Paraense não mente, ele conta história: verdade ou mentira?

Entenda o aspecto psicológico da mentira e a origem deste dia dedicado a ela

Camila Guimarães

Já diz a cultura popular que o paraense não conta mentiras, conta potoca: são histórias e causos sobre os quais descobrir se é verdade ou mentira pode ser uma verdadeira missão. É esse clima de humor e desconfiança que toma conta do dia 1º de abril, considerado no Brasil e alguns outros países como Dia da Mentira.

A data tem origem na França, no século 16, devido a uma confusão causada pela adoção do calendário gregoriano no país, em 1562. Antes disso, o Ano Novo era comemorado de 25 de março a primeiro de abril. Quando o Papa Gregório XIII instituiu o novo calendário e o feriado passou a ser 1º de janeiro, algumas pessoas resistiram à mudança.

Para zombar dos mais conservadores, algumas pessoas começaram a praticar brincadeiras quando chegava 1º de abril, enviando presentes e convidando os mais tradicionais para festas que, na verdade, não existiam. A pregação de peças se espalhou pelo país e, com o tempo, pelo mundo, fazendo com que a data fosse considerada o Dia da Mentira, ou ainda, o Dia dos Bobos.

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Na feira do Peixe, no Ver-o-Peso, em Belém, só de falar em mentira, os vendedores logo se lembraram do peixeiro Armando Souza, que trabalha no local há 20 anos. Segundo os colegas, ele é um grande contador de histórias (verídicas ou não) do local. Logo descobrimos o porquê: “Eu não posso aparecer porque eu sou procurado”, alegou Armando, de brincadeira, quando foi abordado pela equipe de reportagem.

Natural de Abaeté, Armando considera o paraense um povo até muito sincero, mas isso não o impede de ser um contador de histórias das boas: “Quando eu comecei a trabalhar aqui, um primo meu trabalhava comigo. Ele veio do interior, tomava sete litros de açaí por dia, mais dez quilos de farinha. Eu disse ‘esse vai dar prejuízo pra mim, porque está caro o litro’. Quando vi ele estava tomando dez litros de açaí e eu disse ‘vá para o interior porque lá o açaí é de graça’, e mandei ele embora”, relatou.

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Provavelmente o primo de Armando deve ter voltado para a “fazenda da família”, onde eles têm uma “coruja com mais de 30 metros de largura, de asa a asa”, que fez ninho “em cima de uma árvore com 30 metros de diâmetro na base” e onde eles “tiram açaí de uma torneira enxertada no tronco do açaizeiro”. Mas quando o assunto é negócios, Armando diz que a coisa é séria: “se eu for vender uma dourada aqui, eu não vou vender como filhote, porque eu vou estar enganando a pessoa, mas tem certos lugares que fazem isso”, diz.

Quem mente e não tem vergonha de admitir é Anderson das Neves, que também vende peixe na feira há mais de 20 anos. Para ele, todo mundo mente todos os dias, não tem como evitar: “Só no Dia da Mentira que minha família diz que é o único dia que eu falo a verdade”, brinca.

Já para Antônia Barros, vendedora de ervas há 12 anos na feira, a mentira é um problema generalizado: “Quem dera que fosse só o paraense que mentisse, que a gente dava um jeito. Todo mundo mente, às vezes para se defender, às vezes para se vangloriar… Para não contar mentira, mesmo, só Deus”.

Na visão da psicóloga e neuropsicóloga infantojuvenil, Ketlen Boulhosa, a prática da mentira pode ter mesmo várias motivações: “Pode ser por uma compulsão, por gostar de mentir, mas existem os fatores psicoemocionais, como ansiedade, medo, insegurança, frustração. Mentimos quando cometemos algum ato ilícito, ou para conseguir algum ganho. Mas existem fatores psíquicos que nos fazem mentir porque acreditamos naquela mentira”, explica.

Para Ketlen, a mentira é uma prática comum do ser humano, mas que pode se manifestar como uma doença: “seria o caso da mitomania, um processo patológico mesmo. Entra aqui também a possível relação com outros transtornos como bipolaridade, esquizofrenia, transtornos de personalidade. As pessoas que têm mitomania costumam mentir compulsivamente, mesmo sem proveito próprio”.

Entretanto, ainda que não se trate de algum distúrbio, Ketlen afirma que a mentira não é uma coisa boa, mesmo na psicologia: “a gente observa uma dificuldade de encarar a verdade e de se confrontar às vezes. Também tem relação com traços de caráter. É claro que, no 1º de abril, ela ganha esse sentido de humor, de brincadeira, mas no dia a dia, se uma pessoa mentir muito, pode ser um problema”.

A psicóloga explica que a pessoa que mente e não tem mitomania, nem nenhuma outra patologia psicológica, tende a manifestar no corpo sinais de desconforto por não acreditar totalmente na própria mentira e deixa as dicas: “A gente percebe porque elas não conseguem firmar os olhos em você, começam a olhar para o lado ou pra cima, pensam muito antes de falar, apresenta alguma alteração na voz ou um tique nervoso no corpo, seja nas penas, nas mãos… Algum sinal a pessoa manifesta”.

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