O valor da verdadeira presença
Não sei você, mas tenho a impressão de que 2020 ficou hospedado aqui em casa
Não sei você, mas tenho a impressão de que 2020 ficou hospedado aqui em casa. Às vezes parece aquela mudança com reaproveitamento dos móveis entulhando um espaço bem menor.
Ajeita aqui e ali para caber no lugar que não era o seu.
Um ano que pareceu mais uma indústria de lamento e dor. O mal estar da ressaca que não tem fim. Lembranças. Memórias. Saudade. E a sensação de dor e frio no estômago.
Quero ir adiante. Você também. Mas sempre tem uma certa angústia no meio do caminho. Você percebe?
Vez e outra tem um:
- Porque em 2020…
E lá vem alguma história que ecoa dolorida dentro da gente.
Meu irmão Pedrinho fugiu o que pôde nesse ano da Covid. Mas no ano seguinte, tivemos que amargar a sua partida, vítima do vírus. Você também tem os seus relatos.
Talvez tenha sido a primeira vez que vimos nascer um ano dentro do outro. Histórias repetidas que fizeram bagunça no nosso calendário.
Por certo você não lembra direito em que ano foi o quê. E a gente desejou feliz ano novo meio que emendando um no outro, com a esperança requentada.
Dois anos que pareceram dois semestres intermináveis.
E qual foi o aprendizado disso tudo?
Uma boa lição é que todo dia vem embrulhado numa nova oportunidade de reagir a tudo aquilo que nos acontece de forma mais positiva. Fazer escolhas que podem ser mais úteis, mesmo diante de tantas atribulações. Despertar para as coisas que antes não recebia o devido valor, como dedicar tempo de qualidade para pessoas que são importantes para nós.
Sair de certos grupos virtuais que só levam o tempo da gente sem deixar nada que preste de verdade nessa troca. Mais disposição para aperfeiçoar a escuta que vai tornando o jeito de levar a vida mais leve, genuína e amorosa.
Fazer aparecer, com mais nitidez, a beleza da simplicidade, nem sempre valorizada como merece.
Foram dois anos que surgiram como zona de treinamento de sobrevivência. Para o corpo; e para a mente. Tempo de aprender a lidar com o nosso luto; e com o luto em volta. Por toda parte.
E veja, não falta muito para acabar o ano que chegou como reaprendizagem: De vida e de convivências.
Que esse histórico não nos tire a disposição para ativar nossa melhor energia. Produzir tudo que puder tornar a nossa presença mais útil. Espalhar sementes que podem compor a nossa prática diária de atitudes mais inteiras.
E cada uma delas, quem sabe, servir de inspiração para alguém, alcançando quem a gente nem imagina.
O luto de herança deixou casas mais vazias. Mas também nos encheu de necessidades por mudanças obrigatórias que estimulam transformações. Um processo onde cabe a leveza dentro da gente de novo.
Afinal, tem muita casa reorganizando os lugares vazios para fazer valer a pena cada móvel que foi colocado, reordenado, reutilizado. E preencher os espaços que foram esvaziados por conta de alguma perda. Marcar a presença em cada um deles é um passo para ressignificar novos dias do ano que bate à porta.
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