Pobreza menstrual: grupo se reúne para doar kits de higiene para mulheres em Belém

Projeto existe desde 2019 e realiza ações mensais para atender público feminino vulnerável da capital; absorventes, shampoos, desodorantes e preservativos fazem parte dos produtos

Camila Azevedo

Um estudo recente realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), envolvendo 1.257 pessoas que menstruam em Belém, mostrou que apenas 10,6% de quem foi pesquisado tem conhecimento sobre o período menstrual. Para tentar diminuir as desigualdades, um projeto voluntário criado em 2019, o Mulheres Por Elas (MPE), arrecada e distribui kits de higiene para mulheres em situação de rua e em comunidades vulneráveis. Além dos absorventes, shampoo, sabonete, preservativos e desodorante fazem parte do material.

O movimento é nacional e, em Belém, conta com a participação de 18 meninas. O objetivo do grupo é diminuir a realidade de pobreza menstrual que existe. Para isso, as ações ocorrem mensalmente: elas percorrem as ruas em pontos estratégicos, buscando mulheres que estejam precisando de ajuda. Geralmente, os bairros de São Brás e Campina são os escolhidos. Mais do que doar os produtos, o MPE oferece conversa, informações e acolhimento, porque as voluntárias entendem que esse é um momento para devolver a dignidade, ser apoio e um ombro amigo.

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A jornalista Evelyn Cruz, de 29 anos, é integrante do projeto desde a fundação. Ela explica que vários nichos são atendidos pelas ações e diversas necessidades são observadas ao longo do tempo, como a falta de conhecimento pessoal que muitas mulheres apresentam. “A gente não só leva objetos para elas, a gente também leva o nosso olhar, acolhimento, a gente conversa com elas, o pouco de informação que a gente tem. Eu levo para elas sobre menstruação, anticoncepcional, ciclo, qualquer coisa sobre ginecologia que tenha acontecido comigo”, diz.

Bazar é fonte de renda para ações do grupo

Evelyn afirma que as doações para que o MPE siga realizando as entregas de kits de higiene acontecem, mas não são tantas. As redes sociais são importantes para movimentar o trabalho e as voluntárias são divididas em equipes para conseguir divulgar as ações. “É através dele [Instagram] que nós tentamos captar [doações]. Já aconteceu de conseguimos parcerias por lá. Mas, infelizmente, não é suficiente, porque os itens de higiene não são baratos, o desodorante é mais de R$ 3, o shampoo… Nada é barato e a gente até entrou com um novo item agora, a calcinha. Estamos tentando implantar”, relata.

A ideia, então, foi fazer um bazar para que os fundos, destinados à compra dos produtos, chegassem e o projeto seguisse realizando as distribuições. Em um final de semana de arrecadação, elas conseguem uma boa quantia, visando concluir a meta de juntar 50 kits. As casas das meninas que participam do projeto são os pontos de coleta de roupas, que passam por um minucioso processo de separação e cuidado. “Nossa captação não é fácil. Então, começamos a fazer bazar e deu certo. Decidimos continuar, porque dá certo. Essa tem sido a nossa principal fonte de renda”, ressalta Evelyn.

image O movimento é nacional e, em Belém, conta com a participação de 18 meninas divididas em frentes de trabalho para o desenvolvimento das ações (Cristino Martins / O Liberal)

Dinâmica das ações

Eduarda Abreu, professora e diretora do MPE, destaca que as ações do projeto são divididas para atender as mulheres em situação de rua e as que vivem em comunidades carentes da Região Metropolitana de Belém (RMB). Apesar de haver uma meta para a quantidade de kits, elas sempre tentam aumentar. “No dia das ações, a gente faz um processo de como vai ser, como vai ser a segurança… Na rua, a gente tem uma periculosidade maior, então, organizamos as meninas para poder conseguir conversar com a mulher e fazer a doação do kit. A nossa maior doação foi de 150 kits, em uma comunidade”, conta.

O caráter itinerante que o projeto ganha quando vai às ruas em busca das mulheres é necessário. As vivências e observações pessoais de cada voluntária fazem parte da escolha dos locais para a distribuição. Eduarda explica que a localização delas não é certa e, geralmente, ficam junto com homens. “Porque isso demanda proteção para elas de outras situações que podem acontecer na rua. A gente precisa procurar por elas, só que, às vezes, a gente já sabe de alguns pontos que vê no nosso cotidiano que elas estão. A gente vai em São Brás, na praça do Operário, e ficamos reunidas. Depois, saímos procurando”, completa.

Pobreza e falta de atenção com pessoas em vulnerabilidade é motivação para voluntariado

Rayana Barros, de 21 anos, é fisioterapeuta recém-formada e conhece o movimento desde o início de 2021. Ela o descobriu por meio do Instagram e entrou para o grupo, motivada por uma amiga. A realidade vista nas ruas de Belém é a motivação para permanecer no trabalho voluntário. “Elas não têm quem cuide da saúde delas. Estão expostas à violência. Muitos vão para as ruas por conflitos familiares, também por transtornos mentais. Eu não acredito que a pessoa deva ficar na rua com fome, sem a dignidade preservada, a gente tenta justamente aliviar esses tormentos e é por isso que eu faço parte disso, a gente acolhe", pontua.

Rayana conta cerca de 10 incursões nas ruas pelo MPE. Dessas, afirmou ela, a mais difícil foi uma abordagem a mulheres no bairro de São Brás, na praça central, próximo ao monumento conhecido como ‘Chapéu do Barata’. Nesta ação, as voluntárias queriam entregar os kits a mulheres que estavam na área debaixo do monumento, mas alguns homens próximos – também em situação de rua – se aproximaram e insistiram em pegar os donativos e levar até às mulheres. As voluntárias não aceitaram a ação dos ‘atravessadores’. Porém, depois de muita conversa, tiveram sucesso na entrega.

Ação na Presidente Vargas

Na última sexta-feira (10), o grupo de jovens, entre 20 e 30 anos, se concentrou na Praça da República, e iniciou a ação de doação do mês na calçada de uma grande loja de departamentos em frente. Antes mesmo que elas começassem as entregas, alguns homens e mulheres se apresentaram espontaneamente. Depois, o grupo partiu para a frente da Caixa Econômica Federal, onde, já sabem, há uma senhora idosa que sempre é contemplada com a ação. Na abordagem, duas das jovens se aproximaram e puxaram uma conversa, perguntaram sobre como ela estava e ofereceram o kit. O grupo seguiu para o Ver-o-Peso.

Rotina

O grupo tem comissões distintas por tarefas como a de divulgação nas redes sociais, a de busca de contatos com influenciadores digitais para aumentar a visibilidade do próprio trabalho e também a possibilidade de arrecadação de donativos e de dinheiro com os quais as meninas compram os itens que compõem o kit de higiene pessoal.

O kit tem preservativos, um pacote de absorventes, shampoo do tipo "dois em um", cuja fórmula também funciona como condicionador, desodorante (de creme ou bastão) e álcool em gel. Elas saem uma vez por mês com, no mínimo, 50 kits prontos. Por causa do grande acesso de homens em situação de rua em busca de alimentos e de roupas, as jovens também incluem, nas entregas, lençóis e algumas peças do vestuário masculino e feminino. As roupas são colocadas em sacolas e as pessoas de rua ficam à vontade para escolher a peça que querem levar.

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