Proteção de crianças e adolescentes depende do cumprimento da Constituição, afirma juiz

Ele destacou ainda o fortalecimento da rede de apoio e o papel fundamental da tecnologia e da legislação para garantir os direitos na infância

Elisa Vaz
fonte

A proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade é um tema de extrema relevância. No Brasil, e mais especificamente na Amazônia, a desigualdade social e a falta de recursos públicos representam grandes desafios. Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), destacou a importância da integração entre os Poderes e a sociedade, o fortalecimento da rede de apoio às famílias e o papel fundamental da tecnologia e da legislação para garantir os direitos de crianças e adolescentes em todo o território nacional.

Confira a entrevista:

Quais foram os principais avanços do Judiciário brasileiro nos últimos anos em relação à aplicação das medidas protetivas para crianças e adolescentes?

Sérgio: Dos principais avanços eu destaco um movimento para que haja um fortalecimento da rede de apoio no entendimento de que a criança e o adolescente não são um problema, existe uma questão familiar que leva à situação de vulnerabilidade, e entender isso como um todo e trabalhar de forma interinstitucional para que toda essa rede de proteção - o Judiciário integra essa rede de proteção, que vai devolver o Executivo e o Legislativo - trabalhe essa família para a promoção dos direitos da criança e do adolescente. Então, é uma mentalidade muito antiga de retirar a criança de uma família. Quando é necessário ser retirada para a proteção da criança, vai acontecer, mas, em regra, o primeiro movimento é o de conhecer essa família e fazer a promoção dessa família para que essa criança possa estar com a família, devidamente protegida.

image Para o presidente da Abraminj, o maior desafio é garantir que seja respeitada a Constituição, que determina que a criança e o adolescente são prioridade absoluta (Igor Mota / O Liberal)

Quais são as metas prioritárias do Judiciário na área da infância e juventude para os próximos anos?

Em relação às metas específicas da Abraminj, como associação, em primeiro lugar, nós estamos estimulando a criação dos fóruns estaduais da infância e juventude. Nós já criamos o Fórum Estadual de São Paulo, da Bahia, vamos criar de Minas Gerais, porque esses encontros, os juízes tratarem das questões locais, isso é muito importante, como a criação de enunciados e uniformizar as jurisprudência. E uma atuação muito forte também junto ao Legislativo para tentar barrar Projetos de Lei, que infelizmente existem, que estão em desacordo com o melhor interesse da criança e do adolescente, para que avancem projetos que foram propostos pela própria Abraminj. Um deles é o que facilita a doação do Imposto de Renda para os fundos da criança e do adolescente pela pessoa física; e outro que destina 25% do valor dos fundos para aplicação em eixos da primeira infância. Esses projetos estão no Senado.

Como a tecnologia tem contribuído para melhorar o atendimento e a proteção desses jovens no sistema de Justiça?

O primeiro é o processo eletrônico. Os processos físicos passaram a ser eletrônicos, o que gerou uma celeridade muito grande. Também o Sistema Nacional de Adoção, que faz um trabalho de busca ativa, então o sistema está sempre trabalhando, buscando, adotando várias crianças e adolescentes que foram colocados para adoção. No Rio de Janeiro, particularmente, nós conseguimos que os dados das crianças e adolescentes desaparecidos fossem fornecidos para a polícia para alimentar o sistema de reconhecimento facial para tentar a localização dessas crianças e adolescentes. Enfim, nós estamos sempre atuando buscando melhorias.

VEJA MAIS

image TJPA sedia eventos nacionais para fortalecer proteção à criança e ao adolecente
Os encontros reúnem magistrados e magistradas da infância e juventude para troca de experiências e consolidação de entendimentos na área

image Encontro da ONU em Belém discute Agenda 2030 com foco na infância e juventude amazônica
O evento contará com a participação de especialistas e autoridades dos estados amazônicos que discutirão o acesso à educação de qualidade, cuidados com a saúde, proteção ambiental e inclusão social.

Quais são os maiores desafios que o Brasil enfrenta atualmente no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes? Quais são as principais lacunas no sistema de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade?

