Dia das Mães também celebra a maternidade atípica

Mães de pessoas com transtornos, deficiências ou síndromes raras têm muito para comemorar

Camila Guimarães
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Dizem que toda mãe é como uma super-heroína. A analogia, muito utilizada no Dia das Mães, se deve ao fato de que a maioria delas sempre defende e protege seus filhos mesmo sob o custo do sacrifício pessoal. No universo da maternidade atípica - de mulheres com filhos com transtornos, deficiências ou síndromes raras - ser mãe chega a superar a figura heroica. Em alguns casos, elas são todo o universo de seus filhos.

É o caso de Carolina da Cunha Carvalho, de 33 anos, mãe de Christian, 11, Rômulo, 8, e Gael, 5 - os dois últimos com deficiência física e intelectual devido à microcefalia e à hidrocefalia, respectivamente. No caso de Rômulo, ele nasceu com uma má formação congênita, em que a cabeça é menor do que o esperado. Já a hidrocefalia, condição de Gael, se caracteriza pelo acúmulo de líquidos na cabeça, fazendo com que os ventrículos cerebrais se dilatem, provocando danos nas estruturas encefálicas. Ambos têm limitações físicas e cognitivas devido às condições.

Os quatro moram de aluguel, em Belém, próximo ao Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (Ciir), onde os dois menores fazem tratamento. A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) informa que o Ciir tem um total de 1.600 usuários cadastrados que realizam reabilitação; desses, entre 85% a 90% são acompanhados pelas mães e pelas avós. “No cadastro, o nome da mãe é obrigatório e, por isso, todos os cadastros possuem o registro da genitora. No entanto, há um revezamento de acompanhantes, o que impossibilita o sistema de extrair com precisão o quantitativo de mães que acompanham a rotina de tratamento dos filhos”, diz o órgão.

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Natural de Uruará, Carolina conta que deixou tudo para trás para oferecer aos filhos o tratamento de que precisam, ainda que tivesse que enfrentar a ausência total de rede de apoio na capital do estado. Desde que o primeiro filho com deficiência nasceu, Carolina conta que seu mundo mudou completamente.

"Eu descobri a especialidade do Rômulo quando foi medido o perímetro cefálico dele e perceberam que era menor. Era o período da zika e a gente imagina que tenha sido por causa dessa doença. Foi um baque. Eu trabalhava, estudava... Ter um filho especial foi um choque. Mas a gente foi se adaptando. Foi tudo tão corrido, por ter que viajar para outro município para procurar tratamento para ele, que nem deu tempo de cair na realidade. Foi caindo a ficha aos pouquinhos", conta Carolina.

"Já no caso do Gael, ele nasceu prematuro, de 8 meses, devido à correria com o Rômulo, e precisou ficar oito dias internado por causa de uma infecção por bactéria. Mas, na época, ele se recuperou, tomou antibióticos e teve alta. Mas, quando chegou em casa, começou a convulsionar. Mas a gente não sabia que era convulsão", lembra Carolina.

A mãe dos meninos conta que levou um tempo até Gael receber o diagnóstico correto e, quando recebeu, foi outro choque:

"A gente nunca se imagina mãe de criança especial. A gente imagina que a gente vai ter nossos filhos, que eles vão ter uma vida normal de criança, que vão correr, brincar, ir à escola, se formar, casar, ter filhos e tudo mais. E, quando a gente se depara com a realidade de ter um filho especial, que vai depender por muito e muito tempo enquanto tu estiveres em vida - dá aquele choque".

