Transporte clandestino: demanda reprimida e desemprego geram insegurança a passageiros

Pesquisadora destaca que dois problemas sociais se encontram e que alimentam o mercado do transporte clandestino na Região Metropolitana de Belém

Victor Furtado
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O transporte clandestino ainda é uma realidade na Região Metropolitana de Belém. Muitos veículos escapam da fiscalização diariamente, ignorando regras que o transporte regularizado precisa seguir. O resultado é que passageiros são submetidos a vans e micro-ônibus em condições precárias, superlotação e preços que costumam não condizer com o serviço prestado. Esses problemas podem ser vistos no acidente que ocorreu na última terça-feira (19), em Benevides, que deixou 14 feridas. Um micro-ônibus clandestino, de Santa Bárbara do Pará com destino à capital paraense, capotou quando um pneu careca estourou.

A oferta do transporte clandestino só existe porque há demanda. É o que destaca Maísa Tobias, pós-doutora em Mobilidade Urbana e professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA). Na avaliação dela, dois problemas sociais se encontram nesse segmento de serviço irregular: a necessidade de deslocamentos e o desemprego. De um lado, há uma parcela da população que precisa de transporte e não é atendida pelo serviço regular. De outro lado, um trabalho informal que visa justamente atender a essa demanda reprimida. A continuidade da prestação, diz ela, se deve à falta de fiscalização.

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A justificativa é que hospitais, como o Ophir Loyola, que realizam o atendimento oncológico, estão concentrados em Belém, então o paciente de Ananindeua precisa se deslocar

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Algumas regras obrigatórias ainda estão mantidas, como uso das máscaras no transporte público e em casos de contato com pessoas doentes

Essa necessidade é sentida diariamente por Valdirene Rocha, empregada doméstica e que mora na Augusto Montenegro. Pela manhã, com dificuldade devido à superlotação e horários pouco certos, ela consegue pegar uma entre as várias linhas disponíveis para chegar ao centro de Belém. No trabalho dela, costuma largar somente depois das 22h30. Nesse horário, já não consegue mais encontrar tantas opções. "Às vezes é de ficar uma hora na parada e não conseguir pegar ônibus. Aí passa uma van, cobrando R$ 5, e a gente pega. Mas não é tão confortável também", relata.

"Se veem uma possibilidade, uma brecha na fiscalização do poder público, pessoas que precisam trabalhar para sobreviver encontram no transporte de pessoas um mercado. Se tem oferta, é porque tem demanda. Quem trabalha no transporte clandestino não é tão diferente de um camelô. Já para os usuários, às vezes, esse transporte não oficial é o único elemento de mobilidade. Muitas pessoas não conseguem arcar com um veículo próprio ou pagar corridas num aplicativo. O clandestino é o que sobra", detalha Maísa.

image Sem seguir regras, algumas linhas clandestinas tumultuam o trânsito e colocam em risco passageiros e os próprios trabalhadores informais (Thiago Gomes / O Liberal / Imagem Ilustrativa)

Gestão integrada e investimentos são a solução, diz pesquisadora

Para a professora, a fiscalização do poder público acaba falhando duas vezes. Além de não conseguir evitar o transporte clandestino, a qualidade do transporte regular deixa a desejar. Com isso, Maísa destaca: o transporte clandestino é o sintoma de que a gestão desse serviço não está funcionando bem. Enquanto esteve à frente da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) — o maior órgão de mobilidade da RMB —, adotou algumas medidas para enfrentar o problema, que resultou na regularização de alguns segmentos. No Plano Diretor do Transporte Urbano (PDTU), destaca a professora, já era prevista a necessidade de um órgão integrado de gestão metropolitana.

"Transporte clandestino se combate com investimentos na qualidade da prestação do serviço, para que seja atrativo e eficiente. E com uma gestão integrada do transporte público. A última entidade que tínhamos deixou de existir em 1989. Depois disso, cada prefeitura cuida da sua cidade e a Semob, de um certo modo, acumula essa função e fere a independência dos demais municípios", comenta Maísa.

Sobre o caso do micro-ônibus clandestino que se acidentou em Benevides, Maísa disse que houve um ciclo de omissões da partida do veículo até o acidente. "Se estava circulando, alguém deixou. Se era intermunicipal, seria a responsabilidade da Arcon. Passou por uma PA, a Polícia Rodoviária Estadual. Se passou numa BR, a Polícia Rodoviária Federal. Se saiu de Santa Bárbara do Pará, há a responsabilidade da prefeitura. Quem estava dirigindo? Tudo isso precisa ser analisado porque nesse tipo de fiscalização, Estado, União e municípios são corresponsáveis. Por isso uma gestão integrada e metropolitana é necessária", conclui.

Por nota, o Núcleo de Gerenciamento do Transporte Metropolitano (NGTM) informou que "...com a implantação do sistema BRT Metropolitano, a Lei do Sistema Integrado de Transporte Público da Região Metropolitana de Belém (SIT/RMB), criada em 2020, prevê a criação de um Conselho com representantes das prefeituras de Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides, das prestadoras do sistema de transporte metropolitano e usuários para acompanhar a prestação do serviço". Essas e outras medidas de gestão integrada só devem avançar após o início da operação do BRT Metropolitano.

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