Projetos no Pará usam tecnologia verde para produzir com consciência ambiental
Exigência do mercado internacional, colocar a natureza como prioridade dentro dos negócios tem feito parte da rotina de empreendedores da região amazônica
A sustentabilidade e a preservação ambiental dentro de negócios têm sido cada vez mais demandadas pelo mercado internacional, e as empresas amazônicas que não seguirem um equilíbrio entre produção e cuidado com a natureza podem ficar para trás. Economias mais desenvolvidas, como da Europa e dos Estados Unidos, estão dispostas a investir em projetos locais inovadores, mas que usem a tecnologia verde para garantir um consumo consciente e sem prejuízos ao meio ambiente.
No mercado há mais de uma década, a Horta da Terra, agroindústria de ingredientes que trabalha com o sistema sintrópico de agricultura e com melhor uso da terra, utiliza a tecnologia produtiva para exportar alimentos típicos da Amazônia, como açaí, jambu, chicória, vinagreira e outros itens em pó, liofilizados, com o objetivo de garantir uma conservação maior em prateleira e alcançar mercados internacionais. Tudo isso é feito com consciência ambiental, provando que é possível produzir em equilíbrio com a natureza.
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O sócio majoritário da empresa, Bruno Kato, conta que todo o trabalho é desenvolvido em uma “fazenda modelo” que fica no município de Santo Antônio do Tauá, no Pará. Antes dos 40 hectares de terra, 36 eram usados para produção, mas nada “ia para frente”, segundo ele. Agora, com a atuação de cientistas e pesquisadores da Horta da Terra, todo o espaço é usado para regeneração e apenas seis hectares são voltados para a produção, o que inverte a lógica do uso da terra.
A agricultura sintrópica atua da seguinte forma: junta, na mesma área, a produção de diversas culturas com a finalidade de criar condições ambientais e sustentáveis para a recuperação de áreas degradadas, ajudar no reflorestamento e proteger o meio ambiente. Para colocar em prática essa tecnologia verde, a empresa conta com investimentos de um fundo europeu e parceria da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), da Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USID, na sigla em inglês) e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat).
“Nós transformamos ingredientes amazônicos, conhecidos por nós, da região, mas que o mundo não conhece. O mundo não conhece os poderes das plantas amazônicas, e o propósito da Horta da Terra é promover a biodiversidade por meio do acesso por qualquer pessoa no planeta aos poderes nutricionais, funcionais e medicinais das nossas plantas. Para fazer isso acontecer, precisamos de muita tecnologia, porque trabalhamos com espécies que não são domesticadas, são espécies selvagens. Isso é inovação, ninguém está fazendo isso no planeta com as espécies do bioma amazônico”, ressalta o empreendedor.
A ideia dos cientistas, pesquisadores e investidores do projeto é provar que, com a tecnologia verde, a regeneração das florestas pode ser acelerada e ultrapassar a capacidade natural do meio ambiente. “A natureza evoluiu milhões de anos para disponibilizar as plantas que hoje acessamos e consumimos, da mesma maneira que tudo que está no ecossistema teve muita inteligência evolutiva envolvida. Temos nos apropriado do termo ‘natural tech’ para aprender com a natureza toda essa inteligência que foi gerada e transformar isso em tecnologia de manejo, por exemplo, para que possamos acelerar a regeneração da natureza - essa é a nossa tese - mais rápido do que ela sozinha”, enfatiza o idealizador do projeto.
Prática
Todos os produtos da Horta da Terra recebem a tecnologia de liofilização, a mesma utilizada para fazer alimentos para astronautas. Bruno explica que ela desidrata o produto a frio, não trabalhando com temperaturas que gerem degradação das propriedades naturais do produto. “Se o propósito é promover o acesso a esses poderes nutricionais, funcionais e medicinais das plantas, temos que conseguir preservar as propriedades. Decidimos por essa tecnologia de desidratação porque, com ela, conseguimos preservar completamente esses benefícios naturais”, detalha.
Outra vantagem, segundo o sócio e empreendedor, é resolver questões logísticas associadas aos desafios de infraestrutura da Amazônia na hora de movimentar os produtos frescos para outras partes do planeta. Como esses alimentos têm um tempo de prateleira muito curto, a liofilização ajuda a estender o prazo. Na teoria, a preservação dos produtos da Horta da Terra durariam até 40 anos. Na legislação brasileira, no entanto, Kato afirma que há um limite de 18 meses, enquanto alguns países já aceitam essa tecnologia em um prazo de 25 anos.