O maior desafio, com certeza, é que seja respeitada a Constituição, que determina que a criança e o adolescente são prioridade absoluta. Por que falar em prioridade absoluta? Porque existem outras prioridades previstas na Constituição. O idoso é prioridade, a pessoa com deficiência é prioridade, mas a Constituição diz que a criança e o adolescente, dentre as prioridades, aparecem em primeiríssimo lugar. Isso tem que ser pensado, por exemplo, quando um Poder elabora sua proposta orçamentária. A Primeira coisa que um poder tem que fazer, ao pensar em orçamento, é atender as necessidades relativas à criança e ao adolescente e depois fazer o resto. Isso no dia a dia de todos os Poderes. Infelizmente, isso não acontece, a gente não tem, em muitas Varas de Infância e Juventude, o número de funcionários necessários, equipe técnica, juízes, promotores, defensores, a gente não tem equipamentos CREAS, CRAS, conselhos tutelares e não temos o número suficiente para atender a população. Então, com certeza, o maior desafio é que seja cumprida a prioridade absoluta determinada na Constituição.

Na região amazônica, onde a vulnerabilidade social é mais acentuada, quais são os problemas específicos que precisam de atenção especial da Associação?

Estivemos conversando com a conselheira Renata Gil, do CNJ, sobre questões específicas da Ilha do Marajó. E os desafios são muitos, é uma grande área territorial, onde o poder público tem dificuldade de jogar, mas o CNJ está tendo uma atuação muito grande junto ao governo do Estado, e nós, Abraminj, vamos fazer uma ingerência também, junto ao Ministério dos Direitos Humanos, ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, para que o dinheiro que há no fundo federal seja utilizado de uma forma mais incisiva para atendimento dessas demandas, especificamente dessa área, que é sempre um grande desafio, não só pela área territorial, que já é um grande desafio, mas os desafios têm que ser enfrentados.

Como a Abraminj tem atuado para fortalecer e melhorar o trabalho dos magistrados que atuam na infância e juventude?

A Associação busca a melhoria dessa proteção, por exemplo, com os encontros. São tratados temas de grande relevância a nível nacional, são enunciados que geram uma uniformização de jurisprudência. Então isso leva a luz para todos os colegas do Brasil sobre temas que são muito relevantes e também é bom para o jurisdicionado, porque ele já sabe que, em um caso determinado, a linha de atuação do Judiciário é uma, porque se não fica muito complicado, um juiz julga de um jeito, o outro de uma forma totalmente diferente, então isso gera esse benefício. Aqui são tratados esses temas, também pautas administrativas e são definidas atuações junto ao Legislativo.

Quais projetos ou programas desenvolvidos pela Associação merecem destaque?

A Associação é a junção dos associados. Então, nós temos aqui na nossa Associação vários associados que são vencedores do prêmio Innovare, de prêmios nas suas comarcas e de iniciativas de destaque. O “Boa Noite”, de São Paulo, o Projeto de Apadrinhamento, o “Doe no Futuro”, projetos de entrega voluntária de crianças e adolescentes. Todos os projetos que os colegas fazem com sucesso são trazidos para o nível nacional, exatamente para servir de espelho para outros colegas e serem replicados.

Atualmente, quantos juízes atuam no Brasil e no Pará especificamente na área da infância e juventude? Existe uma carência de profissionais nessa área?

Infelizmente, não temos o número. Mas, como eu disse, a prioridade absoluta tem que ser respeitada, por exemplo, em um Tribunal, no Judiciário, no Executivo, no Legislativo, quando vai prover um equipamento de servidores que atendam a pauta da criança e do adolescente, ele tem que prover esse quadro de forma completa, e depois atender o resto. É um mandamento constitucional. Só que, infelizmente, a gente sabe que o quadro de pessoal, não só no Judiciário, mas de forma geral, não é completo. E acaba havendo uma divisão, só que, na verdade, a criança e o adolescente são prejudicados porque não tem essa prioridade absoluta respeitada.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Política
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM POLÍTICA

MAIS LIDAS EM POLÍTICA