Câncer do pâncreas: grupo liderado por paraense lança estudo inédito sobre estrutura celular

Foi identificado que pacientes com emaranhados de linfócitos T e B formados dentro do órgão afetado controlam mais eficientemente o tumor. Resultados obtidos abrem precedentes para testes moleculares e outras ações estratégicas contra esse e outros tipos de câncer

Eduardo Rocha
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Um estudo científico inédito sobre estruturas de células de defesa contra o câncer de pâncreas ganha visibilidade internacional ao ser publicado na revista GUT, uma das principais publicações científicas do mundo, e por trás desse trabalho está um grupo de pesquisadores coordenados pelo biomédico e pesquisador paraense Tiago da Silva Medina, 40 anos, natural de Altamira (PA). Sobre esse feito e os desafios da pesquisa científica no Brasil, Tiago, que atua no A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, conversou com a Reportagem Integrada do Grupo Liberal.

O título do estudo, em tradução livre do inglês, corresponde a "Estruturas linfoides terciárias maduras são chave para a geração de respostas imunes antitumorais em pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático". Para o desenvolvimento do estudo, os pesquisadores dedicaram-se ininterruptamente por cerca de quatro anos, ou seja, equipe multidisciplinar de 25 pessoas altamente qualificadas.

 Defesa

É o próprio Tiago Medina quem descreve o estudo feito pelo grupo de pesquisadores. "No estudo, ao analisarmos cerca de 250 pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático, identificamos que 20% dos pacientes formam um agregado de células de defesa em regiões próximas ao tumor. Estes agregados são tecnicamente conhecidos como estruturas linfoides terciárias. Observamos que as principais células de defesa que compõem essas estruturas são os linfócitos T e B. Com a formação dessas estruturas, os linfócitos B produzem anticorpos contra o tumor, enquanto os linfócitos T atacam diretamente as células tumorais". 

"Com relevância clínica, identificamos que os pacientes que formam essas estruturas controlam mais eficientemente o tumor, sobrevivem por mais tempo e respondem mais adequadamente a tratamentos com imunoterapia. Esses resultados abrem precedentes para a produção de testes moleculares capazes de identificar os pacientes que formam as estruturas naturalmente, como critério para a seleção de pacientes que têm mais chances de responder à imunoterapia, e para o desenvolvimento de medicamentos que induzam a formação dessas estruturas nos 80% dos pacientes que não conseguem formá-las naturalmente, com o objetivo de torná-los candidatos à imunoterapia", ressalta Tiago Medina.

Os pesquisadores, atualmente, também investigam a relevância clínica da estrutura linfoide terciária em outros tipos de tumor, com o objetivo de ampliar o número de pacientes que poderão se beneficiar de abordagens terapêuticas futuras desenvolvidas no grupo de pesquisa. "É importante reiterar que não dispomos atualmente de testes moleculares e nem de medicamentos capazes de induzir essas estruturas, mas estamos trabalhando arduamente para este propósito. De todo modo, essas abordagens precisam de extensa validação, se conseguirmos chegar num protótipo", salienta Tiago.
   
O estudo acaba de ser publicado na GUT. Essa é uma das mais prestigiadas e renomadas revistas científicas do mundo. É uma revista internacional de cunho médico e que publica artigos científicos na fronteira do conhecimento sobre pesquisas médicas e/ou biomédicas nas áreas de gastrenterologia e hepatologia. A publicação da pesquisa nesse veículo de comunicação é um incentivo a mais ao grupo de pesquisadores. 

Estiveram envolvidos no estudo 25 profissionais de diversas áreas de atuação, englobando pesquisadores, médicos oncologistas e cirurgiões, especialistas em pesquisa, alunos de pós-graduação e pós-doutorandos. Embora majoritariamente desenvolvido no laboratório de imuno-oncologia translacional do A.C.Camargo Cancer Center, coordenado por Tiago Medina e encabeçado pela então pós-doutoranda do grupo, a doutora Gabriela Sarti Kinker, o estudo teve colaboração de hospitais e institutos de pesquisa nacionais e internacionais. 

No desenvolvimento da pesquisa, atuaram profissionais altamente capacitados do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), da Santa Casa de Misericórdia do Estado de São Paulo (SP), do Hospital de Amor (Barretos-SP), do Instituto Evandro Chagas (PA) e da Universidade Clermont Auvergne (Saint-Étienne, França). "No trabalho, contamos com a participação de outros dois paraenses, ambos belenenses. O dr. Felipe José Fernández Coimbra, líder do Centro de Referências em Tumores do Aparelho Digestivo Alto e médico cirurgião do A.C.Camargo Cancer Center, é ex-aluno do NPI e médico graduado pela UFPA. E o dr. Wallax Augusto Silva Ferreira, que é graduado em biologia pela UFPA, foi pós-doutorando sob a minha supervisão no A.C.Camargo Cancer Center e atualmente é funcionário do Instituto Evandro Chagas. O dr. Felipe José Coimbra e o dr. Wallax Augusto Ferreira são cossignatários do estudo", relata Medina. 

