Bolsonaro corta sistema de proteção da Amazônia pela metade; radar de Belém está desativado

Em uso, radar permite a elaboração de previsões de curtíssimo prazo, possibilitando a emissão de alertas

Dilson Pimentel (Belém) e Thiago Vilarins (Brasília)

O valor pago pelo Governo Federal para o principal órgão de monitoramento e proteção da Amazônia sofreu em 2020 um corte de quase 50%, registrando o patamar mais baixo dos últimos 13 anos e o segundo pior desde sua criação, no início dos anos 2000. 

De acordo com apuração da reportagem de O Liberal com dados diretamente do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), o Censipam, o centro gestor e operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), vinculado ao Ministério da Defesa, encerrou o ano passado com um orçamento de R$ 42,2 milhões.

image (Arte / O Liberal)

Deste total, somente R$ 12 milhões foram efetivamente pagos pela gestão do presidente Jair Bolsonaro para o órgão (28,5% do valor empenhado). Um ano antes, o repasse pago ao Censipan foi de R$ 22,5 milhões. Ou seja, o atual governo cortou pela metade (46,6%) a verba destinada a proteção e monitoramento da floresta amazônica. Trata-se de uma das maiores diferenças negativas entre orçado e pago ao órgão mais drásticas de um ano para o outro desde a criação do Sipam.

Porém, os dados do Siafi apontam que o processo de sucateamento já ocorre há mais de uma década. Em 2008 o orçamento do Sipam chegou a R$ 106 milhões - 60,2% superior ao orçamento de 2020 - e o respectivo valor pago foi de R$ 51,8 milhões - quase cinco vezes a quantia paga no último ano. A partir desse ano, as verbas para o órgão entraram em queda livre, culminando no orçamento do ano passado.

image (Arte / O Liberal)

Ainda de acordo com os dados do Siafi, ao longo dos primeiros meses de 2021, o órgão recebeu apenas R$ 630,82 mil para gerir a operação de proteção de toda a Amazônia.

image Radar meteorológico do Sipam: estutura de R$ 5 milhões, sem uso (Tarso Sarraf / O Liberal)

Belém com radar inoperante desde 2018


O Sipam tem papel estratégico para a região amazônica. De acordo com o próprio site do órgão, o sistema tem como missão “promover a proteção da Amazônia Legal por meio da sinergia das ações de governo, da articulação, do planejamento, da integração de informações e da geração de conhecimento” e busca ser um órgão “referência nacional e internacional na geração, integração, disponibilização e utilização de conhecimento aplicado ao ambiente amazônico”, diz o texto institucional do órgão.

“O radar é importante sim, principalmente para previsão do tempo em micro escala ou seja curto período de tempo. O radar de modo geral permite ao meteorologista identificar as  nuvens e até  gotas de água nas nuvens. Também identifica a direção e velocidade do vento, bem como é mais preciso  na previsão em médio e curto prazo e permite identificar as tempestades severas, entre outros funções" - José Raimundo Abreu, coordenador do Inmet/PA.

No entanto, os cortes no orçamento e valores pagos pelo Governo Federal têm causado o sucateamento do Sipam ao longo dos anos, gerando inviabilidade de serviços e falta de dinheiro para compra e manutenção de equipamentos básicos para cumprir a missão do órgão, que é gerar conhecimento.

Localizado na região central e à vista de quem passa por uma das avenidas mais movimentadas da capital paraense, a Avenida Pedro Álvares Cabral, o radar meteorológico de Belém está inoperante desde julho de 2018. O artefato chama a atenção e acumula sinais de desgaste e falta de manutenção. De acordo com especialistas consultados pela reportagem, o valor médio desse equipamento é em torno de R$ 5 milhões, o que corresponde a cerca de um quarto do repasse anual do governo ao órgão tanto em 2018 (R$ 21,16 milhões) quanto em 2019 (R$ 22,58 milhões), e quase metade da quantia destinada em 2020 (R$ 12,04 milhões).

image Site do Sipam mostra radar de Belém desligado (Reprodução / Sipam)

Sem o radar, deixam de ser coletadas estimativas de quantidade de chuva que cairá numa determinada região, a velocidade de deslocamento de uma nuvem precipitante e em quantas horas a chuva poderá cair, a intensidade do vento, a possibilidade de granizo e em qual região da cidade, até mesmo por bairros - no caso de uma grande cidade, a chuva deverá ser mais forte.

Radar inoperante prejudica pesquisa e não garante dados precisos em curto prazo


Ao longo do último mês, a população de Belém sofreu com tempestades com ventos fortes e chuvas intensas, resultando no destelhamento de casas e derrubada de árvores. De acordo com um meteorologista consultado pela reportagem, o equipamento poderia, por exemplo, fornecer rastreamento de tempestades e elaboração de previsões de curtíssimo prazo, possibilitando a emissão de alertas hidrometeorológicos mais precisos.

image Equipamento está desativado desde 2018 (O Liberal)

A reportagem de O Liberal também procurou órgãos estaduais e federais para comentar o assunto. Porém, os profissionais preferiram não opinar publicamente. Mas a reportagem conversou com meteorologistas da capital que, pedindo anonimato, explicaram o que significa, na prática, o não funcionamento deste radar meteorológico.

Segundo uma meteorologista, que preferiu manter o anonimato, o radar é importante para a análise do tempo, pois a previsão de chuva numa determinada região é mais precisa e ágil com este tipo de equipamento, o que facilita informar, à Defesa Civil, a possibilidade de eventos meteorológicos extremos. Sem o radar ocorre, também, a perda de coleta de dados temporais.

Porém, para a simples previsão do tempo, pode-se utilizar dados de outros órgãos, como CPTEC/INPE (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC/INPE), Redemet (Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica) e as secretarias de meio ambiente locais.