A despeito da rotina exigente, Carolina diz que se sente grata por cada dificuldade superada: "Eu sou muito grata a Deus porque às vezes as pessoas perguntam 'como tu dá conta?', mas, na verdade eu nunca parei para pensar como dou conta. Acho que Deus vai capacitando a gente e a gente vai vivendo um dia de cada vez e não dá tempo nem de parar para pensar. Eu me orgulho da pessoa que eu me tornei. Eu imagino que eu seja uma supermãe e o que eu puder fazer pelos meus filhos eu vou fazer”.

image Elizabete Motta, a mãe, e Sthefane Motta, a filha, praticantes de dança em cadeira de rodas. (Cristino Martins / O Liberal)

Superação por meio da dança

A pedagoga Elizabete Motta, 29, também é uma mãe atípica. Ela se dedica inteiramente ao cuidado das filhas, sendo a mais velha uma pessoa com deficiência. Sthefane Motta, de 16 anos, foi diagnosticada desde o nascimento com mielomeningocele – uma má formação congênita da coluna vertebral do feto que faz com que os ossos da coluna do bebê não se desenvolvam adequadamente. A condição faz com que Sthefane não consiga andar, mas isso não foi um impedimento para que a adolescente fizesse coisas ainda mais extraordinárias.

“Quando ela tinha uns 9 ou 10 anos – o ano era 2017 – a gente conheceu um grupo de dança para pessoas em cadeira de rodas e a gente gostou muito. No mesmo ano, foi criado um projeto para pessoas com deficiências diversas, incluindo pessoas em cadeira de rodas, então aí começou a nossa história na dança”, conta Elizabete.

Ela e a filha são parceiras, a maior parte do tempo, no universo da dança. A prática já rendeu, inclusive, premiações em nome do Pará: “Quando foi pelo período da pandemia, nós participamos de uma primeira mostra artística de um campeonato, online. E, agora, a gente já participou de mais dois campeonatos presenciais em que a gente conquistou medalha para o Pará”, diz a pedagoga.

Para Elizabete, a condição congênita que marcou a vida da filha, apesar de nunca ter sido imaginada antes do nascimento, não foi motivo para frustração, pelo contrário, é um fator de fortalecimento: “Não vejo como uma maternidade sacrificante. Eu vejo que, se não fosse isso, a gente não teria chegado a muitas conquistas. São muitas coisas boas de ser mãe da Sthefane”.

Além de mãe e filha serem grandes parceiras na vida e na dança, Elizabete conta, ainda, que a maternidade atípica também trouxe outros ganhos: “Eu recebo muitas mensagens de carinho e apoio também de outras mães atípicas, que são amigas. Isso também é muito emocionante e especial. É uma rede de apoio”.

image Anna Louise Oliveira e seus filhos, Júlia Maria e Gustavo. (Wagner Santana / O Liberal)

O principal desafio é o preconceito das pessoas

Mãe de Júlia Maria, de quatro anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e de Gustavo, 19, com Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), a assistente social e pedagoga Anna Louise Oliveira também vive uma maternidade atípica. Ela diz que sua realidade envolve muita abnegação.

“Ser mãe atípica significa ser uma mãe com muitos desafios. A gente tem que deixar um pouco a nossa vida profissional de lado para cuidar dos nossos filhos. Todos os dias tem terapia. A nossa casa tem que ser uma extensão da terapia para poder ter um bom resultado”.

Entretanto, apesar do desgaste de tanta entrega, a pedagoga afirma com convicção que a parte mais difícil está fora de casa: “O principal desafio de ter filhos atípicos sempre vai ser o preconceito, a aceitação da sociedade. Sempre vão olhar teu filho de um modo diferente. A sociedade não faz a inclusão que precisa ser feita. Eu, como assistente social, luto pela igualdade de direitos, luto para que seja feita essa inclusão. É triste ver que não é feito.”, conta Anne Louise.

A mãe de Júlia Maria e de Gustavo enfatiza uma mensagem que toda mãe atípica deveria ouvir: “Eu queria falar para as mães que estão descobrindo agora que seus filhos são atípicos, que tenham calma, que vocês vão conseguir. A gente tem que aprender a conviver com eles. Eles mudam toda a rotina de dentro de casa. Eu mudei toda a minha vida”.

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