CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

CRM apura três denúncias de violência obstétrica contra médico afastado por prefeitura do Marajó

Vítimas relatam casos de perfurações de útero, procedimentos sem indicação e até atendimento médico feito sob efeito de bebida alcoólica

O Liberal

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) confirmou nesta quarta-feira (20) que está apurando denúncias de supostos casos de violência obstétrica, registrados por mulheres de São Sebastião da Boa Vista, município do Arquipélago do Marajó, no Pará, contra o médico Celso Luiz Cardoso Lobato, inscrito no CRM 7392-PA. De acordo com relatos das supostas vítimas, o médico, que atuava na rede municipal de saúde, teria sido responsável por  procedimentos que resultaram em perfurações de útero, além de outras intervenções, supostamente realizadas sem clara indicação. As denúncias também citam consultas médicas realizadas com o profissional estando, supostamente, sob efeito de bebida alcoólica.

Em nota enviada nesta sexta-feira, 21, à reportagem de O Liberal, o médico, por meio de sua defesa, diz que recebeu “com grande surpresa e indignação tais acusações, as quais nem mesmo foram devidamente apuradas antes de serem divulgadas” por veículos de comunicação.

Conforme apurou a reportagem, ao menos três processos de sindicância já foram abertos no CRM-PA, para apurar denúncias feitas contra o médico. No entanto, ao menos quatro mulheres do município marajoara entraram em contato com a redação integrada de O Liberal para relatar seus casos. A situação veio à tona depois que uma das mulheres, que sofreu violência obstétrica em março deste ano, tomou coragem para denunciar sua história ao CRM-PA. Em seguida, outras vítimas decidiram quebrar o silêncio. Nos relatos citados abaixo, a redação integrada de O Liberal toma o cuidado de preservar as identidades das denunciantes na reportagem - e, por isso, a matéria usa nomes fictícios para contar as histórias.

VEJA MAIS

image Nova lei deve reduzir casos de violência obstétrica no Pará; entenda
Estado registra 46 casos e 27 óbitos em 15 meses (2023 e 2024), aponta Segup

image Violência obstétrica: Alepa registra 15 denúncias referentes ao Hospital Materno Infantil de Marabá
A audiência pública foi conduzida pela vice-presidente da CDH, deputada Lívia Duarte (PSOL), proponente do evento

image Violência obstétrica: falta de lei é entrave na promoção da segurança e bem-estar das gestantes
Conforme o Ministério da Saúde, o Brasil não tem dados sobre violência obstétrica porque não existe uma legislação específica sobre o tema

Denúncias

'Francisca' foi quem tomou coragem para quebrar o silêncio, em favor da própria filha, 'Maria', de 21 anos de idade, que deu entrada no Hospital Municipal de São Sebastião da Boa Vista no dia 2 de março de 2024. Ela estava grávida de cinco semanas e apresentava corrimento vaginal amarronzado. Francisca conta que a filha passou por uma ultrassom e, em seguida, o médico Celso Lobato teria descartado que a jovem estivesse gestante: "Se tava grávida não tem mais nada", teria dito o médico.

Em seguida, Celso Lobato solicitou que algumas injeções fossem aplicadas na paciente, que recebeu alta no dia seguinte. Dois dias depois, em 5 de março, a jovem começou a ter sangramento contínuo. No dia 22 de março, ela retornou ao hospital municipal e foi atendida novamente por Celso, que indicou uma curetagem - procedimento médico para remover qualquer tipo de tecido do útero, comum em casos de aborto, para retirada do feto. Francisca contestou a indicação, uma vez que no dia 2 daquele mês o médico já tinha dito à família que não havia mais feto em 'Maria'. Além disso, 'Francisca' relata que já conhecia o caso de uma amiga que teve o útero perfurado pelo mesmo médico, e que não admitiria que ele fizesse qualquer procedimento invasivo na filha.

"Ele disse que não se lembrava de ter atendido minha filha no dia 2, que foi um sábado. Eu disse que era claro que ele não lembrava, porque aos fins de semana ele não sabe o que ele faz, já que ele só atende porre", acrescentou 'Francisca' à reportagem.

'Francisca' conta ainda que teria sido constrangida pelo médico e por um enfermeiro, identificado apenas como Alexandre, a autorizar o procedimento na filha, mas ela relata que não teria cedido - e exigiu um encaminhamento para a Santa Casa de Misericórdia, em Belém. Lá, segundo o relato da família, a jovem chegou, acompanhada da mãe, depois de dez horas de viagem de barco (já era 23 de março), sem direito a um acompanhamento profissional. "O doutor Celso proibiu a liberação de um enfermeiro para levar ela até Belém".

Casos são semelhantes

Conforme 'Francisca' relata, o caso de 'Maria' não teria sido o primeiro de violência obstétrica praticado pelo médico Celso Lobato. 'Antônia', de 27 anos, deu entrada no hospital municipal de São Sebastião da Boa Vista no dia 6 de dezembro de 2022, grávida de quatro semanas, com sangramento. Segundo diz a denunciante, o médico teria afirmado que ela estava com 'suspeita de aborto' e com a 'placenta ainda dentro dela', e que não havia mais feto. Celso também teria encaminhado 'Antônia' para a curetagem, procedimento que foi feito no dia 8 de dezembro. A vítima suspeita que houve erro na aplicação da anestesia, pois sentiu fortes dores durante o procedimento.

