Caso Ana Hickmann e novela Mulheres Apaixonadas reforçam discussão de combate à violência doméstica
O aumento de casos recentes acende um alerta sobre a urgência por entender a complexidade que envolve o crime contra a mulher
Dois casos de violência doméstica ficaram em evidência na imprensa nesta semana. Um deles, na vida real, é o da modelo e apresentadora Ana Hickmann. O outro, na ficção, diz respeito a novela ‘Mulheres Apaixonadas’ - reprisada na Rede Globo - onde uma personagem também denuncia o marido por agressão. As duas situações semelhantes, apesar de estarem em circunstâncias diferentes, provocaram inúmeras discussões sobre o assunto e ainda trouxeram à tona a questão da proteção à mulher, representada na Lei Maria da Penha.
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A Ordem dos Advogados do Brasil - Sessão Pará (OAB/PA) possui uma comissão específica que realiza o acompanhamento de casos onde se enquadra a lei Maria da Penha. Para Úrsula Lobato, Diretora de Enfrentamento contra a Violência Doméstica da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB-PA, o alarmante número de episódios onde pessoas do gênero feminino ainda aparecem como vítimas, e muitas vezes fatais, demonstra a urgência da agenda para garantir a proteção à mulher.
Dessa maneira, a comissão responsável pela proteção às mulheres faz orientações jurídicas, atuando após a vítima ter denunciado o caso aos órgãos policiais responsáveis. “Nós participamos de ações sociais sobre o tema, ou quando um órgão nos convida para palestrar e prestar auxílio jurídico. Mas, primeiramente, as vítimas devem obrigatoriamente procurar as delegacias especializadas”, informa.
O primeiro passo para entender a complexidade da demanda sobre a violência contra as mulheres é saber que ela possui várias formas. Apesar da agressão física ser a mais conhecida, existem outras muito recorrentes, como a doméstica, psicológica, moral, patrimonial, sexual, etc. Conforme Úrsula, esse fenômeno atinge vários grupos e classes sociais, podendo ocorrer várias violências ao mesmo tempo. Esse fator é o que eleva os números de casos no Pará “Essas violências não ocorrem de forma isolada. Vemos vários casos onde duas ou mais formas acontecem de maneira conjunta”, explica.
A advogada aponta que as violências, ou tipificações de crimes que estão dentro da lei Maria da Penha, se caracterizam por:
Violência física: espancamento, segurar forte o braço puxando, lesões com objetos perfurantes, e outros.
Violência psicológica: afeta diretamente o emocional da vítima, com o intuito de controlar as ações e comportamentos, diminuir a auto-estima, humilha, etc.
Violência moral: ocorre quando se expõe a vítima, se desvaloriza e rebaixa.
Violência sexual: ocorre quando o agressor obriga a vítima a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada. E o estupro, que pode ser por agressores desconhecidos ou mesmo em relações amorosas firmadas, casamentos e conjugais.
Violência patrimonial: que é o controle do dinheiro, do patrimônio, a destruição do patrimônio,ou documentos pessoais, até mesmo não pagar pensão alimentícia para o filho na intenção de afetar a ex-mulher.
Neste ponto, outra questão muito debatida é a penalização ao agressor. Ao ser constatado o crime de violência, conforme a lei Maria da Penha, uma investigação irá apontar qual a pena a ser aplicada. Desta maneira, o tempo de prisão ou mesmo a forma que a sentença sobre o crime será aplicada dependem de quantos delitos forem constatados, pois os agravantes variam. A penalidade pode ser prisão ou pagamento de multa.
“O agressor, caso seja autuado em flagrante, já pode também ser preso preventivamente. Quando há provas da existência do crime e indícios suficientes da autoria, além do perigo para a sociedade caso esse agressor fique solto, ele pode ficar na cadeia. Mas tudo depende de cada caso concreto, do tipo de violência que ocorreu, etc. Então é necessário analisar, para verificar qual pena será determinada e se terá ou não o pagamento de fiança”, exemplifica Úrsula.
