Trajetória da Lourdes Barreto fará parte do enredo de escola de samba do Rio de Janeiro
A Unidos do Porto da Pedra contará em 2026 a história das profissionais do sexo no Brasil
A ativista Lourdes Barreto, de 82 anos, terá sua trajetória contada no enredo da Unidos do Porto da Pedra em 2026, no Carnaval do Rio de Janeiro da Série Ouro. Para o próximo ano, a agremiação levará para a avenida a história das profissionais do sexo ao longo do tempo.
Sem o nome do enredo ainda definido, a Unidos do Porto mostrará um pouco da questão social, influência política e marginalização que envolvem a rotina da profissão.
Mesmo não sendo paraense, Lourdes fixou residência em Belém nos anos 1950. Ela deixou a Paraíba aos 14 anos após sofrer violência. Lourdes é uma referência nacional na luta pelos direitos das prostitutas e já liderou movimentos pela prevenção do HIV/Aids, educação sexual, liberdade sexual e enfrentamento à violência.
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“É muito importante esse destaque, que, além de mim, vai abordar outras pessoas. Como sou a única pessoa viva do início do movimento, irei ganhar esse destaque. A escola me procurou, mas ainda vamos conversar sobre os detalhes de como será essa participação”, conta Lourdes.
A ativista tem estampado em seu braço uma tatuagem que diz "eu sou puta", valorizando sua trajetória de luta e militância.
“A Lourdes é uma personalidade consagrada, foi eleita uma das 100 mulheres mais influentes e, após ter acesso à entrevista dela com o Pedro Bial, vi que ela realmente seria uma figura preponderante para o desenvolvimento do tema que está em sua fase de pesquisa. Particularmente, tenho uma relação muito simbiótica com Belém do Pará, tendo feito muitos enredos sobre a cultura local ao longo dos meus 40 anos de carnaval. Círio de Nazaré, Fordlândia, são somente alguns desses enredos”, conta Mauro Quintaes, carnavalesco da escola.
Como mencionado por Mauro, em 2024, Lourdes foi reconhecida como uma das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do ano pela tradicional lista da BBC. Um dos destaques é pela fundação da Rede Brasileira de Prostitutas, junto com Gabriela Leite, que é a primeira organização nacional de prostitutas na América Latina. Além disso, juntas elas lideraram o movimento que resultou no reconhecimento do dia 2 de junho como o Dia Internacional da Prostituta, um marco na luta por políticas afirmativas e reconhecimento.
A trajetória de Lourdes Barreto é contada com detalhes no livro “Lourdes Barreto: Puta Biografia”, lançado em 2023. Neste mesmo ano, o enredo da escola de samba Piratas da Batucada homenageou a ativista no desfile oficial do Carnaval de Belém.
“Estamos ainda na fase de pesquisa, mas o enredo tem três momentos: o primeiro, num contexto histórico, fala das grandes cortesãs, acompanhantes que fizeram história, verdadeiras confidentes, psicólogas, com relações de confidencialidade que iam muito além do ato sexual. Hilda Furacão, Madame Pompadour ilustram esse setor. Em um segundo momento, vamos abordar a luta, retratando os locais de trabalho e a face segregada deste ofício, o que dá o gancho para o terceiro setor, que fecha a apresentação da escola com a necessidade de dar voz a essa classe que não é vista, que é apagada pela sociedade”, destaca o carnavalesco.
Este ano, Mauro Quintaes comemorou 40 anos como carnavalesco. Destas quatro décadas, alguns momentos especiais foram vividos no Tigre de São Gonçalo e com a Amazônia como foco. Vivendo a segunda temporada dele na escola, o profissional esteve na agremiação na década de 1990. Inclusive, a ideia desse enredo, que faria parte de uma trilogia que narrava a história de segregação no Brasil, surgiu dele. Em 1997, Quintaes apresentou um tema sobre a loucura, em 1998 sobre ladrões e, em 1999, seria o enredo sobre as prostitutas, que não ocorreu na ocasião, mas será realizado 27 anos depois.
Em 2023, o carnavalesco retorna à Porto da Pedra e conquista o campeonato com "A Invenção da Amazônia", inspirada no livro A Jangada, de Júlio Verne, no Grupo Especial. Dois anos depois, na Série Ouro, Quintaes apresenta "A História que a Borracha do Tempo Não Apagou", que conquista o terceiro lugar, com referências ao Pará.
“O fato de a Fordlândia estar no Estado já é de grande relevância. A floresta vence, é o termo mais apropriado, e tornou-se o símbolo do enredo. O grande intuito do enredo é trazer à vista do grande público histórias que o Brasil desconhece, e a grande mensagem é contra a opressão estrangeira que vem tirar aquilo que é nosso. O Pará veio representado como defesa, como um grito de resistência por meio dos Mundurukus, garantindo a presença étnica dos verdadeiros donos da terra. A Amazônia é brasileira”, explica.
Com o enredo, a Unidos do Porto da Pedra ganhou o Estandarte de Ouro, prêmio de melhor escola da Série Ouro, em disputa promovida pelos jornais O Globo e Extra. No desfile deste ano, a agremiação contou a história da cidade industrial idealizada por Henry Ford no coração da Amazônia, localizada em Santarém, no Pará.
“Foi um grande presente para a escola, coroando um trabalho que vem de uma trajetória. Ao longo dos anos, já falamos do livro A Jangada, que nos deu a Invenção da Amazônia, um enredo lindo e premiado, que se passava na Amazônia. Falamos também do Lunário Perpétuo, com o Antônio de Nóbrega promovendo a cultura brasileira, principalmente o que vem do Norte e Nordeste do nosso país. Agora, temos a Lourdes Barreto, uma filha do Pará, e fico feliz por a Porto da Pedra ser a porta-voz cultural dessa luta que ela trava, revelando mais uma história de força e de luta. Me sinto feliz e confortável falando desses temas. Particularmente, o Pará e toda a sua amplitude cultural sempre me deu muita sorte”, finaliza Mauro Quintaes.
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