consequentemente, no custo da alimentação, especialmente no Pará, que fica longe dos grandes centros produtores e é importador de outros Estados.
“A guerra tem um efeito direto na questão da alimentação, que antes mesmo da alta nos combustíveis já estava mais cara. Isso porque a Rússia é um dos grandes produtores de gêneros alimentícios e a Ucrânia também. Um exemplo é o trigo, alimento universal, que todas as culturas e povos comem e já está ficando mais caro. O milho e a soja também sofrerão este impacto. O segundo efeito é no frete. O Brasil é um país rodoviário – 67% de todas as cargas são transportadas por esta via. E a alta no preço dos combustíveis é impactante pelo seu volume; além de transportar, cozinhar os alimentos também ficará mais caro, por conta do gás de cozinha”, explica Clóvis.
Inclusive, a inflação como um todo deve ficar mais alta este ano e em 2023, na avaliação do presidente da ACP. A estimativa é de que, em 2022, ela alcance entre 13% e 15%. Porém, apesar dos preços mais altos, ele não acredita que haverá desabastecimento no mercado de alimentação: “Não acho que seja tão drástico, não vai ter desabastecimento. Mas tudo vai ficar mais caro, isso com certeza. Alguns analistas já falam em uma inflação de 10% nos EUA, e no ano passado a nossa foi 50% maior que a deles, então acredito que aqui e em todo o mundo a tendência seja essa”.
O representante da classe supermercadista, Jorge Portugal, que é presidente da Associação Paraense de Supermercados (Aspas), também não acredita que as prateleiras ficarão sem produtos. Porém, o preço, com certeza, será afetado. “Os preços das transportadoras não são como nos transportes coletivos. Diferente deles, o transporte rodoviário não é fixo, cada transportadora põe um preço, o caminhoneiro cobra outro, enfim, sempre é repassado no frete”, afirma.
Já o bolso do consumidor final deve sofrer mais impacto porque o Pará é um Estado importador de muitos alimentos que vêm pelo modal rodoviário. Com o aumento dos preços de combustíveis, o frete deve ficar mais caro, o que é um componente para o valor que chega ao consumidor final, explica Jorge. O presidente da Aspas também diz que este comportamento ocorre de imediato, sendo que os hortifrútis devem ser os primeiros a terem repasses.
“Com exceção das folhagens, que são daqui do Estado, a maioria das verduras vem de fora, como tomate, cebola, pimentão e outros. Apesar do aumento do combustível estar ocorrendo agora, já estamos sofrendo aumento de preços por conta da guerra. Houve uma disparada no óleo de soja e trigo antes mesmo do transporte. Infelizmente, o consumidor vai perceber aumento de vários produtos”, adianta o especialista. E de acordo com ele, não há como prever quando a situação vai voltar à normalidade.
Motoristas desistem do trabalho em aplicativos
Outro setor que já está sendo grandemente afetado pelas altas nos preços dos combustíveis é o de motoristas de transporte por aplicativo. Muitos deles, que operam com carros financiados ou até alugados, não estão conseguindo se manter nos aplicativos de mobilidade urbana e já buscam outras modalidades de trabalho, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores por Aplicativos do Estado do Pará (Sindtapp), Euclides Magno Júnior.
Na opinião do representante, o impacto é “desastroso” e mais uma perda para o setor, principalmente porque é um gasto que não estava dentro da programação. “Vivemos um momento muito triste que impacta diretamente nossa categoria. Nosso país está vivendo o desemprego, e nos aplicativos muitos pais de família conseguiram manter o sustento e agora estão voltando atrás. Do final do ano para cá só está aumentando a desistência, porque as locadoras estão cobrando muito mais caro pelos aluguéis de carro, e com a alta dos combustíveis poucos resistirão”, lamenta.
Para quem vai permanecer trabalhando como motorista de aplicativo, a saída, de acordo com Euclides, é pressionar as plataformas para que elas comecem a repassar o reajuste para os passageiros, aumentando o lucro dos trabalhadores. “Desde que as maiores plataformas entraram no mercado só estão baixando o preço, o repasse está cada vez menor para nós. Tentamos várias vezes negociar, mas não fomos ouvidos, eles são intocáveis pela legislação, já que nenhuma lei beneficia o motorista”, declara o presidente do Sindtapp. Para lutar contra esta situação, ele diz que vários motoristas já se mobilizaram em protestos nesta sexta-feira (11), mas que os grupos não foram muito expressivos. Há a intenção de fazer uma mobilização geral, para pedir apoio do poder público.
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