Intolerância religiosa: ‘precisamos falar sobre isso’, dizem líderes afrorreligiosos no Pará

A prática da intolerância religiosa contra religiões de matriz africana levantou novos debates, após um episódio lamentável envolvendo do médico Fred Nicácio, do BBB23

Fabyo Cruz
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Um episódio lamentável envolvendo do médico Fred Nicácio, do programa Big Brother Brasil 2023, ocorrido no começo desta semana, levantou uma nova discussão sobre a intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. Na segunda-feira (21), os brothers Cristian, Key Alves e Gustavo disseram que sentiam medo do profissional de saúde, que frequenta o culto Ifá - um sistema divinatório que tem sua origem na etnia iorubá. Em 2022, foram registrados 244 delitos em templos religiosos no Pará, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup)

Depois da repercussão do BBB23, várias entidades religiosas e representantes políticos se manifestaram em defesa de Fred Nicácio e contra a intolerância religiosa. Thaissa Pereira, sacerdotisa do templo religioso de matriz africana Ilê Asé Idan Bi Iyewá (Iyá Bì Iyewássi) e também Iyanifá do culto Ifá (Iyanifá Ifágbemim Èsúgbémìm), em Belém, é a única Iyanifá ativa nos dois regimentos religiosos na capital paraense, do mesmo culto ao qual Fred Nicácio frequenta e deposita sua fé. Ela explica que “Ifá é uma filosofia de vida onde a gente segue os conselhos de Orunmilá para que a gente tenha uma vida boa e abundante na terra”. 

Thaissa conta que a filosofia cultua os elementos da natureza e a natureza em si como foco central da fé. “Ter como consequências mostrar esse lado da religião é desgastante, assim como carregar essa visão imposta pela sociedade. Somos uma comunidade do bem e sem intenções de fazer o mal ao próximo. Até quando teremos que desassociar essa relação das religiões de matriz africana ao lado maldoso, maléfico e de más intenções?”, questionou. 

Para o coordenador do Movimento Atitude Afro Pará, pai Denilson D'Oxaguiãn, entre os problemas relacionados ao contexto de intolerância religiosa contra matrizes africanas estão: ataques de programas de televisão, a falha no sistema educacional e a falta de instrução da polícia para receber denúncias. “As pessoas que passam a sofrer esse tipo de ataque têm medo de denunciar porque a polícia historicamente se mostrou uma estrutura opressora que reprime essas populações de terreiro, as negras em geral, seja do meio urbano ou do meio rural. Outro ponto é que a polícia necessita de capacitação dada pelo movimento social. Deveria ter um módulo dentro da formação dos policiais que pudesse ser ministrado por alguém que represente uma entidade de peso, como o Cedempa, o Atitude Afro, a OAB ou outras instituições”, sugeriu. 

Lei equipara injúria racial ao crime de racismo

A Lei Federal Nº 14.532/2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, visa combater a impunidade contra crimes de intolerância religiosa com penas mais severas. A legislação, agora, prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. A penalidade será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. 

Bárbara Adrião, presidente da Comissão e Defesa da Liberdade Religiosa da OAB-PA, destaca que com a mudança é “retirada a injúria racial dos catálogos de crimes contra a honra do código penal, então ela acaba sendo uma espécie agora do crime de racismo. E desse fato vai gerar dois efeitos. O efeito mais concreto mesmo é uma questão simbólica de mostrar para sociedade que você ofender alguém você agredir, violar tanto psicologicamente, moralmente, fisicamente e por aí vai, a gente coloca esse indivíduo também como uma espécie desse racismo. O outro efeito é a consequência da modificação na pena. Eles não vão ter essa questão da fiança da pessoa cometer esse crime, pagar, sair da prisão e nada acontecer, ou da prescritibilidade”. 

Crimes de intolerância religiosa no Pará

A Segup informou que houve a redução de 25% nos crimes de intolerância religiosa no comparativo entre os anos de 2021 e  2022. De janeiro a dezembro de 2022 foram registrados 244 delitos que ocorreram em locais como igrejas, templo religioso e centro espíritas em todo o Estado. Em 2021, no mesmo período, houve 325 registros. “A Segup também informa que foi utilizado na metodologia de pesquisa o local do fato, entretanto, não é possível afirmar que os crimes tenham sido praticados em virtude de intolerância religiosa. O Governo do Estado, por meio da Segup, lançou em 2021 o Plano de Políticas Públicas de Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana que prevê, entre outras ações, medidas de combate à intolerância religiosa e ao preconceito.”

Onde denunciar?

As denúncias podem ser feitas 181 (Disque-Denúncia) e 190 (Ciop). Qualquer delegacia pode atender às denúncias. A delegacia especializada do Pará fica em Belém, na rua Avertano Rocha, 417. CEP: 66.023-120. Campina.

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