Medida protetiva
Na noite de sábado (11), Ana Hickmann denunciou o marido, Alexandre Correa, por lesão corporal e violência doméstica. A situação, que ocorreu na residência do casal, em um condomínio na cidade de Itu, interior de São Paulo, foi fortemente divulgada pela mídia, que compartilhou todos os desdobramentos do caso. De acordo com o boletim de ocorrência, um dos braços da apresentadora foi pressionado por uma porta e o marido ameaçou agredi-la com uma cabeçada. Depois de formalizar a queixa na delegacia, Ana decidiu não requerer as medidas de proteção estabelecidas pela Lei Maria da Penha.
Desde 19 de abril de 2023, uma alteração na Lei Maria da Penha autoriza, no inciso 5°, a concessão de medida protetiva à mulher, independentemente do nível da violência, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência. Ou seja, não é mais necessário que o caso seja de agressões extremas. Segundo a diretora de Enfrentamento contra a Violência Doméstica da OAB-PA, essa ferramenta se torna fundamental para garantir a integridade da vítima e torna mais eficaz a luta contra a agressão em ambiente familiar.
“As medidas protetivas devem ser dadas de imediato se a vítima pedir. Pois garantem a suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar ou local de convivência com a vítima; proibição de aproximação de familiares e testemunhas da mulher, limite mínimo de distância; proibição de contato por qualquer meio de comunicação. Qualquer descumprimento sobre isso se torna crime”, esclarece Úrsula.
No entanto, ao comentar o caso de Ana Hickmann, Úrsula explicou que a decisão pela medida protetiva parte da vítima. “Pela novidade na lei, a vítima pode pedir a proteção em qualquer que seja o nível ou tipo de agressão. Vão dar a medida se ela pedir, pois a vítima é quem faz o requerimento. A delegada sempre pergunta. Mas, claro, existem exceções em casos mais urgentes. Se há risco de morte, passa a ser uma medida obrigatória”, declara.
Além disso, para retirar a medida protetiva, de acordo com a advogada, será necessário provar que não há mais riscos à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima ou dos familiares.
Ação Educativa
Ainda em meio a grande repercussão da agressão, Ana Hickmann retornou ao trabalho, na segunda-feira (13), no comando do programa ‘Hoje em Dia’, na Record TV. Coincidentemente, nesta data ocorreu a reprise da cena histórica em que, na novela Mulheres Apaixonadas, a personagem Raquel, interpretada por Helena Ranaldi, decidiu denunciar o marido após ser agredida diversas vezes.
Exibida pela primeira vez em 2003, a trama de Manoel Carlos tratou sobre temas extremamente sensíveis. Na época, ainda não existia a lei Maria da Penha e a questão da violência doméstica mostrada na novela ganhou destaque, fazendo a obra ser considerada uma ação educativa. A população passou a ter uma outra perspectiva sobre o assunto ao acompanhar o desenvolvimento da personagem que era agredida e não tinha coragem de denunciar o marido. Mas após a exibição do capítulo em que a vítima procurou a polícia para relatar a violência sofrida em casa, centenas de mulheres também usaram o exemplo para relatar casos semelhantes na vida real.
A urgência do assunto contribuiu para a criação da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor três anos depois, no dia 22 de setembro de 2006. Segundo Úrsula, as informações veiculadas na mídia, dependendo de como são divulgadas, podem auxiliar nessa disseminação de informações. “Na época da exibição da novela, foram tratados dois temas: a questão da violência contra o idoso e a violência contra mulheres. O autor destacou a busca pela melhoria de um direito, de respeito às mulheres”, expõe Úrsula.
Há 20 anos atrás, quando a novela foi exibida em horário nobre pela primeira vez, as punições na justiça para casos de violência contra mulheres eram tênues, fato que foi representado na novela. A pena máxima para agressores limitava-se a um ano de prisão e, muitas vezes, eles cumpriam as sentenças através de doações de cestas básicas. Esses fatores, combinados com a vergonha das vítimas, contribuiam para a baixa incidência de denúncias.
