Marajó registra 20 mil casos de malária

Sespa diz que a cada dois anos prefeito troca agentes de saúde

O Liberal
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Os casos de malária aumentaram mais de mil por cento em Bagre, no Marajó, onde há 20 mil casos da doença. De janeiro a abril do ano passado, houve 211 registros de malária naquele município. Este ano, no mesmo período, foram 2.524 ocorrências, segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). Até 2015, os casos de malária vinham caindo no Estado, de 183.646, em 2010, para 11.266 em 2015. Em 2016, houve 14.495 casos e até janeiro de 2017 foram 36.382, com prevalência em Bagre, Anajás, Breves, Curralinho e Portel.

Diretor do Departamento de Controle de Endemias da Sespa, Bernardo Cardoso diz que, no Marajó, “esses casos, infelizmente, já eram problema anunciado, porque os gestores municipais não atuam diretamente como deveriam. A cada dois anos, mudam os agentes, temos que capacitar pessoas de novo e a vigilância que havia não tem mais. Se deixa de trabalhar na saúde, principalmente endêmica, porque o prefeito pede para deixar de lado e não pode deixar a saúde de lado”, afirmou. “Nesse caso da malária, estamos com 90% do Estado lá, com as regionais que formam o bloco na ilha do Marajó. Então, todos os municípios têm a presença do Estado dando treinamento, que é nossa responsabilidade maior, para microscopistas, agentes que atuam na malária, além de entregar mosquiteiros às pessoas”, disse.

Bernardo diz que o tratamento simples de malária custa R$ 2 mil por pessoa. “E tenho hoje, na ilha do Marajó, cerca de 20 mil casos da doença. Queremos baixar em pelo menos dois a três mil casos este ano. O aumento ocorreu devido à falta de vigilância nos municípios. O município tem responsabilidade com a atenção básica, porque recebe dinheiro para isso. Temos agentes de saúde pagos pelo Ministério, mas, muitas vezes, o agente não está lá. Às vezes, ele diz o que ocorre, mas a secretaria não notifica e o Estado fica sem saber”, afirmou.

Ele informa que o Estado está presente em todos os municípios da região, especialmente nos sete que correspondem a 86% dos casos de malária no Pará. “Ninguém morreu da doença. Temos pessoas, barcos e voadeiras garantidos pelo Estado desde o início de 2017. A meta é diminuirmos os casos em no mínimo 50%, embora não seja fácil. Se os municípios nos ajudarem a gente consegue. Hoje, o Pará está em 3º ou 4º lugar em malária no Brasil”, afirmou. 

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bagre, Maria José, 49 anos, nasceu e se criou no município. Em abril deste ano, ela e o marido tiveram malária e continuam em tratamento. “Os casos aumentaram a partir do ano passado”, disse ela, ao informar que não há registros da doença na sede do município, mas na zona rural. “Tem gente que já pegou até cinco vezes. Houve comentários de que morreram dois jovens. Mas, oficialmente, não temos essa confirmação”, disse. 

Maria José sente dor no fígado, queimação e inchaço. “Na fase dos sintomas, dor de cabeça, tremor, febre”, relata. Ela diz que toma a medicação, mas sente muita fraqueza no corpo. “A gente fica sem poder se alimentar direito, por causa do fígado. Não pode comer farinha, açaí, que é a comida que a gente está acostumado a comer, pois somos marajoaras. Por isso, ficamos fracos”, afirmou. Maria José  viaja muito para a zona rural, por causa de suas atividades sindicais, mas não sabe onde contraiu a doença. “Existem ações da secretaria de saúde. Eles vão nas comunidades, orientam as famílias, fazem coleta, levam lâmina, e, quando as pessoas estão doentes, dão medicamento. Bagre teve alguns anos aqui e acolá. Mas, de 2017 para cá, aumentou. Eles dizem que é o carapanã (que transmite)”, afirmou.

Transmissão

A transmissão da malária pode ser contida pelo uso do mosquiteiro, que impede o mosquito infectado de picar a pessoa. O mosquiteiro impregnado com inseticida evita a contaminação, porque o mosquito fica mais ativo entre 18h e 6h. “Descobrimos que a malária se pega a partir das 22, até 6 horas, porque as fêmeas que têm o plasmódio e que transmitem a doença chegam por volta das 2 horas da madrugada. A vida dela é de 45 a 65 dias. Não existe vacina no mundo para o protozoário. Há certa resistência da população no Marajó em utilizar os mosquiteiros e pedimos apoio da Prefeitura para ajudar na conscientização das pessoas”, diz Bernardo.

