Manguezais ajudam a regular o clima do planeta; vídeo
O Pará tem uma das maiores faixas contínuas de mangues do mundo, contribuindo para a redução das tempestades da Terra
O mundo está mais quente: a temperatura média global subiu 1,07º como consequência de uma série de ações predatórias da humanidade, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Especialistas em crise climática afirmam que frear o galopante avanço do aquecimento global é o principal desafio do milênio. Um grande aliado nessa missão está bem aqui, no Pará. O estado integra a maior faixa contínua de mangue do planeta. O solo deste ecossistema tem capacidade cinco vezes maior de absorver CO2 em comparação às florestas tropicais, contribuindo de forma significativa para a regulação do clima.
Na costa litorânea paraense vivem mais de 125 mil pessoas que têm seu sustento na pesca artesanal. São moradores de 12 Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas, um tipo de unidade de conservação destinada a proteger as espécies da fauna e da flora locais e também o modo de vida de comunidades tradicionais. São mulheres, homens e jovens que atuam como guardiões do mangue.
Cuidar das famílias pesqueiras é cuidar dos manguezais. E há urgência, já que essas comunidades já sofrem o impacto das mudanças climáticas. “Ontem fez 32º. Se a gente, enquanto ser humano, com tantos recursos, já sente, imagine a natureza. Não falo só do pescado, do caranguejo, mas dos outros seres que habitam o mangue”, diz Daniele de Souza Silva, estudante de Agroecologia do Instituto Federal do Pará (IFPA) e agricultora da Resex Caeté-Taperaçu, localizada na região bragantina no nordeste do Pará.
No Marajó, o sinal também é de alerta. “Aqui, antes, acabava a safra de uma coisa, já vinha outra. Mas há dois anos não teve mais safra de peixe, não teve safra de camarão. Tá tudo muito escasso”, lamenta Patrícia Faria Ribeiro, moradora da Vila do Pesqueiro, na Resex Soure.
“Na nossa costa, as mudanças climáticas afetam bastante com inundações e erosões. A gente tem uma época de fluxo de cheia natural, época das chuvas, mas esses períodos estão ficando cada vez mais longos, e as enchentes invadem lugares onde não chegavam antigamente. Com o nível elevado do mar, a força do oceano provoca erosão da costa, o que atinge cada vez mais lugares”, explica Willian Fernandes, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte - CEPNOR / ICMBio
Proteção dos ecossistemas costeiros
Fortalecer medidas de proteção dos ecossistemas costeiros é estratégico. A floresta de mangue, por exemplo, é uma barreira natural contra as inundações e, consequentemente, contra o avanço das erosões. “Isso só é possível por meio de áreas protegidas, como as Reservas Extrativistas. O maior desafio no litoral do Pará é que esses territórios, que já são protegidos por lei, sejam efetivamente resguardados. Para tanto, é preciso que as comunidades tenham estrutura e suporte adequados para liderarem ações de conservação dos manguezais”, diz Bruna Martins, oceanógrafa e gerente de implementação de programas da Rare Brasil, organização ambiental que desde 2014 atua na costa brasileira.
Criadas a partir de 2002, as reservas marinhas do Pará enfrentam o assédio da pesca predatória. O litoral norte é uma das últimas fronteiras do avanço da exploração pesqueira no Brasil. “A gente da comunidade faz uma pesca ordenada, consciente, mas quem vem de fora não faz isso. Pratica uma pesca criminosa, depreda a natureza, prejudica demais. O pescador sobrevive dessa natureza. O maretório é vida”, diz Sandra Regina Gonçalves, pescadora da Resex Mãe Grande de Curuçá e representante da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinho (Confrem).
“O fluxo de exploração pesqueira vem migrando para as áreas do Pará e Amapá. A busca pela soberania das comunidades tradicionais, portanto, é garantir a proteção dessas áreas. O manejo sustentável desses recursos é fundamental para a segurança alimentar do norte do Brasil e do mundo”, destaca Bruna Martins.
Vasta biodiversidade
As florestas de manguezais são consideradas um dos ecossistemas mais produtivos e relevantes do planeta por sua vasta biodiversidade. Eficientes “filtros”, as áreas de mangue são capazes de sequestrar cinco vezes carbono que as florestas, e os mantém retidos por muito mais tempo, por séculos ou milênios, o que gera um estoque maior de carbono.
