Desigrejados: cresce o número de jovens que se dizem "sem religião", no Brasil
Teólogo e lideranças religiosas comentam fenômeno que tem sido cada vez mais perceptível nas igrejas
Dados do IBGE e de pesquisa Datafolha mostram que tem crescido o número de pessoas consideradas sem religião no Brasil. No Censo de 2010, o grupo correspondia a 8% da população. Já nas primeiras pesquisas Datafolha de 2022, esse quantitativo subiu para 14%. Entre os jovens de 16 a 24 anos, o número dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional.
Uma das pessoas que, atualmente, se identifica como sem religião é a estudante universitária Carolina Lima, de 26 anos. Ela conta que nasceu em um lar católico, mas nunca, de fato, se sentiu envolvida: “Meu primeiro contato com religião sempre foi uma coisa compulsória, porque eu nasci dentro de uma família que era assim e acaba que eu não vivenciei por conta própria”.
Carolina também diz que chegou a fazer catequese e primeira comunhão, mas não se sentiu motivada a continuar dentro da comunidade católica: “Eu entendo e respeito a crença do outro, mas não consigo me ver dentro desse modo de vida, cheio de convenções e cerimônias. Além daquela ideia de ter um manual das coisas que tu podes e não podes fazer, a questão do Deus punitivo. Eu não me vejo vivendo à base dessa cartilha”.
O bacharel e mestre em Teologia, Ulicélio Valente de Oliveira, explica que essas pessoas representam o que os estudos têm chamado de “desigrejados”: “São pessoas que cresceram dentro da igreja, mas, ao longo do tempo, por uma série de razões relacionadas a experiências negativas com a igreja, acabaram se afastando da institucionalização. Na visão deles, a instituição é falha e injusta e, muitas vezes, não representa o ser de Deus”.
Ulicélio destaca abusos de poder, experiências de julgamento e, algumas vezes, falta de respostas satisfatórias a questionamentos essenciais para os jovens como algumas das causas mais comuns do afastamento deles com relação à religião. Além disso, o teólogo explica que a cultura contemporânea, fundamentada no racionalismo do século XIX, tende a questionar o mundo do ponto de vista da razão, indo de encontro a aspectos essenciais da religiosidade, como a fé: “A ciência acaba provando algo de forma palpável e racional enquanto a religião diz que algo é questão de fé. Então, para muitos jovens, a ciência acaba sendo a sua religião”.
Não ter religião não é o mesmo que não ter fé
Entretanto, ainda de acordo com o IBGE, se autodeclarar como “sem religião” não está diretamente relacionado à descrença em Deus, o que torna o fenômeno ainda mais complexo. O último Censo revelou que, dos 15,3 milhões de brasileiros que se diziam sem religião, em 2010, apenas 4% (615 mil) se consideravam ateus, ou seja, não acreditavam na existência de Deus; e somente 0,8% se afirmavam agnósticos (124 mil), dizendo não ser possível afirmar com certeza se Deus existe ou não. Como não houve novo Censo em 2020, por causa da pandemia, esses números podem ser maiores hoje.
Para a designer Tháyra Jesus, de 26 anos, nascida em um lar cristão protestante e membro da mesma religião que os pais até hoje, ela diz que viu, ao longo do tempo, muitos jovens deixarem a igreja, mas ainda assim continuarem afirmando ter fé. “Muitas pessoas que já conheci não se filiaram a uma denominação por conta de traumas, pelo que eu vi. Acontece muito de se desviar daquele caminho em que a pessoa foi ensinada, mas acredito que não se pode esquecer do que se aprendeu”.
Tháyra também foi líder de jovens da Convenção Batista no Pará, na regional Metropolitana II, e avalia que as gerações têm mudado sua forma de se relacionar com o aspecto espiritual da vida ao longo do tempo: “A juventude mudou muito sua visão, com uma galera que queria viver sua liberdade, sua independência, sem querer dar conta a um Deus supremo ou a uma divindade, por assim dizer. Os pais que tiveram filhos em 2000 já eram uma galera não tão presa à religião e estão criando uma juventude que segue a mesma tendência”.
Para Tháyra, a permanência em uma religião depende de compreensão pessoal da própria fé. No caso dela, a convicção veio na adolescência: "Eu entendi aquilo que eu fui ensinada desde pequena. Na minha adolescência e juventude eu entendi que aquilo fazia sentido para minha vida e eu queria seguir e aprender mais sobre aquilo”.
Pandemia e a egolatria colaboram com o fenômeno
Para o servidor público e líder da juventude da Igreja Batista Betel, em Belém, Afonso Gouvêa Júnior, a pandemia teve impacto sobre o desigrejamento de muitos jovens: “No pico da pandemia, foi necessário o distanciamento social, por conta do contágio. Hoje, não mais. No entanto, algumas pessoas usaram isso para não ter mais compromisso a igreja”.
Afonso também destaca a perda generalizada de um sentido espiritual da vida: “Tenho percebido que, para alguns jovens, o que vale é o hoje, o agora, não se importando com o seu futuro, com a sua vida, no sentido espiritual”.
Para o bispo auxiliar da arquidiocese de Belém, Dom Antônio Ribeiro, o problema também reflete o que ele chama de “egolatria”: “O fenômeno daqueles que dizem ter fé, mas não tem religião, está permeado de egolatria. Em vez de Deus, vem o ‘eu’, a própria vontade, liberdade, prazeres. A pessoa rejeita a institucionalidade da religião, mas se auto-institucionaliza”.
Dom Antônio critica esse posicionamento e avalia que é importante buscar o engajamento da juventude: “Talvez seja preciso mudar a linguagem e as estruturas de acompanhamento, mas reconhecemos que estamos diante de um grande desafio cultural. Temos consciência de que a Igreja não está sozinha; a evangelização depende da família, da educação, da sociedade etc.”.
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