Educação em Belém enfrenta crise herdada da gestão anterior, afirma secretário municipal
Falta de merenda e déficits de aprendizagem são desafios com os quais a administração atual já começam a lidar
A educação pública de Belém enfrenta um cenário preocupante, alerta o secretário municipal de educação, Patrick Tranjan. Em entrevista exclusiva ao O Liberal, o gestor revelou que a secretaria tem lidado com dificuldades estruturais e administrativas herdadas da gestão anterior, entre elas, problemas na estrutura das escolas, falta de merenda, baixo orçamento e falta de organização administrativa que tem impactado diretamente na qualidade da aprendizagem na capital.
Crise na merenda escolar
Ao descrever a situação encontrada quando assumiu a gestão, Tranjan destaca um problema crítico envolvendo a merenda escolar que, até o ano passado, era responsabilidade da Fundação Municipal de Assistência ao Estudante: "não tinha o estoque de merenda comprada, o galpão não estava desratizado (tinha rato dentro do galpão), poucos gêneros alimentícios tinham sido comprados, não havia sido feita licitação para a compra de todos os gêneros, logo, não era possível cumprir o cardápio planejado para a rede", descreve o secretário.
O gestor ressalta que o problema já vinha acontecendo há, pelo menos, seis meses, afetando, sobretudo, estudantes em situação de vulnerabilidade, que vão para a escola na expectativa de ter uma alimentação mais adequada do que aquela que eles têm acesso em casa. O problema prejudica, de forma ainda mais grave, as crianças na primeira infância:
"A primeiríssima infância, os primeiros mil dias de vida da criança são os mais importantes, estudos já demonstram que a qualidade do que é ofertado para o bebê nesse período determina a grande parte do que vai acontecer ao longo da vida - a capacidade de aprender, níveis de salário, saúde, inclusive segurança pública dos municípios é afetada pelo que é ofertado às crianças nesses primeiros mil dias. Então, quando a gente olha que a rede estava com um problema de merenda escolar, todos esses bebês foram prejudicados, porque eles não tiveram alimentação adequada na escola e, ter alimentação adequada amanhã não resolve um problema de alimentação inadequada de ontem. Então, essa é uma etapa que é muito preocupante", analisa.
Educação infantil desamparada
Ainda se tratando de educação infantil, Tranjan traz um dado alarmante: Belém não tem vagas na rede municipal para todas as crianças de 4 e 5 anos de idade, deixando uma demanda simplesmente desatendida, sem oportunidade de entrar na escola pública municipal a partir da faixa etária considerada obrigatória pela Constituição Federal:
"De zero a três anos é opcional a matrícula: a família não é obrigada a colocar o filho na escola. Porém, com quatro e cinco anos é obrigatório. Essa etapa é de responsabilidade do município - não do Estado - e a prefeitura não atende 100% das crianças. Faltam prédios, faltam vagas", aponta o secretário.
Ele pondera que um fator relevante para esse problema é a falta de imóveis para locação e de terrenos para construção de unidades educacionais que atendam esse público em específico, sobretudo na área mais central de Belém. Entretanto, Tranjan acredita que existem meios de viabilizar estrutura física que não vinham sendo explorados pela antiga administração:
"A gente está num processo, hoje, de fazer um mapeamento de locais disponíveis na cidade, tanto para construção quanto para locação, inclusive com a secretaria entrando com a reforma do prédio, para viabilizar as condições adequadas, porque, sem colocar todas as crianças na escola, não adianta falar em qualidade da educação", afirma.
Apesar de não ser obrigatória, a oferta de educação para crianças de 0 a três anos de idade, com creches, por exemplo, também acaba sendo uma necessidade. Principalmente em um cenário em que muitas mães solo precisam ter onde deixar seus bebês para poder trabalhar. Mas, se na faixa etária onde a oferta de vagas é obrigatória a secretaria não vinha dando conta de atender toda a demanda, o problema é bem maior na faixa etária não-obrigatória, ele aponta.
"Eu tenho uma preocupação muito grande com a qualidade das estruturas que são utilizadas para atendimento da creche e da pré-escola - que são os bebês de zero a seis anos de idade - essas têm uma estrutura mais precária. E, nessa etapa da vida, a estrutura é mais fundamental do que no ensino fundamental, porque a gente tem a questão da motricidade dos bebês, dos estímulos que, inclusive, são táteis e apoiam o desenvolvimento deles. Então, nessa etapa, a estrutura é mais importante, não só a estrutura, mas o conjunto de equipamentos que as escolas têm", comenta.