Apesar da sua reconhecida importância, os mangues sofrem com a perda da cobertura vegetal e ameaça a seus habitats aquáticos. Fortalecer as reservas extrativistas marinhas e a atuação sustentável de famílias pesqueiras é a chave para a conservação deste ecossistema. E o planeta volta sua atenção para este debate: 2022 é o Ano Internacional da Pesca e da Aquicultura Artesanais, declarado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (ONU/FAO).
A agenda integra a Década do Oceano, iniciativa capitaneada pela ONU para mobilizar a implementação de ações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade dos ambientes costeiros e marinhos.
Nesta jornada, há muitos desafios pela frente. As famílias pesqueiras precisam equilibrar a subsistência, o desenvolvimento econômico e a conservação de um espaço que carece de maior atenção das autoridades e da sociedade como um todo.
Websérie inicia com as "Mães do Mangue"
O longo e complexo caminho para fortalecer a atuação dessas comunidades conta com o programa “Pesca para Sempre”, desenvolvido pela Rare. A organização vem implementando o projeto em diferentes países do mundo, e no Brasil foca os esforços no Pará, fomentando a gestão de base comunitária para a pesca na costa amazônica. O trabalho do “Pesca para Sempre” nas reservas extrativistas paraenses foi documentada nos cinco episódios que compõem a segunda temporada da websérie “Pesca para Sempre”, que acaba de ser lançada em parceria com o portal OLiberal.com. Os cinco episódios estão disponíveis no LibPlay e no YouTube da Rare Brasil.
O protagonismo feminino é tema de abertura da websérie. O Pará é o estado com maior número de mulheres pescadoras. São 95 mil trabalhadoras, segundo dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira. O episódio “Mães do mangue - rede de mulheres protagonistas da conservação” mostra a mobilização para organizar e fortalecer a atuação das trabalhadoras por meio de iniciativas como o Clube de Poupança.
No Pará, já são 22 clubes organizados nas reservas extrativistas que beneficiam mais de 300 mulheres. Além da poupança individual, o projeto forma uma poupança comunitária. Cada mulher contribui com uma taxa coletiva fixa, cujo uso da verba é investido na comunidade. “Cuidar das mulheres é cuidar dos manguezais. Então o programa proporciona educação financeira, para que as trabalhadoras cheguem aos espaços de decisão a respeito das áreas protegidas”, diz Bruna Martins, da Rare.
O segundo vídeo, intitulado “Mercado justo da pesca artesanal”, mostra os desafios para implementar a cadeia de valor da pesca. Um dos projetos desenvolvidos com este objetivo é o Paneiro do Mangal, que reúne diversos itens produzidos nas reservas e são vendidos diretamente ao consumidor, sem atravessadores e escoando a produção de forma diversificada.
O episódio “Coastal 500 – uma rede de lideranças públicas em prol da pesca artesanal” fala sobre a participação de municípios e prefeitos no fortalecimento de uma aliança colaborativa na costa amazônica. A rede Coastal 500 elaborou um guia de ação com atividades programáticas, políticas e financeiras para compromissos de gestão pesqueira, e atualmente atua em parceria com os municípios de São João da Ponta, São Caetano de Odivelas, Colares, Magalhães Barata, Maracanã, Santarém Novo, Marapanim, Augusto Corrêa, Bragança e Viseu.
O quarto episódio desdobra a temática e mostra que o programa “Pesca para Sempre” cresce com apoio de universidades, associações e líderes comunitários.
A websérie encerra com o debate sobre as mudanças climáticas e o papel fundamental do mangue amazônico nesse contexto. Desenvolvido nas reservas extrativistas, o projeto “Clima para Sempre” visa sensibilizar e introduzir o conhecimento da agenda climática nas comunidades, a fim de capacitar as populações locais e proteger os ecossistemas costeiros.
“São iniciativas chaves para ações que a gente precisa tomar agora. Estamos entrando na Década do Oceano, uma década de conectividade, de ação unificada e é muito importante que as comunidades tomem essa agenda global na ação local”, destaca Bruna Martins.
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