"No dia seguinte, dia 10 de dezembro, fui liberada para voltar para casa, mesmo informando que estava sentindo muita dor ainda, mas segundo o doutor Celso, as dores eram apenas 'gases'. Voltei para a minha residência e passei quatro dias muito mal, com dores insuportáveis e febre. No dia 14 de dezembro, voltei a ser internada no hospital municipal e comecei a tomar morfina, mas a dor não passava mesmo assim", relata.

No dia 16 de dezembro, 'Antônia' foi transferida para Santa Casa, em Belém, onde foi confirmado, através de laudo médico, que sofreu perfuração no útero. Diante da gravidade do quadro, que apresentava infecção, 'Antônia' precisou retirar o útero, os ovários e as trompas. "Fiquei cerca de quatro dias na UTI e tive alta no dia 20 de janeiro de 2023".

'Ingrid', de 32 anos, também diz que teria sido vítima de uma outra curetagem, feita supostamente por Celso Lobato sem clara indicação. No seu caso, 'Ingrid' estava grávida de três meses, mas sentia dores pélvicas. Ela deu entrada no mesmo hospital em que as demais, no dia 19 de abril deste ano, e passou pelo procedimento de 'raspagem do útero' no dia 21, recebendo alta já no dia seguinte.

'Ingrid' diz que passou a ter febre, dor, vômito e diarreia, além de dificuldade de urinar. Por três vezes voltou à unidade de saúde e precisou usar sonda para fazer xixi. Sem resolução para o problema, porque sempre era mandada de volta para casa, 'Ingrid' foi para a Santa Casa, em Belém, onde também teve o laudo de perfuração do útero e infecção de uma das trompas. "A trompa foi toda retirada", conta. Tenho dificuldade de trabalhar, de andar, sinto muitas dores fortes, fora as sequelas emocionais", desabafa a vítima.

Procurada pela reportagem, a prefeitura de São Sebastião de Boa Vista informou, em nota, que ainda "não recebeu qualquer notificação por parte do CRM e tão pouco representação por parte de usuários, denunciando casos de violência obstétrica". No entanto, a administração municipal confirmou que o médico citado no caso "já foi afastado do quadro". A prefeitura, no entanto, justifica o afastamento "por outras razões administrativas". O município diz ainda que "uma vez que a Gestão Municipal seja notificada de cada caso específico, tomará todas as providências necessárias para realizar as competentes apurações".

A reportagem também solicitou um posicionamento do Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) e da Polícia Civil do Pará (PCPA), já que pelo menos duas das vítimas confirmaram que fizeram denúncias também em delegacia no município marajoara. Até o momento, apenas o CRM-PA respondeu à reportagem.

Veja a íntegra da nota do CRM-PA:

"A Assessoria de Comunicação do Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará informa que este Regional tomou conhecimento sobre os fatos relatados, os quais já se encontram em apuração. O CRM-PA ressalta que, de acordo com o artigo 1º do Código de Processo Ético-Profissional, os procedimentos que tramitam nos Conselhos Regionais de Medicina são sigilosos".

A redação também solicitou nota à Santa Casa de Misericórdia do Pará sobre o caso, uma vez que todas as vítimas desta matéria citaram que foram atendidas no local, mas, até o momento, não houve retorno.

Confira a nota de posicionamento do médico na íntegra:

Em nota de esclarecimento divulgada nesta sexta-feira (21), o médico Celso Luiz Cardoso Lobato declarou que reportagens “erroneamente” o atribuem condutas criminosas. Lobato diz que recebeu “com grande surpresa e indignação tais acusações, as quais nem mesmo foram devidamente apuradas antes de serem divulgadas” por veículos de comunicação.

O médico afirma ainda que é “lamentável que em São Sebastião da Boa Vista exista um movimento de oposição política que, sem escrúpulos”, que, segundo ele ainda sustenta, “utiliza-se de meios sórdidos para tentar manchar a reputação do trabalho que vem sendo realizado”. Segundo afirma ainda o médico, as acusações serão “rigorosamente investigadas e os responsáveis responderão criminalmente por suas ações”.

Celso Luiz Cardoso Lobato diz ainda que “desconhece completamente as três denúncias mencionadas” em reportagens, e afirma que, “em mais de 30 anos de dedicação à profissão”, trouxe “milhares de crianças ao mundo e salvou inúmeras vidas no Marajó, sempre honrando o árduo caminho percorrido para se tornar um cirurgião”.

O médico diz ainda que “repudia veementemente as tentativas sujas e infundadas de imputar-lhe crimes que jamais cometeu” e que “continuará em busca da verdade e da justiça, confiante de que sua integridade será restabelecida ao final deste processo injusto e difamatório”.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Pará
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM PARÁ

MAIS LIDAS EM PARÁ