Febre oropouche: entenda por que as mudanças climáticas podem potencializar o número de casos
Estudo mostra que o risco de aumento da transmissão é maior nas regiões costeiras do Brasil. No Pará, foram registrados 5 casos em 2025

As mudanças climáticas estão contribuindo para que o mosquito que transmite a febre oropouche se reproduza mais rapidamente, o que pode resultar em mais pessoas doentes. “O número de casos pode aumentar cada vez mais e o que seria apenas uma endemia - ou seja, um número de casos que a gente já estava acostumado a ver naquela região - pode se transformar numa epidemia. Ou seja, um aumento de casos desproporcional e praticamente em todo o território nacional”. É o que afirma, em Belém, o médico infectologista Alessandre Guimarães, vice-presidente da Sociedade Paraense de Infectologia.
A pedido de O Liberal, ele comentou o estudo publicado na revista científica The Lancet, que analisou dados de seis países da América Latina, incluindo o Brasil. Segundo o estudo, divulgado pela Agência Brasil, os eventos climáticos são os principais responsáveis pela explosão de casos de febre oropouche.
"O risco de infecção provavelmente evoluirá de forma dinâmica nas próximas décadas, com potencial para surtos futuros em grande escala", alertam os pesquisadores.
Número de casos no Pará
A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informa que o Pará foi o primeiro estado do Brasil a implantar oficialmente a Vigilância Epidemiológica da Febre Oropouche, aprovada em fevereiro de 2024. Por ser recente, não há dados consolidados de anos anteriores. Até 31 de março de 2025, foram registrados 5 casos da doença. Em 2024, houve 113 confirmações, sem registro de óbitos nos dois anos. Para combater a febre oropouche, a Sespa mantém ações de monitoramento nos municípios, reuniões técnicas regionais, análises quinzenais e articulação com laboratórios de referência como parte da estratégia estadual de enfrentamento às arboviroses.
No Brasil, a doença era considerada endêmica da Região Amazônica, com poucos casos isolados em outros locais, ainda segundo a Agência Brasil. Mas, desde 2023, o número de registros vem aumentando, com diagnósticos inéditos em diversos estados. De 833 infecções confirmadas naquele ano, houve um salto para 13.721 em 2024, com pelo menos quatro mortes. Neste ano, até o dia 15 de abril, o Ministério da Saúde confirmou 7.756 casos e uma morte está em investigação.
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Ciclo reprodutivo do Aedes aegypti caiu de 14 para em torno 7 dias
O médico infectologista Alessandre Guimarães comentou que aquele estudo publicado na revista científica ratifica “aquilo que a gente já sabia ou já teve o conhecimento prévio através de estudos de entomologia, que são estudos do comportamento e da fisiologia animal, do mosquito, que é o artrópode vetor da doença. São as doenças causadas por vírus - são arboviroses”. A febre oropouche é transmitida pelo mosquito chamado maruim.
Diz o infectologista: “A gente está vendo que esses eventos climáticos estão contribuindo para uma alteração no mecanismo de reprodução desses vetores, desses mosquitos, assim como, por exemplo, aconteceu com o Aedes aegypti. O ciclo reprodutivo do Aedes era em torno de 14 dias - desde a fase de ovo, pupa, larva e fase adulta. Atualmente já foi verificado que em torno de 7 dias esse mosquito evolui da fase de ovo para a fase adulta”.
Ainda segundo ele, “isso foi justificado através dessa mudança climática que a gente está vivendo atualmente no planeta como um todo”. O mesmo pode, portanto, ser pensado em relação ao mosquito vetor da febre oropouche, que é o Culicoides paraensis, o chamado maruim. “Então essa característica faz com que mais mosquitos eclodam - antes demorava 14 dias para ele evoluir de ovo para a fase adulta. Atualmente são em torno de 7 dias.
Outra coisa que chama a atenção é que a fêmea do mosquito que causa a febre oropouche tem a possibilidade de transmitir o vírus para os filhos, para os futuros mosquitos que sairão dos ovos. "Então isso também está sendo estudado e atribuído a essas mudanças climáticas que estão acontecendo. “Isso acontece na dengue. A gente já verificou. Uma fêmea do Aedes coloca cerca de 500 ovinhos e nesses ovos já foi encontrado o vírus da dengue. Então essa característica também está sendo estudada e atrelada a possibilidade de estar acontecendo também neste cenário de alteração climática que a gente vem enfrentando, com a febre de oropouche", disse o médico infectologista Alessandre Guimarães.
Aumento da transmissão é maior nas regiões costeiras do país, diz estudo
Então o vetor, além de se multiplicar mais, portanto, nesse cenário climático, está tendo uma fácil adaptação ao cenário urbano. “Ele se multiplica mais e se adapta melhor. Por outro lado, o crescimento desordenado das cidades e o desmatamento favorecem com que as pessoas se exponham mais a essas doenças. E, uma vez doentes, elas voltam para os seus locais onde residem - ou seja, para zona urbana doente e encontrando maior quantidade do vetor, maior quantidade de mosquito, essa doença acaba fechando o ciclo - mais indivíduos doentes, mais vetores nas cidades e vai aumentar o número de casos", disse.
"E, daí em diante, certamente que a gente vai ver este número de casos poder aumentar cada vez mais e o que seria apenas uma endemia - ou seja, um número de casos que a gente já estava acostumado a ver naquela região - pode se transformar numa epidemia. Ou seja, um aumento de casos desproporcional e praticamente em todo o território nacional", afirmou.
O estudo mostra que o risco de aumento da transmissão é maior nas regiões costeiras do país, especialmente do Espírito Santo ao Rio Grande do Norte, e também em uma faixa que vai de Minas Gerais ao Mato Grosso, além de toda a região Amazônica. "Nas regiões com risco estimado elevado de transmissão do OROV (vírus da febre do oropouche), onde ainda não foram reportados casos, o aumento da vigilância é crucial para compreender e responder de forma eficaz aos surtos atuais e futuros", recomendam os pesquisadores. O estudo também defende que testes diagnósticos para oropouche devem ser priorizados, e as estratégias de controle vetorial, com as que são utilizadas para diminuir a proliferação do Aedes aegypti, devem ser adaptadas para incluir os maruins. Além disso, estimulam mais estudos sobre a doença e para o desenvolvimento de uma vacina.
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