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O público-alvo da Horta é internacional, de acordo com o sócio-proprietário. “Entendemos que, hoje, o mercado internacional está muito mais consciente e interessado em produtos culturais que têm uma pegada sustentável. Acho que esse é um amadurecimento que o mercado brasileiro ainda está vivendo, e que outros mercados como Europa e Estados Unidos já estão em estágios mais maduros. Os consumidores observam melhor os rótulos, dão atenção para saber se a marca tem lastro e rastreabilidade, se usam tecnologias verdes; o consumo está muito mais consciente em países mais desenvolvidos”.
A usabilidade dos ingredientes pode ser diversa, incluindo uma forma mais individual e pura, como é a preferência do Bruno. Todos os dias, ele toma um “shot” dos pós produzidos pela Horta, como uma forma de elevar a imunidade e trazer benefícios à saúde. Mas, também é possível usar as substâncias para fazer cosméticos, cremes para aplicação farmacêutica, para a lubrificação íntima e outras utilidades. Além da experiência do sabor, a ideia é que esses produtos sejam usados por suas propriedades medicinais. Um exemplo é a taioba, que pode reduzir o estresse oxidativo de atividades físicas de longa duração, garante o empreendedor.
Contribuição
Para a economia, o impacto de empresas como a Horta da Terra também existe. Há contribuição com a geração de renda e emprego diretos, além da criação de posições voltadas ao novo mercado de economia verde. O time conta com profissionais formados e estudantes e cria mão-de-obra qualificada para as novas exigências.
“É um mercado tracionado pela Europa com economia verde e que vai demandar profissionais com habilidades, conhecimentos e competências novas para atender às demandas por produtos sustentáveis e sem impacto ambiental”, garante Bruno. Além disso, fazer negócios com o mundo, na opinião de Kato, traz renda e gera faturamento para a região. E as comunidades também são beneficiadas, porque recebem treinamentos e mentorias do projeto, com uma espécie de transferência de tecnologia e compartilhamento de valor na cadeia produtiva.
O foco, no entanto, vai além disso, e o sócio-proprietário diz que os modelos de negócios que trabalham com mais consciência e incluem a natureza como componente nas tomadas de decisões oferecem não só a redução do impacto negativo no meio ambiente, mas promovem um impacto positivo também.
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“Faz parte do nosso desenvolvimento como sociedade perceber que modelos antigos não fazem mais sentido e que precisamos incluir, efetivamente, a natureza no processo, e não mais desconsiderá-la nas tomadas de decisões. Olhar só para o aspecto econômico, claramente, fora do Brasil, não funciona mais. Os mercados internacionais demandam e exigem que você tenha produtos com uma pegada positiva para o meio ambiente e para o social; sem isso, fica difícil acessar”.
Sustentabilidade na Amazônia
Diversas outras iniciativas também têm atuado com o que há de mais tecnológico na busca pela preservação ambiental na Amazônia. Um deles é o Laboratório de Tecnologia Supercrítica (Labtecs), que faz parte do Espaço Inovação do Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, iniciativa do governo do Estado, e atua no desenvolvimento de produtos paraenses com alto valor agregado, utilizando tecnologia limpa e inovadora.
Coordenador do projeto, o professor Raul Carvalho explica que a tecnologia supercrítica é utilizada, principalmente, nas indústrias de alimentos, farmacêutica, cosmética e de materiais, criando novos produtos com alto valor agregado e com baixa geração de resíduos.
“O princípio da tecnologia se baseia no estado supercrítico da matéria definida quando qualquer substância encontra-se acima do seu ponto crítico de temperatura e pressão. O Labtest é protagonista nesta tecnologia na região Norte e vem gerando conhecimento científico e tecnológico por meio da formação de recursos humanos e desenvolvimento de novos produtos genuinamente amazônicos”, declara.
Uma das ideias que Raul já tinha há tempos era a de verticalizar os frutos e plantas da região, mas, para isso, era necessário o desenvolvimento tecnológico. Ele acredita que a tecnologia supercrítica pode ser a protagonista neste processo de desenvolvimento, pois oferece as vantagens de ser uma tecnologia verde, seletiva e com baixo custo operacional.
Por meio da extração de bioativos da natureza, que possuem alto valor agregado e que podem ser aplicados nas indústrias para geração de novos produtos, o professor e coordenador do projeto diz que é possível criar oportunidades de emprego e renda dentro do Estado a partir de uma nova indústria tecnológica.
