O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Sobre a alma e o espírito antes e depois da morte

Océlio de Morais

Quando um familiar ou algum conhecido falece,  é da tradição cristã a celebração do funeral, nele incluídas as exéquias eclesiásticas  – um rito religioso que dista o Século VI, a partir  dos enterros de monges e religiosos –  com dois sentidos: um,  como  rito de  despedida da família e da comunidade e, o outro, como ênfase à vivência da catolicidade e da reafirmação do  sentido pascal da morte cristã, isto é, que a morte  é uma condição inarredável da própria vida humana. 

Popularmente, diz-se que as exéquias  eclesiásticas são um rito religioso que serve para “encomendar ou recomendar” a Deus a Alma do falecido. Qualquer que seja a percepção acerca das exéquias – como ato religioso que une familiares e a comunidade cristã – a questão de fundo não é apenas o corpo  sem vida, cuja  matéria irá virar pó, conforme predito em Gênesis (3:19) “(...) porque você é pó, e ao pó voltará.”.

No entanto, a principal  questão é o que acontece antes e depois da morte corpórea, quanto à esperança da salvação  – temática abordada no Art. 4,“Se a esperança perdura, depois da morte, no estado da glória”,  da Questão 67: “Da duração das virtudes depois desta vida” da Suma Teológica” – relativamente à Alma e ao Espírito para aqueles que acreditam em Deus. 

Tomás de Aquino oferece um princípio de resposta a partir da esperança, definindo-a que “A esperança é mais nobre do que as virtudes morais, por ser Deus o seu objeto”.  Portanto, se a  esperança (como virtude teologal) dos bem-aventurados que têm fé, diz respeito à “glória da Alma”(Ecle 24, 29), a finalidade última da esperança é Deus como centralidade e base  da vida,  seja na sua completude corpórea e como na  incorpórea. 

A glória da Alma–   ter Deus como razão  –  leva nossa reflexão à questão da imortalidade da Alma, cuja essência é imaterial assim como a natureza do Espírito  Santo; contudo, não são idênticos. Então, quando se fala em imortalidade da Alma, o pressuposto – mas não para o ateísta  – é que cada indivíduo é dotado de Alma e de Espírito, condição  em que  o “corpo é a morada do Espírito Santo que Deus lhes deu", por isso, cada pessoa “deve glorificar a Deus com o seu corpo” (1 Coríntios, 6:19-20). Assim, a Alma tem uma intrínseca ligação com o corpo. 

Por outro lado, se a vida humana é esse conjunto integrado pelo  corpo (como morada  do Espírito Santo) , pela Alma imortal  e pelo Espírito Santo, surge outra questão: o que distingue a Alma e o que define a natureza  própria do Espírito, uma vez que este também é imortal? E,  qual a utilidade – e não utilitarismo materialista  – mas  espiritual em ter a conhecimento acerca dessas questões? 

A resposta será encontrada a partir das distinções que farei a seguir, com base na Suma Teológica.  Observemos o seguinte:  diferente do corpo (que sofre as dores das doenças e sente os prazeres  da carne), a Alma  incorpórea é, desse modo,   – conforme Aquino,  no Art. 1, item 1, da  “Questão 75: Da alma em si mesma” –   uma “substância espiritual”, do que resulta sua imortalidade e a designa como o “primeiro princípio da vida” humana. 

A condição de ser uma espécie de “motor" do corpo humano, pode ser traduzida como “motor” moral. Logo,  não significa que a Alma indivisível seja uma elemento  físico do corpo e, portanto,  nem pode ser dito que essa condição (de ser motor moral) exclua a funcionalidade natural ao cérebro e ao coração.

Porém, na qualidade de “ primeiro princípio da vida”, a Alma também “é uma potência intelectiva unida”, porque ela designa a virtude moral (honestidade, aqui, como valor ético) e também as virtudes teologais (fé, esperança, e caridade). Portanto, são essas as virtudes inerentes aos  bem-aventurados, aqueles cujas Almas têm Deus por finalidade.

Desse modo, parece-nos claro que é da indivisibilidade da Alma –  como um ser espiritual da Criação –  que decorre a sua imortalidade, cuja tarefa é ser o primeiro princípio moral da vida humana. A Alma  é, por fim, a condição intelectual moral da pessoa.   Então, retoma-se a questão: o que a difere do Espírito,uma vez que este igualmente é  imortal?

O  Espírito é  a própria força ativa de Deus. Nessa condição, diz Aquino, o “espírito é Ingênito”, ou seja,  é inerente à natureza humana, desde a nascença da pessoa, porém, como exclusiva obra do Criador:  “O  Espírito é essência divina”, afirma Tomás de Aquino.

Mas o que é a  “essência divina”? Aqui nos dá a resposta:  é  o “Amor e Dom de Deus”. Logo, isso leva-me a pensar e a afirmar que Santa é a natureza do Espírito  porque o Espírito como “essência divina” é o próprio “Amor e Dom de Deus” na vida da pessoa.

Por isso, a genuína natureza divina o qualifica como Espírito Santo, integrando a Santíssima Trindade: Deus Pai (o Criador onipotente e onipresente), Jesus (Deus Filho, o Verbo encarnado que viveu a condição humana) e Espírito Santo (o  Dom e o Amor de Deus, que habita  o corpo, se a pessoa pela fé, assim escolher e permitir). 

Por lógica teológica, se o Espírito Santo é o próprio  “Dom e o Amor de Deus” na vida da pessoa, e se o corpo é a “morada do Espírito Santo”, posso afirmar que a manifestação do Espírito Santo no corpo é a própria manifestação do Criador na vida humana. 

“O Pai” [Deus, acresceitei] “é maior pela autoridade de doador” [Criador, acrescentei]; “mas não é menor o Filho, ao qual um ser é dado” [o Espírito, acrescentei]”, explica Tomás de Aquino, ainda na Suma Teológica. 

O paralelo entre Alma e Espírito é esse: enquanto a Alma, como primeiro princípio motor da vida, pode escolher a virtude moral, com vista à elevação ético-moral da pessoa, o Espírito (por ser a força ativa de Deus) é a expressão do  próprio Amor divino, porque – como disse Agostinho de Hipona – “O Pai”  [Deus] “é o princípio de toda divindade.”

Em conclusão, a Alma  como substância espiritual existe para o corpo, assim como o corpo deve existir para o Espírito, isto é, deve existir como Dom e como Amor de Deus. É através da Alma  – a  potência intelectiva unida inerente a cada indivíduo – que a pessoa faz as escolhas  entre o bem e o mal, entre o ético e o aético. A isso se denomina de livre arbítrio, temática abordada por Agostinho de Hipona, no livro “Sobre o Livre Arbítrio, assunto ao qual já dediquei a crônica filosófica “Agostinho e a Liberdade”, no meu livro “Humanismo: Liberdade Filosófica. São Paulo: Dialética, 2023, p. 21-14).

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