A Escola Municipal de ensino Infantil Miguel Pernambuco Filho, no bairro da Condor, em Belém, concentra vários dos problemas citados por Tranjan: cozinha em situação precária, inadequada para a manipulação de alimentos, carteiras e ventiladores enferrujados, mofo nas paredes e no teto, banheiros com baixa condições de higiene e, até mesmo, parte do telhado exposta depois que o forro desabou e nunca mais foi reformado. “Quando entrei no banheiro desta escola, vi que os problemas começaram com coisas pequenas, mas, como a escola não tinha recursos nem suporte da secretaria, a situação piorou. Agora, o único jeito é demolir e construir um novo”, avaliou o secretário.
Atraso no início do ano letivo
Outro assunto destacado pelo secretário foi o atraso no processo que desencadeia o início do ano letivo de 2025: a contratação de professores e o início das matrículas:
"Esse é um processo que tem que ser iniciado durante o mês de dezembro, para que você finalize ele no meio do mês de janeiro, contrate os professores na segunda quinzena de janeiro e possa ter todos os alunos, com professores, na sala de aula. Mas a situação que a gente encontrou é que o processo nem havia sido iniciado, em janeiro deste ano, e havia a previsão de que ele só fosse finalizado em maio", revela o gestor.
Como uma forma de agilizar o que ficou atrasado, o secretário conta que a primeira providência foi fechar a primeira etapa da matrícula no dia 20 de janeiro para que, do dia 20 ao 27, fosse realizada a lotação dos professores e a contratação de eventuais profissionais temporários para suprir a necessidade da rede.
Reflexos na aprendizagem que geram desigualdade
Patrick Tranjan critica a falta de uma diretriz pedagógica em Belém. O recurso ajuda a nortear a tomada de decisões da gestão, porém, sua ausência impactou na falta de dados estatísticos capazes de aferir a aprendizagem na rede municipal, impossibilitando também traçar o perfil das principais necessidades dos alunos: "a gente está falando da terceira pior capital do Brasil em termos de aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática e isso é fruto de falta de diretriz pedagógica".
Para exemplificar, o secretário cita uma das falhas no processo de ensino-aprendizagem já observadas: "a gente tem crianças que estão em escolas boas onde, teoricamente, deveriam estar aprendendo mais, porque tem melhores condições familiares, melhor estrutura, mora mais próximo das escolas, passa menos tempo de transporte, tem uma alimentação melhor em casa, mas não estão aprendendo. Isso sinaliza que o aprendizado não depende 100% da estrutura, que tem algo acontecendo, ou deixando de acontecer, dentro da sala de aula. Sem uma diretriz pedagógica para o conjunto de escolas da rede, a gente não consegue nivelar as práticas e aproximar a aprendizagem desses estudante", afirma o gestor.
A desigualdade impacta também o financiamento: "a prefeitura de Belém não atingiu uma das metas para recebimento de recurso federal ano passado, que era de reduzir a desigualdade de aprendizagem entre alunos negros, pardos, indígenas e alunos brancos. Ou seja, a antiga gestão não conseguiu fazer com que as crianças aprendessem a mesma coisa a depender da cor delas", revela Tranjan.
A despeito da ideia de que essa meta não foi batida devido às complexidades de atender diferentes realidades, como estudantes ribeirinhos, por exemplo, Patrick Tranjan afirma: "O Governo do Estado atingiu [essa meta]. Ele vai receber 270 milhões de reais esse ano em função disso. Então, não é a complexidade do local, de Belém, porque o Governo do Estado conseguiu atingir".
A informação preocupa pois, de acordo com Trajan, os recursos deixados pela gestão anterior não são suficientes para cobrir sequer as demandas já existentes da Secretaria de Educação. “Se não houver nenhuma nova demanda, o orçamento ainda assim não suporta as necessidades da rede”, afirmou. Ele criticou a alegação da antiga administração de que a prefeitura poderia remanejar até 50% do orçamento. “Remanejar significa tirar de um lugar para colocar em outro. Se a educação fosse prioridade, esses recursos já estariam alocados corretamente”, completou.
Secretaria elabora soluções
O atual secretário de educação de Belém afirma que a gestão tem estruturado um planejamento em três eixos principais: o acompanhamento próximo das escolas, buscando dar melhores condições de trabalho ao professor; uma gestão mais eficiente de recursos e o estabelecimento de uma política pedagógica.
Sobre o primeiro, Patrick Tranjan é assertivo: "O professor quer ajuda e suporte para conseguir trabalhar. A primeira coisa é a gente estar muito próximo de professores para entender quais são os desafios que eles estão enfrentando dentro das escolas e dar solução para isso".
Sobre a administração dos recursos, o plano da secretaria é articular melhor as necessidades reais das escolas quanto à alimentação, transporte escolar, indicadores de aprendizagem e atender o público de maneira mais eficiente.
Já sobre a política pedagógica, a ideia é a construção de um currículo que vai direcionar o que precisa ser ensinado, em cada série, de modo que todas as escolas de rede caminhem juntas nas mesmas etapas. "Se a gente tiver esse tripé forte na secretaria, a gente que vai conseguir trazer bons números pra gente".