Ainda segundo ela, o maior prejuízo ainda é a perda de dados temporais. Ou seja, a coleta de dados do radar facilita a criação de boletins e prognósticos climáticos, assim como auxilia nas pesquisas sobre a região amazônica, como uma possível climatologia de dados de radar, que agilizaria ainda mais a previsão de tempo.

Outro especialista disse que o uso do radar meteorológico numa atmosfera tropical como a amazônica é muito importante. Até porque, explicou, o tempo muda de uma hora para outra, e uma previsão de curtíssimo prazo (nowcasting) seria vital para as atividades dos órgãos de meteorologia do Pará para fornecer auxílio para ações do sistema estadual de proteção e defesa civil. “Em outras palavras, o radar meteorológico ajudaria muito na prevenção de impactos negativos dos eventos extremos de ordem meteorológica”, disse.

image Cada vez mais esquecido na paisagem: orçamento federal evaporou (Tarso Sarraf / O Liberal)

Procurada pela reportagem, a Defesa Civil de Belém informou que as informações do radar são extremamente úteis, pois permitem o rastreamento de tempestades e elaboração de previsões de curtíssimo prazo, possibilitando a emissão de alertas. A coordenadora explicou que, sem as informações deste radar, a Defesa Civil de Belém tem utilizado os dados do Inmet.

“O retorno do radar é necessário para as defesas e secretarias de políticas urbanas e ambientais. O radar é importante para a precisão não somente dos locais, mas também para a obtenção de outros dados, tais como o índice pluviométrico. E isso traz uma maior eficácia com relação aos alertas e às informações prestadas”, destacou a coordenadora geral da Defesa Civil de Belém, Christiane Ferreira.

A Defesa Civil Municipal de Belém é parte integrante da Defesa Civil Estadual, assim como todos os municípios do Estado. Por isso, a reportagem também acionou a Defesa Civil do Estado, que não quis comentar o caso.

O coordenador do INMET/2º Distrito de Meteorologia de Belém, José Raimundo Abreu de Sousa, compartilha da opinião sobre a importância do radar. “O radar é importante sim, principalmente para previsão do tempo em micro escala ou seja curto período de tempo. O radar de modo geral permite ao meteorologista identificar as  nuvens e até  gotas de água nas nuvens. Também identifica a direção e velocidade do vento, bem como é mais preciso  na previsão em médio e curto prazo e permite identificar as tempestades severas, entre outros funções", disse.

A reportagem entrou em contato com o Censipam-Ministério da Defesa, em Brasília, e perguntou a razão pela qual o radar de Belém, ao contrário dos demais da Amazônia, está inoperante. Também informou que a última atualização, pelo site público, é de julho de 2018.

No entanto, o Ministério da Defesa, por intermédio da Força Aérea Brasileira (FAB), não explicou sobre o fato do equipamento estar inoperante. Em nota, afirmou “o radar meteorológico de Belém integra uma rede de radares meteorológicos, que, em conjunto com as imagens de satélites, radares das aeronaves e outras fontes de informações garantem a assistência ao Sistema Aéreo em todo o território nacional”.

A nota aponta ainda que “há ferramentas tais como imagem satelital e informações de descargas atmosféricas que auxiliam e suprem a demanda de informações na área de Belém”, informa.

O texto enviado para a reportagem prossegue destacando a função de segurança do tráfego aéreo, que também pode ter maior confiabilidade com a operação de radares.

“A Meteorologia Aeronáutica atua diuturnamente para suprir o Sistema de Controle do Espaço Aéreo de informações e serviços que contribuam para o cumprimento da missão, de forma a alcançar o máximo de segurança possível nas atividades de gerenciamento de tráfego aéreo, sob a responsabilidade do Comando da Aeronáutica”, diz o texto.

Em relação aos valores pagos, o Ministério da Defesa encaminhou nota para a redação de O Liberal na tarde deste sábado (17). O texto confirma os valores destinados como orçamento empenhado ao órgão. Porém, não explica sobre o valor pago, que sofreu queda de 46%, conforme demonstram os dados do Siafi consultados pela reportagem. A Defesa, no entanto, afirma que “o Censipam tem aprimorado sua gestão orçamentária e financeira, a fim de diminuir custos administrativos e fortalecer seu papel de integração com outros órgãos de atuação direta na Amazônia e na pesquisa científica em prol da proteção e do monitoramento ambiental”. Entre os exemplos de parceria com outros órgãos, cita um instrumento de cooperação com a Universidade Federal do Pará (UFPA), com repasse de 774 mil reais para desenvolvimento de uma nova versão do Sistema de Monitoramento e Alerta Hidrometeorológico (SipamHidro), “uma plataforma web desenvolvida para integrar dados e gerar informação e conhecimento sobre as condições hidrometeorológicas da região amazônica, auxiliando órgãos públicos e demais instituições na mitigação dos impactos ocasionados por eventos severos”, afirma o texto, sem também abordar sobre o fato de que o radar meteorológico de Belém estar inoperante.

Sem comentar a queda de repasses dentro do orçamento previsto ao Sipam, o Ministério da Defesa afirma ainda que “todo orçamento disponibilizado ao órgão é utilizado em sua plenitude ao longo dos exercícios financeiros e as questões de execução direta e liquidação efetiva estão relacionadas com a entrega dos bens e serviços propriamente ditos e podem se estender pelo exercício seguinte”. A nota encerra afirmando ainda que “não há comprometimento do trabalho do Censipam por restrição orçamentária, mas sim um fortalecimento no papel de coordenação e fomento de ações a favor do aprimoramento do conhecimento qualificado e da proteção da região por meio de parcerias estratégicas”, afirma o Ministério da Defesa.

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