Entidades denunciam BBF por criminalizar populações tradicionais em Tomé-Açu e no Acará; vídeo
Processo tem registros de ameaças pessoais contra as lideranças, diz OAB-PA
A tentativa da empresa de monocultivo de palma Brasil BioFuels (BBF) de criminalizar as lideranças indígenas e quilombolas foi destacada durante coletiva de imprensa, realizada na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na manhã desta quarta-feira (27), em Belém.
“Nos preocupa muito a situação de conflito com a empresa BBF no Acará, causado, inclusive, pela BBF, porque as comunidades são tradicionais e vivem lá há muito tempo. O conflito é causado por quem chega. Nos preocupa o processo de criminalização das comunidades tradicionais”, disse o advogado José Maria Vieira, presidente da Comissão de Direitos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará (OAB-PA). A BBF é comandada por Milton Steagall, que responde a dezenas de processos na Justiça, tanto na esfera cível quanto criminal.
Ainda segundo o advogado José Maria Vieira, a denúncia vem acompanhada do relato de ameaças pessoais, inclusive contra Paratê Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé de Tomé-Açú (Aitta) e contra o qual já foram registrados diversos boletins de ocorrência. Paratê, que participou da coletiva, disse que sofre ameaças e que, por isso, teme pela própria vida. Mas que não vai desistir da luta, porque não é uma luta individual e, sim, das comunidades tradicionais.
José Maria Vieira denuncia ainda que a BBF usa seus empregados para que cumpram uma atividade em Belém que, na verdade, é do interesse da própria empresa. “Utilizando irregularmente sua mão de obra, violando direitos trabalhistas. Não é protesto. É ação política da empresa”, disse. Ele afirmou que a OAB irá denunciar todo tipo de agressão contra as comunidades indígenas e quilombolas, não só as do Acará, mas as de qualquer outra região do Pará. "Vamos agir junto às autoridades de segurança no sentido de garantir a integridade física e a vida dessas comunidades", afirmou.
Ele citou, ainda, a recomendação número 2 do Ministério Público do Estado do Pará em relação à BBF. Datada de 16 de março, diz o documento: “Recomenda a empresa BBF S/A., e seus prepostos, no que couber, a adoção de medidas que não obstaculizem/ impeçam/ restrinjam o tráfego de comunitários, indígenas e quilombolas do Alto Acará pelas vias das proximidades das atividades da BBF, as quais fazem ligação com as sedes das cidades de Tomé-Açu, Acará e/ou outros com a finalidade de assegurar direitos de locomoção, liberdade de ir e vir, escoar a produção da agricultura familiar e tradicional".
"Somos tratados como criminosos", diz liderança indígena
Presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, Miriam Tembé disse que a situação é tensa na região. “Nós, lideranças indígenas das nossas comunidades, estamos nos sentindo perseguidos pela empresa BBF, que coloca drones para nos vigiar. Não temos a nossa liberdade de ir e vir. Somos parados (pelos seguranças da BBF) e tratados como criminosos”, afirmou.
Ela acrescentou: “Nosso movimento é em defesa do nosso território, da nossa terra, da nossa floresta, do nosso rio e nossos igarapés, riquezas que garantem a nossa vida e dos nossos filhos e netos”, afirmou. Miriam disse que a empresa joga veneno no dendê e a água escorre para os rios, contaminando-os, e isso prejudica o meio ambiente, causando doenças nas crianças, o que, segundo ela, não existia antes. “Esperamos solução por parte do Estado, a solução para a nossa luta que vem se arrastando há muitos anos em defesa do nosso território”, afirmou.
O advogado Jorde Tembé, que defende as comunidades indígenas de Tomé-Açu e do Vale do Acará, disse esperar que os órgãos competentes deem andamento aos procedimentos.
“Há muito, nós, através dos órgãos, tentamos fazer a regularização dessa situação, para que se evite um mal maior. Porém, as autoridades competentes têm se mostrado em silêncio”, afirmou. “Em relação às comunidades quilombolas, os processos estão parados. Quanto às comunidades indígenas, se tem sempre um andamento e, depois, retroage. Está tudo mais ou menos na mesma situação”, diz. Paratê completou que são mais de 20 comunidades indígenas impactadas diretamente pelo empreendimento. “Nossa briga é contra a empresa, e não contra os funcionários”, afirmou.
Mais de 150 entidades divulgam apoio a quilombola preso
Eneida Canedo Guimarães falou em nome do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e citou a nota de solidariedade, assinada por 153 entidades, em apoio a Flávio Ferreira de Souza, da Associação de Moradores Agricultores Quilombolas Comunidade Nova Betel, que está preso. Segundo o documento, a prisão foi “arbitrária e ilegal no dia 21 de abril de 2022, por agentes de segurança que prestam serviço a empresa de cultivo e beneficiamento do dendê, denominada BBF, com sede no município de Acará”.
Naquele dia da prisão, ainda segundo as entidades, “muitas pessoas, entre indígenas, quilombolas, agricultores e ribeirinhos se encontraram configurando o legítimo e pacífico protesto inconformados diante dos abusos que sofrem, e impactos que atingem as populações na Amazônia brasileira, causados pelo uso excessivo de agrotóxicos no cultivo do dendê. Ao longo dos anos, a situação vem prejudicando a saúde dos integrantes das comunidades, adquirindo doenças da pele, problemas respiratórios, no sistema digestivo, além de incidir no próprio modo de vida - e contaminar os aquíferos da região”. De acordo com om documento, por causa da invasão de seus territórios, causando problemas sociais e ambientais, além de cavar buracos para impedir que eles tenham acesso a suas áreas, as comunidades se revoltaram e invadiram a sede da BBF, no Acará. O conflito na região se arrasta há mais de dez anos e já foi parar na Justiça.
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