Conscientização política transforma visão de jovens

Projetos lutam pela democratização dessa discussão e defendem o poder do voto nas eleições

Elisa Vaz

A conscientização política na juventude foi tema de muitos debates este ano, durante o prazo para tirar o título de eleitor para o pleito que vai eleger o novo presidente da República, além de governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Embora muitos se abstenham de participar antes da idade obrigatória, projetos trabalham com a formação política na adolescência mesmo fora de anos eleitorais, para fortalecer a consciência de que jovens são uma parcela importante da sociedade quando se trata de exercer o maior ato democrático: votar.

É obrigatório se tornar um eleitor a partir dos 18 anos, mas adolescentes a partir de 16 têm direito ao voto de forma facultativa. A estudante do ensino médio Kamilla Ferreira, de 16, tirou o título de eleitor este ano e está ansiosa para votar pela primeira vez em outubro – para ela, o voto, mesmo que seja individual, faz toda a diferença em uma eleição e é muito importante. Ela conta que, em sua área escolar, é bastante comum ter debates sobre política. “Eu acho muito bom, é sempre legal manter os jovens informados em relação às coisas que acontecem em nosso país”, comenta.

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Kamilla começou a se interessar pelo tema aos 14 anos, quando passou a prestar atenção em tudo que acontecia dentro da política institucional do país. “Senti uma necessidade de saber mais”, lembra. Por isso ela acha importante ter diálogos sobre política nas escolas, mas acredita que isso deva ser feito em uma aula própria e específica para esse debate, e não dentro de outras disciplinas. Esses momentos de conversa, na opinião da estudante, podem ajudar os jovens a ter um ponto de vista mais crítico da política. Com o alto engajamento dos adolescentes que tiraram título este ano, Kamilla acredita que é uma tendência e que muitos jovens estão realmente se interessando pela política.

O estudante do ensino médio Heitor Augusto Matos, de 15 anos, pensa o mesmo. Para ele, quanto mais cedo for o comprometimento das pessoas nessa área, mais chances de se fazer escolhas melhores no futuro teremos. Até pouco tempo atrás, Heitor não se interessava muito por política porque achava uma discussão "entediante", em suas palavras. Mas, com o tempo, percebeu que na realidade cotidiana é muito importante buscar algo melhor.

Com mais debates sobre política, os jovens podem votar com mais consciência. "Não adianta querer formar uma opinião política somente de acordo com a opinião popular ou com o que os outros querem. É necessário pesquisar, entender e querer saber como podemos mudar o nosso país para melhor. Matérias como história, sociologia e até a filosofia ajudam muito nessa hora. Estudar sobre o passado do Brasil, comportamentos comuns humanos e a ética são grandes formadores na opinião política, ensinam quais escolhas são necessárias e quais erros devemos evitar para não gerar problemas no futuro", opina o jovem.

Heitor acredita que a participação dos adolescentes nas eleições é uma tendência, principalmente por conta da mídia e dos meios comunicativos que atingem esse público. Ele mesmo decidiu votar este ano antes da idade obrigatória para contribuir com a melhoria do cenário político brasileiro. Como faz aniversário na metade do ano, completando 16 anos antes das eleições, conseguiu tirar o título de eleitor, motivado principalmente pela família, mas também pela própria vontade de participar. "Sinto que é necessário buscar uma melhoria no país, ainda tem muita coisa que precisamos mudar e acredito que, tendo a chance de votar, eu consigo causar mais impacto e ter mais importância nessa mudança".

Projetos debatem política com a juventude

É justamente com o público de 16 anos em diante que o coletivo de movimento estudantil “Juntos!” trabalha, dentro de escolas e universidades, onde há a maior concentração da juventude. Os encontros são para promover debates, rodas de conversa, plenárias, espaços de formação e conversas em geral. O movimento, criado em 2011, também realiza campanhas – este ano, por exemplo, os integrantes se mobilizaram para convencer jovens a tirar o título de eleitor dentro de escolas; mas também houve ações para falar sobre a conscientização acerca do voto e sobre pobreza menstrual, entre outros temas sociopolíticos.

Militante do Juntos!, a estudante universitária Fernanda Cabral, de 18 anos, conta que, nesses espaços de diálogo, é possível perceber um alto índice de interesse por parte dos jovens sobre política. “É um assunto que, às vezes, achamos que a juventude não tem conhecimento, mas quem não sabe quer correr atrás e busca entender sobre a política institucional, política de movimentos sociais e várias ramificações da política. Vemos que eles querem saber como participar e pertencer a esse espaço. Quando debatemos sobre assuntos específicos eles perguntam bastante. A juventude está cada vez mais voltada para o assunto e quer tomar esse espaço que querem tirar de nós por sermos jovens, mas é nosso direito”, declara.