“Será possível conscientizar a sociedade da importância de manter a floresta em pé. A indústria supercrítica agrega valor à floresta pois demonstra economicamente quanto vale um bioativo extraído dessa floresta e o quanto pode ajudar nossa sociedade no desenvolvimento de novos alimentos, fármacos e cosméticos”, garante.
Pará busca protagonismo em inovação tecnológica
Além disso, a implantação dessa nova indústria ajudará o Estado a ser protagonista na inovação tecnológica e novos produtos, na avaliação de Raul. “Podemos ser pioneiros no desenvolvimento de novos produtos da cadeia do açaí e cacau, pois, atualmente, são commodities, mas têm bioativos com alto valor agregado e que, com uso da tecnologia supercrítica, podemos gerar novos produtos”, diz. Até agora, o Labtecs já desenvolveu um leque de produtos com matérias-primas da Amazônia, com destaque para o açaí, cacau, murici, tucumã, patauá, bacaba, uxi, buriti, cupuaçu, jambo, jambu, cipó-pucá, mururé e outros, todos com a possibilidade de ser comercializados para o mundo todo.
Já o Centro de Empreendedorismo da Amazônia, associação sem fins lucrativos que atua na promoção e articulação de negócios sustentáveis com foco na floresta, biodiversidade, serviços ambientais e uso sustentável do solo na Amazônia, conta com um projeto diferenciado, que também alia o uso tecnológico com a preservação ambiental e a economia na região. Chamado Terras App, a iniciativa paraense oferece soluções para quem empreende no campo ou na floresta.
Segundo o diretor executivo do negócio, Raphael Medeiros, a plataforma traz diversas funcionalidades, desde a avaliação da situação ambiental da propriedade rural de forma rápida, a partir de imagens e ferramentas de mapeamento inteligente, até o monitoramento de áreas de interesse, utilizando uma base de dados de 40 anos de imagens de satélite para o mapeamento da cobertura do solo. Ele afirma que a iniciativa facilita a gestão da propriedade rural, organizando áreas como produção, insumos e recursos humanos, dentre outras funções. O projeto já recebeu premiações internacionais.
“A tecnologia é uma forte aliada da sustentabilidade quando utilizada a favor e em harmonia com a sociobiodiversidade. Acelerar processos de produção para alcance de escala, atestar origem de produtos e matérias primas, conectar pessoas e mercados, oferecer dados reais, precisos e acessíveis, a lista seria infinita”, ressalta.
Mercados mais exigentes exigem base tecnológica
Medeiros também acredita que as iniciativas que aliam a base tecnológica ao seu modelo de negócio tendem a estar mais preparadas para alcançar mercados mais exigentes e acessar créditos mais consistentes. “Não se trata de mecanizar ou robotizar. Trata-se de dar ao homem tarefas mais estratégicas como as relações intra e interpessoais e com a floresta”. Os projetos que o Centro de Empreendedorismo da Amazônia ajuda a desenvolver, de acordo com o diretor, trazem junto a tecnologia, muitas vezes na transversal, como forma de potencializar o que é feito pelos empreendedores. “Em alguns momentos, a própria tecnologia pode ser a indutora direta de mudança econômica”, avalia.
O Centro já desenvolveu, além do Terras App, uma jornada própria para a formação de empreendedores sustentáveis na Amazônia, levando o que há de mais moderno em conteúdo e técnica para criação de empreendedores e empreendimentos sustentáveis, em harmonia com a realidade, desejos e linguagens de cada cidade da Amazônia. Ao todo, mais de quatro mil jovens já foram formados e mais de 115 modelos de negócios sustentáveis desenvolvidos.
Outros oito projetos estão ativos com foco na formação empreendedora de jovens da Amazônia: Papo Reto, que leva informações sobre oportunidades na Amazônia pelo Instagram; Inova UP, com formação de empreendedores e de novas empresas sustentáveis nas cidades de Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas; Amazônia UP, programa de pré-aceleração de negócios sustentáveis na Amazônia; Embarca Amazônia, que leva formação a empreendedores nas cidades de Abaetetuba, Acará, Barcarena, Moju, Ipixuna, Tomé-Açu e Paragominas; Juruti UP, com formação de empreendedores e de novas empresas sustentáveis em Juruti e comunidades do entorno; Belo Monte Empreende, para formação de empreendedores e de novas empresas sustentáveis na região do Xingu; Floresta 360, que forma empreendedores e novas empresas sustentáveis nas cidades de Santarém, Porto de Moz, Óbidos, Oriximiná, Barcelos e Novo Airão; e Amazônia 2030, grupo de pesquisadores para a criação de um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira.
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