Além disso, o secretário sinaliza que, em breve, o prefeito de Belém, Igor Normando, deverá anunciar novidades para a educação na capital, entre elas, propostas que devem viabilizar mais autonomia financeira para as escolas e articulação com secretarias como as de Saúde e de Assistência Social, para garantir um acompanhamento global do desenvolvimento infantil.
Ex-prefeito rebate críticas
Procurado para comentar as denúncias, o ex-prefeito Edmilson Rodrigues disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que “os avanços na área da educação foram alvo de premiações recebidas pela gestão do prefeito Edmilson Rodrigues, como o reconhecimento de Território Livre do Analfabetismo, pelo Ministério da Educação (MEC), e o Selo Ouro do Selo Nacional Compromisso com a Alfabetização 2024. Ainda, o prefeito Edmilson Rodrigues foi contemplado pela quarta vez, em 2024, com o Prêmio Prefeito Amigo da Criança, concedido pelo Unicef e pela Fundação Abrinq, em razão de investimentos integrados em saúde, educação, assistência social e cultural”.
"Sobre a merenda escolar, administrada por meio do Fundo Municipal de Assistência ao Estudante (FMAE), os problemas de falta de higiene devem ser atribuídos à atual gestão, que já assumiu há mais de um mês. Quanto ao estoque, foi deixado saldo nos contratos de algumas empresas fornecedoras para garantir o fornecimento nos meses de fevereiro e março. Ainda, a Secretaria de Gestão e Planejamento (Segep) organizou um pregão eletrônico, em fase de finalização, para licitar novos fornecedores de alimentação para os próximos dois anos dentro do cardápio estipulado. Além disso, a gestão deixou concluída a chamada pública para as cooperativas fornecerem os produtos oriundos da agricultura familiar, cuja efetivação é de responsabilidade da atual gestão”, declarou o ex-prefeito.
Ainda conforme o posicionamento de Edmilson Rodrigues, no que se refere à contratação de professores, a Secretaria de Educação (Semec), na gestão do Edmilson, convocou 598 aprovados no Concurso Público 002/2020, e realizou três Processos Seletivos Simplificados (PSS) - 001/2021, com 976 vagas, 002/2021, com 854 vagas, e 001/2024, com 1.530 vagas - para suprir a demanda da rede de ensino.
Além disso, em relação à matrícula de 2025, todas providências que cabiam à gestão de Edmilson Rodrigues foram tomadas no tempo correto, inclusive, tendo em vista à COP 30. A Portaria 1.938, de 30/08/24, regulamentou os procedimentos de pré-matrícula e de matrícula da educação básica para a rede pública de ensino municipal, publicada no Diário Oficial do Município de 2 de setembro de 2024. Ainda, a Portaria 3.119, de 26/11/2024, organizou a matrícula para iniciar o ano letivo a partir de 15/01/2025.
"A gestão possui diretrizes pedagógicas e curriculares e avaliações diagnósticas com o sistema de ensino dividido em quatro ciclos. O Centro de Formação de Professores Paulo Freire orientava as escolas todo início de ano letivo para delinear os diagnósticos para que o planejamento pedagógico suprir as disparidades de aprendizagem e traçar o perfil dos estudantes. A Semec possuía o projeto Alfabetiza Belém para dar conta da recomposição de aprendizagens a partir da aplicação da Prova Belém, que identificava os alunos não consolidados nas aprendizagens”, declarou Rodrigues.
"A gestão reformou, recuperou e revitalizou 92 escolas (quase a metade da rede de ensino, que se encontrava em situação precária ou funcionando em imóveis alugados) e equipou 60 delas com sistemas de energia renovável (placas solares e biodigestores). Com isso, a Semec ampliou o número de vagas ofertadas na educação infantil, deixando 73.257 vagas de educação infantil, ensinos fundamental e médio e de Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, acrescentou.
"A gestão implantou o projeto escolas antirracistas a nível da educação e uma coordenadoria antirracista (COANT) para atender a gestão. A Coordenadoria de Educação para as Relações Étnico-Raciais (CODERER) e Coordenação de Educação Escolar dos Indígenas, Imigrantes e Refugiados (CEEIIR) pautaram várias ações para a rede municipal de educação obtendo avanços em uma política social antirracista”, detalhou o ex-prefeito.
"A gestão de Edmilson Rodrigues foi contemplada com as ações da CODERER na pesquisa nacional intitulada “Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira”, realizada pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, em 2023. A pesquisa identificou Belém como uma das seis cidades brasileiras referências na implementação de práticas antirracistas exitosas na rede municipal de educação. A gestão também foi contemplada com o Prêmio Educar com Equidade Racial e de Gênero, tendo a escola Iza Cunha como finalista com o projeto de gestão “Projeto Escola Antirracista: identidade, direitos e antirracismo na infância”, em 2024”, finalizou.
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