Para Fernanda, levar o debate para as escolas é importante para gerar interesse nos adolescentes. Mas, para isso, a política deve ser tratada como algo interessante, que não é um tema chato ou maçante, mas que pode ser conversado de uma forma completa. Outra importância é formar novos representantes políticos, entendendo seus direitos e como atuar em bairros, escolas e espaços de convivência. Existem exemplos de mulheres que passaram pelo movimento e hoje representam os eleitores paraenses, como a deputada federal Vivi Reis (Psol).

Um desafio a ser superado, na avaliação da militante, são os possíveis atritos com as coordenações escolares, que, em muitos casos, são contra o debate político em sala de aula por conta das ideologias. “Muitos pensam que é uma doutrinação e acaba tendo algumas barreiras. Mas tem escola que chama e confia, é um espaço único. Mostramos o que é movimento social, o que fazemos, como atuamos e isso quebra barreiras e muitas mentiras. Nunca nas escolas e nesses espaços levamos partidarismo”, garante.

Outro movimento social com atuação parecida é a Rede Emancipa, de educação popular, que luta pela democratização no ensino superior brasileiro e pela valorização da escola pública e o ensino público em geral. Segundo o educador popular e museólogo Jorge Martins, de 36 anos, que faz parte da coordenação nacional da Rede Emancipa, o grupo deseja que a universidade pública seja ocupada por aqueles que a custeiam, ou seja, a população mais pobre da sociedade. Está inserido em todas as frentes que lutam por uma educação pública, gratuita e de qualidade em todos os níveis, para todos e todas.

“Como movimento social que visa uma real transformação da sociedade, nós incentivamos os estudantes dos cursinhos a participarem de ações coletivas e em comunidade, a fim de levar a eles a experiência de trabalhar em grupo, colaborando e construindo o cursinho em seu cotidiano, elaborando eventos culturais e atuando junto a outros movimentos sociais”, explica Jorge. O movimento se dá a partir de trabalho voluntário e militante e acontece por meio da oferta de turmas de cursinhos populares pré-universitários para que milhares de jovens das periferias possam ingressar nas universidades, compartilhar e se apropriar do conhecimento desenvolvido e transformá-lo, dentro e fora do ambiente universitário.

Em Belém, há pouco mais de uma década, o Emancipa se constrói também como um Programa de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio do Instituto de Ciências da Educação (Campus Guamá). Atualmente, são sete turmas, sendo que duas delas funcionam no campus da universidade e as demais em bairros da cidade de Belém, além de uma em Ananindeua. Para as turmas dos bairros, há a parceria com organizações sociais. O programa envolve cerca de 500 estudantes e, aproximadamente, 180 educadores voluntários, sendo a maioria estudantes de cursos de graduação ou pós-graduação da UFPA e outras universidades, e o público-alvo são jovens e adultos que estão no terceiro ano ou que já concluíram o ensino médio e vivem nas periferias, grande parte negros e de baixa renda.

Jorge afirma que a rede é essencialmente política e defende o lado de quem está na base da pirâmide econômica e social, daqueles que sustentam o país. “A educação popular é uma ferramenta de emancipação e por isso os debates políticos estão sempre presentes. Tudo que fazemos é político e precisamos ter consciência crítica sobre a sociedade em que vivemos. Falar de política em sala de aula é também resistência ao sistema que nos quer calados e oprimidos, é reafirmar de onde viemos e para onde queremos ir, que mundo queremos construir e para onde não queremos voltar. Não existe educação sem política, já dizia Paulo Freire”, ressalta.

O integrante da Rede Emancipa defende que a educação nacional deveria conter temas como estes para debate, e que a política é um componente do currículo do movimento. Além dos conteúdos da matriz programática do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), também é trabalhado um processo formativo e ação emancipadora de sujeitos. “Não é um processo simples falar sobre política no país, mas sabemos que é importante que a classe trabalhadora se aproprie mais e mais da política. Queremos que eles se tornem sujeitos críticos e pensantes, que possam construir sua própria história”, diz.

A aceitabilidade do tema também é boa durante os debates, garante Jorge; os alunos sempre participam e interagem. Como extensão, também foi feita uma campanha nacional para que os jovens fossem tirar o título. Para Jorge, esse engajamento é fundamental na conjuntura atual: “A juventude é o setor mais ativo e incentivamos que nossos estudantes sejam esses protagonistas na luta por direitos, pela democracia, pela educação”.

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