Relatório da CPT alerta sobre conflitos por terra no Brasil
No Pará, em 2021, foram 156 casos, envolvendo mais de 31 mil famílias entre camponeses e povos tradicionais
O Pará é o principal estado do país em ocorrência de conflitos por terra, com 156 casos registrados em 2021, segundo o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2021”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado na manhã desta quinta-feira (19), na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Norte 2, em Belém. O número equivale a 12,56% dos casos de conflitos registrados no Brasil no ano passado e as principais vítimas são indígenas (38%), sem-terra (29%), assentados (13%) e quilombolas (9%).
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que não teve acesso ao relatório e destacou que realiza diversas ações de combate à violência no interior do estado, a exemplo do projeto "Segurança por Todo o Pará", que está em sua segunda fase levando operações integradas para combater a criminalidade em todas as regiões integradas.
"A Segup ressalta que o controle da violência no campo pode ser constatado com a redução de mortes de lideranças e de invasões de terra em todo o Estado. Na atual gestão não há registros de mortes de lideranças que estejam incluídas no programa de proteção do Estado. Além disso, a Segup mantém diálogo com lideranças e grupos com demandas de conflitos agrários no Pará, a fim de atender nas questões que competem à segurança, seja com ampliação do policiamento ostensivo da Polícia Militar ou na investigação e elucidação de casos pela Polícia Civil e que, através do Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, coordenado e dirigido pela Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), a Segup participa como executora das proteções pessoais. Por fim, nas questões indígenas e quilombolas, que somam boa parte das ocorrências, a responsabilidade é compartilhada com a esfera federal", informou a nota da Segup.
Conflitos históricos
O bispo diocesano de Marabá, Dom Vital Corbellini, enfatizou que os conflitos são históricos e que a exploração agrícola, com ampla representação parlamentar, “tem favorecido seus interesses políticos, econômicos e sociais, aprofundando uma política anti-reforma agrária''. Ele cita, como exemplo, o dado do IBGE de que, nas últimas 3 décadas, a área cultivada com soja, milho e cana, produtos para a exportação, superou a área cultivada com feijão, arroz e mandioca, principais alimentos da população brasileira.
“Como disse o Papa Francisco, a Amazônia é cobiçada por grupos econômicos, sociais e políticos. A pastoral da CPT, à luz do Evangelho, é uma comissão que age em favor de todas as pessoas, por entendermos que a terra é um bem universal, direito de todos. Que nós possamos, a partir do relatório, refletir a realidade brasileira pelo ponto de vista da unidade e da fraternidade”.
Assentados vivem conflitos diários pelo direito ao território
O relatório da CPT aponta que fazendeiros (25%), grileiros (19%) e garimpeiros (15%) foram os três principais agentes, entre os 12 grupos causadores de conflitos por terra no Pará, em 2021, segundo a classificação do levantamento. Na comunidade Jatobá da Volta Grande Uirapuru, do município Mojuí dos Campos, oeste do Pará, o líder da associação de moradores, Francisco Rodrigues da Silva, relata:
“Vai fazer oito anos que a gente ocupou uma área de 1.162 hectares e, depois de um tempo, se apresentou um cidadão se dizendo dono da terra, onde estão assentadas 46 famílias e nós não temos nenhum reconhecimento de órgão público para nos respaldar. Ele é fazendeiro, produtor de soja”.
Francisco conta que as famílias assentadas exercem agricultura familiar de subsistência, com cultivo de arroz, macaxeira, batata e feijão. Atividade que é diretamente afetada pelo cultivo de monoculturas: “No oeste do Pará, todos os municípios estão comprometidos pelo agronegócio de soja e as comunidades que ficam ao redor sofrem pelo uso de agrotóxicos. A gente não consegue fazer um plantio de roça muito perto de uma plantação de soja, porque os produtos afetam toda a área e gera muitos prejuízos. E a gente vive disso. A gente planta o que come”.
Ausência de reforma agrária e impunidade têm colaborado com a violência
De acordo com o relatório da CPT, as regiões de Santarém, Redenção, Altamira e Marabá foram as que mais sofreram com invasões de territórios por garimpeiros em 2021, registrando entre uma e nove invasões. Já pela ação de fazendeiros, no mesmo período, Redenção registrou três ocorrências e Marabá e Belém tiveram pelo menos um registro notificado.
Em Santarém, os principais afetados foram os povos indígenas. Em Redenção e Altamira, indígenas e assentados. Em Marabá e Belém, quem mais sofreu com as invasões foram, além dos povos já citados, ribeirinhos, quilombolas e sem-terra.
Segundo a advogada popular e coordenadora nacional da CPT, Andréia Silvério, essas violências são ausência de um projeto de reforma agrária. “Temos uma série de acampamentos e ocupações em que existe uma demanda de criação de assentamentos, e essa é uma política completamente abandonada pelo governo federal nos últimos anos. A não resolução dessas situações de conflito, não reconhecimento de territórios, contribuem para esse número de violências que temos identificado no Brasil e no Pará”.
Já para Aianny Monteiro, doutora em Direito e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), os conflitos subsistem pela impunidade. “Infelizmente, todos os anos o Pará desponta entre os estados mais violentos no campo por não punir adequadamente as pessoas envolvidas nessas ocorrências. Quando a punição chega a acontecer, são em casos muito excepcionais. Não se atinge, efetivamente, as pessoas que motivam essas ocorrências, e esse é um fator que contribui para que, ano após ano, a violência se perpetue”.
Números dos conflitos por terra no Brasil
Em 2021:
1.768 conflitos no campo
897.335 pessoas envolvidas
4,84 ocorrências de conflitos por dia
49,49% dos conflitos aconteceram na Amazônia Legal
Ranking dos estados com mais conflitos por terra
Pará - 156
Bahia - 134
Maranhão - 97
No Pará, em 2021
Pessoas envolvidas - 31.445
Causadores - 25% fazendeiros; 19% grileiros; 15% garimpeiros; 13% Governo Federal
Vítimas - 38% indígenas; 29% sem-terra; 13% assentados; 9% quilombolas
Regiões intermediárias com mais ocorrência de conflitos - Santarém (32%); Marabá (18%); Altamira (15%)
Fonte: CEDOC 2022, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, Comissão Pastoral da Terra (CPT).
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