Lei Maria da Penha
Criada em homenagem a Maria da Penha Maia, que ficou paraplégica depois de sofrer um atentado com arma de fogo de seu marido, em 1983, a lei Maria da Penha (11.340/06) pune mais rigidamente os agressores de mulheres. Também permite que eles sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada, além de aumentar a pena máxima de um para três anos.
Úrsula avalia que houve mudanças e melhorias na lei, o que é um grande ganho para as mulheres. “Sem dúvida nessas duas décadas ocorreram muitos avanços. Como advogada atuante no direito de família, em casos de violência doméstica e atuando com perspectiva de gênero, é perceptível a melhoria na proteção à mulher. A lei Maria da Penha é a melhor representação desse avanço, tanto que é uma legislação referência mundial no combate a essa violência”, afirma.
A advogada afirma que em casos de violência, as mulheres não são as únicas afetadas, pois a questão também envolve a família. Dessa maneira, as evoluções na lei previnem e resguardam também as pessoas próximas. “A cada ano que passa os números sobre os casos de violência contra mulher aumentam. Mas isso também significa que as mulheres denunciam mais. Hoje há mais informações, direitos, compartilhamentos de informações. É importante que essas mulheres tenham conhecimento e, a partir disso, saibam se estão sofrendo violência ou não. Isso protege a todos”, encerra.
Acolhimento
A luta contra a violência à mulher fez surgir vários espaços que realizam ações em prol das vítimas. Um desses locais é a Ocupação Rayana Alves, que desenvolve diversas atividades como curso de fotografia, cursos de comunicação popular, cursos de redação Pré Enem, oficina de bioconstrução, aula de capoeira, aulas de defesa pessoal, puxirum agroecologico, atividades culturais, etc. Segundo Ana Carolina Martins, uma das coordenadoras do local, o espaço, que fica localizado na rua Presidente Pernambuco, n 280, no bairro Batista Campos, chegou a acolher mais de 70 mulheres e abrigar cerca de 15 pessoas, entre mulheres e crianças.
“Esse espaço existe há mais de um ano e dois meses para acolher mulheres em situação de violência. Elas chegam aqui por demanda espontânea ou por ver nosso trabalho pelas redes sociais. Temos aqui uma equipe de profissionais voluntárias, como advogadas, psicólogas e assistentes sociais que fazem o atendimento às mulheres, dependendo do tipo de atendimento que ela quer passar. Às vezes é só acompanhamento jurídico, outras o acolhimento psicossocial, até se ela quiser ser acolhida por uma profissional da saúde”, diz.
Os coordenadores e as pessoas que recebem apoio da Ocupação Rayana Alves destacam a importância do local para a luta pela vida das mulheres. Os abrigos que existem em Belém estão lotados e, para receber apoio, as vítimas muitas vezes só conseguem por meio de determinações judiciais. Segundo Ana Carolina, o espaço é o único de ‘porta aberta’ para todas as mulheres que precisam ser acolhidas.
“A mulher pode chegar aqui na frente da ocupação, pois tem uma escala de pessoas que ficam no atendimento, que será recebida. Ou mesmo é possível nos contactar pelo Instagram @movimentoolga.pa”, declara.
Onde procurar ajuda em casos de violência doméstica?
Atualmente, cinco Delegacias de Atendimento à Mulher funcionam 24 horas: Belém, Ananindeua, Castanhal, Santarém e Marabá. Entre unidades especializadas e espaços de acolhimento (Sala Lilás), a Polícia Civil do Pará conta com 24 delegacias específicas para vítimas de violência. Endereços:
DEAM Belém - Travessa Mauriti, nº. 2394, entre Avenida Rômulo Maiorana e Duque de Caxias – Sede do Parapaz – Bairro Marco – Belém/PA.
DEAM Ananindeua - Travessa WE-31, nº. 1112 - bairro Cidade Nova V – Ananindeua/PA.
DEAM Icoaraci - Rua 8 de Maio, nº 68 – Bairro Campina de Icoaraci - Belém/PA, anexo à Seccional Urbana de Icoaraci.
SALA LILÁS Marituba - Rua Claudio Barbosa da Silva, s/n – bairro Centro – Marituba/PA.
DEAM Castanhal - Travessa Primeiro de Maio, nº. 1376 – Castanhal/PA.