Os sintomas da doença são dor de cabeça, febre, dor no corpo, nas juntas e isso vai aumentando. “Tem que procurar imediatamente o agente de saúde. A doença tem cura em 100% e 99% dos casos são tratados em casa. O tratamento hospitalar é indicado para casos graves, causados pelo plasmódio falciparum. O tratamento conta com medicamento específico, que não está em falta. “Não temos imunidade para a doença e se pega muitas vezes”, disse Bernardo Cardoso. Quem estiver em área de floresta, com esses sintomas, há grandes chances de ser malária e deve se buscar atendimento. “Por isso, é importante a vigilância em saúde, porque o agente é o sentinela da população e deve comunicar logo o caso para o município e este ao estado. O clima atual da região pode levar ao aumento nos casos de malária, principalmente entre os meses de agosto, setembro e outubro”.

Doze horas de barco para tentar marcar consulta

“Só não desisto por causa da minha filha”. Depois de 12 horas de viagem de barco, Rosana dos Santos Rodrigues, 27 anos, desembarcou em Belém,de Portel, no Marajó, para tentar marcar consulta para a filha. Aos 3 anos, Eliana é epiléptica. Dona de casa, Rosana é mãe de cinco meninas e um garoto. O menino, de seis anos, tem problemas cardíacos. Um pastor e vereadores de Portel conseguiram o dinheiro para a viagem - a passagem de barco, ida e volta, custa R$ 180,00. Ao desembarcar em um porto na avenida Bernardo Sayão, em Belém, na manhã de sexta, ela só tinha o dinheiro da volta. Tomou café na embarcação. Ela tentaria marcar a consulta no Centro de Especialidades Médicas e Odontológicas (Cemo), da Prefeitura de Belém, na avenida Almirante Barroso, no Marco. Assim que terminasse a consulta, dependeria novamente da ajuda de outras pessoas para retornar ao porto e embarcar para Portel, onde ficaram o marido, que vende churros, e os filhos. 

Rosana disse que, no começo, sua filha Eliana era atendida em Breves, no Marajó. Mas a recomendação médica é que ela fosse tratada em Belém. No mês passado, pela primeira vez, ela viajou à capital com a filha. “É muito difícil, lá. quando é mais grave, eles encaminham (os pacientes) para cá”, contou ela, que saiu de Portel às 16 horas de quinta-feira. Ela contou que, às vezes, vai no posto de Portel e não tem médico. “Aí, fica difícil. Quando ataca (a epilepsia) nela, que é bebezinha, a gente leva no hospital, mas, às vezes, não atendem ela. Me sinto humilhada”, disse Rosana. Ela contou que há remédios prescritos para sua filha, mas que não são encontrados nem em Portel e nem em Breves. “Às vezes, dá crise nela. Mas, quando tem o medicamento, demora pra dar crise. Tem uns três meses que ela não dá (a crise), graças a Deus”, contou. Paulo, de 6 anos, o que tem problema cardíaco, tem se queixado que “dói muito” seu peito.

O tratamento dele é em Macapá, onde nasceu. Rosana e o marido moravam, antes, naquela cidade. Mas ela nasceu em Portel. “Quando ele (Paulo) nasceu, já descobriram e começaram o tratamento logo. De Portel para Macapá é a mesma distância quase para Belém. Tá com um ano que não consigo fazer o tratamento dele, porque é difícil. É a mesma dificuldade”, contou. Rosana tem uma irmã de 29 anos que está no oitavo mês de gestação e está com malária. “Dia 27 agora vão tirar o bebê dela porque ela não pode chegar aos nove meses. Todos os bebês dela são tirados”, contou, acrescentando que, apesar dos problemas na gestação, sua irmã é mãe de três filhos. “Ela faz o tratamento no hospital, em Breves mesmo, e volta pra casa dela”, disse. Rosana, que foi de carona no carro da reportagem até o Cemo, na Almirante Barroso, pretendia embarcar às 18 horas de sexta-feira para Portel, onde também a aguardavam os demais filhos - Ana Paula , 4 anos, e Nair, de 8.


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