Saúde indígena no Pará: maior poder indígena sobre as decisões deve melhorar o atendimento aos povos

A criação do Ministério dos Povos Indígenas e da Secretaria de Povos Originários do Pará traz esperança de tomadas de decisões mais assertivas em saúde

Camila Guimarães
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Mais de 51,2 mil indígenas vivem no Pará, sendo que quase 70% deles moram em terras indígenas, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicado em 2010. O Censo 2022, em elaboração, ainda não tem dados consolidados sobre esses povos, mas estima-se que o número seja maior hoje. Dados da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), em balanço mais recente (2016), já indicavam esse crescimento: que a população era de aproximadamente 60 mil pessoas, divididas em pelo menos 55 etnias, falantes de mais de 300 idiomas.

Toda essa grandiosidade e diversidade, no entanto, é desproporcional à atenção do poder público que lhe é direcionada, sobretudo na área da saúde. O que ficou sensível desde que o assunto veio à tona nos últimos tempos, quando o Ministério da Saúde declarou, no dia 20 deste mês, estado de emergência em saúde pública nos territórios Yanomami, em Roraima, devido ao aumento dos casos de desnutrição e de mortes evitáveis, que já contabilizavam a perda de 570 crianças à época.

Ainda no início do mês, o presidente Lula oficializou a criação do Ministério dos Povos Indígenas – o primeiro na história da política nacional a ser dedicado exclusivamente às demandas desses povos – e, dias depois, no dia 22 de janeiro, o governador do Pará, Helder Barbalho, informou por meio das redes sociais, que pretende criar a Secretaria de Povos Originários do Pará, com um titular indígena no cargo de secretário.

Essas decisões trazem esperança de que os povos indígenas tenham mais protagonismo no cenário da política indigenista brasileira – é o que afirma, em linhas gerais, o indígena da etnia Xakriabá, antropólogo e um dos fundadores da Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Altamira, o professor Uwira Xakriabá, ou William César Lopes Domingues.

 

Soluções que não resolveram o problema

Uwira é autor da tese de doutorado ‘Entre o ouvido e o escutado: uma história da saúde indígena no Brasil’, na qual avalia que existem graves ruídos entre o que os indígenas dizem ser importante em um subsistema de atenção à saúde indígena e o que seus ‘interlocutores ocidentais’ fazem, na prática. Em fala bastante enfática, o professor argumenta que é necessário maior agência dos povos indígenas sobre a política voltada para sua própria saúde: “porque, quando foi constituído o subsistema de atenção à saúde indígena, embora tenhamos sido ouvidos, não fomos escutados, o que faz com que esse subsistema encontre enormes dificuldades para funcionar”, afirma.

De modo geral, Uwira avalia positivamente a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no âmbito do Ministério da Saúde, em 2010 – pasta que é, hoje, a responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) e toda a gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, ele ressalva que o serviço se limita à atenção básica e que, em grande parte, não é eficiente por questões logísticas e culturais.

“Em mais de 20 anos de assistência, ainda temos graves problemas logísticos, falta de uma política específica e diferenciada de contratação da força de trabalho e capacitação desses profissionais para atuarem em contextos interculturais. Faltam instalações de saúde adequadas ao atendimento nas aldeias e, sobretudo, saneamento ambiental, o que acaba agravando o estado de saúde geral da população indígena – tirando o foco da prevenção para o tratamento e recuperação. A atenção básica, ao não conseguir incidir na prevenção de doenças, aumenta o fluxo de referências para a média e a alta complexidade, que é atendida nos municípios, fora das aldeias, tornando o atendimento caro e pouco resolutivo”, explica.

image Mapa dos distritos sanitários da Sesai no Brasil. (Reprodução / Ministério da Saúde)

Diversidade e grandeza não contempladas

Uwira detalha que existem 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que são unidades gestoras descentralizadas da Sesai. Quatro deles no Pará: Guamá-Tocantins, Tapajós, Altamira e Kayapó do Pará. Para o pesquisador, essas unidades não funcionam como deveriam, pois ignoram especificidades de cada povo e região:

“Cada um dos distritos têm especificidades que evidenciam a necessidade de abordagens diferenciadas de atenção. O DSEI Guatoc (Guamá-Tocantins), por exemplo, é o maior deles, em relação ao número de indígenas, e se estende por uma área geográfica que inviabiliza a realização das ações necessárias nas aldeias. Seria preciso criar, pelo menos, mais um distrito para dar conta da tarefa”.

“O DSEI Altamira tem uma baixa densidade demográfica, mas são 9 etnias espalhadas em uma enorme área geográfica nas calhas dos rios Xingu, Iriri, Bacajá e Curuá. O DSEI Tapajós enfrenta os sérios impactos da mineração ilegal no leito dos rios e nas terras indígenas, o que causa sérios agravos à saúde dos parentes Kayapó e Munduruku. O DSEI Kayapó sofre com a pressão fundiária de madeireiros, garimpeiros e invasores de terras indígenas demarcadas”.

Neste cenário, a falta de condições para a atuação do controle social agrava o problema, diz o professor: “Por falta de apoio e capacitação, a importante tarefa de ajudar a planejar, acompanhar e fiscalizar as ações de saúde fica comprometida. Por outro lado, é preciso considerar a falta de articulação interfederativa para que os estados e municípios assumam suas respectivas responsabilidades”.

 

Ministério e Secretaria especializada trazem esperança

Para Uwira, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e da Secretaria de Povos Originários do Pará, encabeçados por representantes indígenas, traz esperança de uma interlocução mais efetiva na tomada de decisões em saúde.

“A ministra é uma mulher indígena oriunda de nosso movimento e tem, para além da qualificação técnica, a articulação política com os diversos povos para viabilizar o nosso acesso a todas as políticas públicas possíveis, visando a nossa autonomia e emancipação social”, comenta.

Entretanto, o antropólogo faz uma adverte: “Essa expectativa não pode ser combustível para pressionar os indígenas que estão assumindo esses cargos estratégicos no governo, de modo que eles cobrados além da conta em não errar em áreas que agentes estatais não-indígenas vêm errando, historicamente, ao longo do processo colonizatório sem serem execrados por isso. Não podemos esquecer que temos um teto de gastos que limita investimentos, a Lei Orçamentária Anual não previu os gastos necessários para estruturar um novo ministério e estamos em um momento de recessão econômica”.

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