Violência contra a mulher: combate ainda é um desafio, avalia o defensor público geral do Pará
A pauta vem à tona na semana em que se debate a campanha do Laço Branco: homens pelo fim da violência contra a mulher inicia nesta terça-feira (6)
A campanha do Laço Branco: homens pelo fim da violência contra a mulher inicia nesta terça-feira (6). Instituída em 2007, a data visa mobilizar o público masculino e envolve entidades públicas e privadas em todo Brasil. Paralelo à data, no próximo dia 10 dezembro, encerra a jornada dos “21 dias pelo fim da violência contra a mulher”, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O defensor público geral do Pará, João Paulo Lédo comenta casos recentes como o da apresentadora Ana Hickmann e explica as medidas que vêm sendo tomadas pelo órgão para prevenir a violência e amparar as mulheres que ainda são vítimas.
Que avaliação você faz das leis atuais para combate à violência de gênero e da estrutura do poder público para atender a esses casos?
É uma questão importante e complexa. No contexto da Defensoria Pública, vejo avanços, mas também desafios. As leis de combate à violência de gênero têm melhorado, reconhecendo diferentes formas de violência e buscando proteger as vítimas. Entretanto, a implementação efetiva dessas leis muitas vezes esbarra em recursos limitados. A estrutura do poder público, incluindo a Defensoria Pública, precisa ser fortalecida para garantir um atendimento mais especializado e humanizado.
Qual a maior dificuldade na abordagem dos casos que envolvem violência de gênero?
Uma das maiores dificuldades na abordagem dos casos que envolvem violência de gênero é o estigma associado. Muitas vítimas relutam em denunciar abusos devido ao medo de retaliação, vergonha, pressões sociais. Em alguns casos, há também a violência patrimonial e financeira, que impede a vítima de seguir com a denúncia. A sensibilização da sociedade, o fortalecimento das leis e políticas de combate à violência de gênero, bem como o investimento em recursos para apoio às vítimas, são aspectos cruciais para superar essas barreiras.
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Em relação à campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que ações serão desenvolvidas nesse período?
A campanha envolve uma série de ações significativas para sensibilizar a sociedade e o Poder Judiciário sobre a questão da violência de gênero. As atividades incluem promoção de diálogos internos e externos, adesão à mobilização #ElesPorElas para envolver homens na causa, e realização de ações de cidadania com o objetivo de conscientizar a sociedade. Participamos também como colaboradores nos encontros de acolhimento da rede municipal e estadual. Essas iniciativas visam refletir sobre os diferentes contextos da violência contra meninas e mulheres e enfatizar a importância da igualdade de gênero e do combate à violência doméstica.
Quais as principais ações da Defensoria hoje no combate à violência contra a mulher?
Temos o Núcleo de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Gênero, conhecido como Nugen. Lá, é feito o acolhimento de mulheres em situação de violência por uma equipe de defensoras públicas, psicólogas e assistentes sociais. O Núcleo atende na travessa 1° de março, nº 766, bairro Campina, em Belém. Se a vítima não for da região metropolitana, ela pode procurar a Defensoria mais próxima, estamos presentes em 102 municípios paraenses, no site da DPE consta a Guia de Atendimento do Interior para consulta.
Qual o perfil das mulheres que procuraram a Defensoria Pública?
Na Defensoria Pública do Pará, realizamos uma pesquisa interna chamada “Conhecendo o Assistido” que trouxe um mapeamento sobre as pessoas que são atendidas pela DPE. O atendimento a mulheres de 26 a 36 anos representou 55% dos casos atendidos, 50% se declararam pardos, 95% possuem filhos, 50% têm renda inferior a um salário mínimo e meio, sendo que 35% só têm os programas sociais de renda do governo como sua única fonte de renda. Em que pese o perfil do público, por se tratar de violência gênero, seja diferente dos outros atendimentos da Defensoria Pública, o Nugen atende pessoas de diferentes faixas de renda, pois, em casos de violência patrimonial, que é quando o homem retém o patrimônio do casal, por exemplo, a mulher não tem condições de arcar com as despesas de advogados e custos processuais. Ressalto ainda, que a pesquisa apontou que 35% declararam o atendimento da Defensoria Pública excelente, 60% declararam bom e somente 5% declararam regular, não houve nenhuma resposta ruim ou que a pessoa não recebeu o atendimento em casos de violência de gênero.
Após a explosão de casos de grande repercussão como o da apresentadora Ana Hickmann, há aumento de procura por serviços?
Casos como o da apresentadora Ana Hickmann são, infelizmente, corriqueiros e o espaço que este caso ganhou na mídia ajuda a esclarecer as mulheres sobre os seus direitos. Não temos um aumento significativo após esse caso, pois o Nugen já tem um fluxo intenso de atendimentos diários. Inclusive, estamos ampliando o espaço de atendimento para um prédio específico que se chamará “Casa da Defesa da Mulher”, com previsão de inauguração nos primeiros meses de 2024.
Muitas vezes, as vítimas de violência de gênero não conseguem sequer identificar ou nominar essa violência. Vocês sentem isso no dia a dia? Como ajudar nesses casos?
Sim, é um desafio comum. Muitas vítimas de violência de gênero podem não reconhecer imediatamente suas experiências como violência, especialmente se ela se manifesta de maneiras sutis ou manipulativas. No dia a dia, esse é um aspecto sensível e complexo. A sensibilização e a humanização na hora do atendimento são fundamentais. Tornar informações sobre diferentes formas de violência mais acessíveis pode ajudar as pessoas a identificar situações abusivas. Promover a conscientização por meio de campanhas e ações sociais faz a diferença.
A Defensoria tem uma espécie de curso para homens acusados de violência. Como funciona? Você acredita que esse tipo de ação pode de fato romper com uma rotina de violências?
Temos o programa Reincidência Zero, composto por psicólogas e assistentes sociais da Defensoria Pública, que por meio de atendimento psicossocial visa quebrar esse ciclo. São promovidas rodas de conversa, ações sociais e palestras. Acredito que essas iniciativas são eficazes, pois elas abordam não apenas as consequências legais, mas também visam quebrar padrões de comportamento violento ao fornecer educação sobre relacionamentos saudáveis, comunicação eficaz e controle da raiva. O projeto ganhou o nome de “Reincidência Zero”, pois, após mais de 10 anos de existência, os casos de reincidência são baixíssimos, o que mostrou o quanto este programa tem sido efetivo para a diminuição da violência.
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