SALA LILÁS Concórdia do Pará - Avenida José Bonifácio - Concórdia do Pará/PA.
DEAM Abaetetuba - Rua Sete de Setembro, S/N, Centro – Abaetetuba/PA.
DEAM Barcarena - Rua Cronge da Silveira, nº. 225, bairro Centro, Barcarena/PA.
DEAM Cametá - Rua Delegado Arinaldo Assunção - Bom Sucesso, Cametá/PA.
DEAM Soure - 4ª Rua, entre Travessa 14 e 15 – bairro Centro - Soure/PA.
DEAM Capanema - Av. João Paulo II, nº 369, Tancredo Neves, Capanema/PA.
DEAM Bragança - Praça São Benedito, n° 50, centro, Bragança/ PA.
SALA LILÁS em Salinópolis - Avenida São Tomé, 1058, Salinópolis/PA.
DEAM Paragominas - Av. das Indústrias, s/n, bairro Jardim Bela Vista, Paragominas/PA.
DEAM Breves - Rua Ângelo Fernandes breves, ao lado do 9º batalhão da Polícia Militar, bairro Aeroporto, Breves/PA.
DEAM Tucuruí - Rua São Paulo, s/n, bairro Bela Vista – Tucuruí/PA.
DEAM Marabá - Avenida Espírito Santo, n⁰ 285, Bairro Amapá – Marabá/PA.
DEAM Parauapebas - Avenida J, n. 24, bairro Jardim Canadá.
DEAM Canaã dos Carajás - Avenida São João, s/n – Bairro Novo Horizonte III – Canaã dos Carajas/PA.
DEAM Altamira - Rua Curitiba, nº. 2973 - Bairro Jardim Uirapuru, próximo à UPA – Altamira/PA.
DEAM Santarém - Avenida Sérgio Henn, nº. 70 - Bairro Interventoria – Santarém/PA.
DEAM Redenção - Avenida Jeremias Lunardelli, 549, Centro – Redenção/PA.
DEAM São Félix do Xingu - Avenida Antônio Marques Ribeiro, esquina com Tv. Antônio Nunes, s/n - São Félix do Xingu/PA.
DEAM Itaituba - Primeira Rua, n° 235, bairro: Floresta CEP 68181270 - Itaituba/PA.
Além disso, por meio da Fundação ParáPaz, existe o Projeto ‘Entre Elas’, que acolhe mulheres em situação de violência no Estado facilitando o acesso a diversos serviços como saúde, habitação, empreendedorismo, assistência social e segurança pública. A família também é acolhida sendo encaminhada para as redes a nível municipal e estadual. As 15 unidades de atendimento à vítimas de violência no Estado são:
Unidades Integradas ParáPaz com a Delegacia da Mulher (Deam) na RMB
ParáPaz Mulher | Belém: Tv. Mauriti, 2394
ParáPaz Mulher | Ananindeua: Cid. Nova V, WE 31
ParáPaz Mulher | Icoaraci: Rua 8 de Maio, 68
Sala Lilás Marituba-Centro: Rua Claudio Barbosa
Unidades Integradas ParáPaz com a Delegacia da Mulher (Deam) no interior do Estado
Altamira: R. Curitiba, 2973 - Jardim Uirapuru
Bragança: Praça Primeiro de Outubro, 50, Centro
Breves: R. Ângelo Fernandes, s/n - Aeroporto
Marabá: AV. Espírito Santo, 298 - Bairro Amapá
Paragominas: Av. Industrial, s/n - Bairro Bela
Santarém: Av. Sergio Bhenn Interventoria
Tucuruí: R. São Paulo, s/n - Bairro Bela Vista
Parauapebas: AV. J, Quadra 24, Lote 108 - Bairro Jardim Canadá
Unidades Integradas ParáPaz com a Polícia Civil no interior do Estado
UIP Santa Maria: R. Alencar, s/n - Bairro Marambaia
UIP Santa Isabel: R. João Coelho, 1142 - Bairro Juazeiro
UIP Vigia: AV. Generalíssimo Deodoro, 894 Bairro Amparo
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