image Grupo de Imuno-oncologia Translacional do A.C.Camargo Cancer Center, liderado pelo dr. Tiago Medina (Foto: Arquivo Pessoal)

O estudo foi contemplado com alguns dos principais prêmios brasileiros de inovação. Foi um dos vencedores do prêmio Marcos Moraes, promovido pela Fundação do Câncer e pela Academia Nacional de Medicina, e vencedor do prêmio Veja Saúde & Oncoclínicas de Inovação Médica. O estudo também tem sido divulgado em jornais e revistas nacionais e internacionais. Reportagens sobre o estudo foram veiculadas em revistas e em jornais, inclusive, científicos, como os da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e de universidades brasileiras, portuguesas e francesas, além de outras mídias.

O grupo de pesquisa encabeçado por Tiago Medina trabalha em duas frentes: a primeira tem como objetivo a compreensão das funções antitumorais geradas pelas estruturas linfoides terciárias, cujos desdobramentos têm permitido aos pesquisadores trabalhar na geração de testes e medicamentos que possam melhorar o tratamento dos pacientes oncológicos. A segunda, por outro lado, busca identificar alvos terapêuticos capazes de potencializar a ação antitumoral de células CAR-T, que compreendem outra modalidade terapêutica na luta contra o câncer.  Tiago também relata que tem tido êxito na linha de pesquisas com células CAR-T. "Temos identificado moléculas que potencializam a capacidade antitumoral das células CAR-T. A identificação de alvos específicos pode trazer melhorias significativas ao tratamento dos pacientes oncológicos", relata o pesquisador.


Trajetória de Tiago Medina revela paixão pela ciência 

Nascido em Altamira, município do sudoeste do Pará, Tiago Medina é formado em Biomedicina pela Universidade Federal do Pará (campus de Belém), com
doutorado em Imunologia pela USP e pós-doutorado realizado no Princess Margaret Cancer Center, em Toronto, Canadá. Atualmente, atua como pesquisador do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.

"Eu iniciei a minha trajetória acadêmica, ainda como aluno, na Universidade Federal do Pará. Lá, cursei Biomedicina entre os anos de 2003 e 2007 e mestrado no programa de Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários entre os anos de 2007 e 2010. Os professores do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA foram fundamentais no início da minha formação acadêmica. Em fevereiro de 2010, me mudei para Ribeirão Preto (SP) para fazer o meu doutorado em Imunologia na Faculdade de Medicina da USP", conta Tiago. 

"Em seguida, tive o primeiro contato com estudos em oncologia durante os quase cinco anos de pós-doutorado no Princess Margaret Cancer Center, em Toronto. Não tive a oportunidade, infelizmente, de atuar como pesquisador na UFPA, porém colaboro frequentemente com pesquisadores de Belém, não somente aqueles da UFPA, mas também do Instituto Evandro Chagas e do Hospital Barros Barreto", acrescenta o pesquisador.

Assim que finalizou o seu pós-doutorado, em meados de 2018, Tiago retornou ao Brasil para atuar como pesquisador no A.C.Camargo Cancer Center. "Hoje, sou o líder do Grupo de Imuno-oncologia Translational do A.C.Camargo Cancer Center e desenvolvo projetos na área de imuno-oncologia, com o objetivo de identificar alvos terapêuticos e testes clínicos que possam impactar positivamente a vida dos pacientes oncológicos", repassa. 


"Interessei-me pelo câncer porque deverá ser a doença que mais mata no mundo", diz pesquisador

Ao ser perguntado por seu interesse pelo tema do câncer, Tiago Medina observa: "A incidência de câncer no mundo não para de crescer. O câncer já é uma das doenças de maior incidência no mundo, e as projeções dão conta de que será a doença que mais mata no mundo nos próximos anos. A oncologia é, portanto, uma área desafiadora e que requer profissionais altamente capacitados para  lidar com uma doença que ainda é pouco conhecida. Nesse cenário, a ciência tem tido papel fundamental na revelação de aspectos desconhecidos, o que tem norteado o desenvolvimento de abordagens terapêuticas e diagnósticas para o paciente oncológico".

image Pesquisador Tiago Medina: pesquisa científica pode avançar muito na Amazônia (Foto: Arquivo Pessoal)

"Além disso, durante o meu pós-doutorado num dos principais institutos oncológicos do mundo, pude acompanhar o desenvolvimento de projetos de pesquisa que desaguaram em aplicações clínicas que beneficiaram diretamente o paciente oncológico. Desde então, sabia que esta seria a minha área de atuação profissional”, acrescenta o pesquisador.


Combinação perfeita para a Amazônia: talento do pesquisador regional e financiamento adequado

Na avaliação de Tiago Medina, a pesquisa científica na área da saúde no Brasil tem avançado. "Nas últimas décadas, por meio da implementação de projetos de incentivo à pesquisa, diversos jovens doutores talentosos tiveram a oportunidade de realizar treinamentos como pós-doutores nas principais universidades e institutos de pesquisa espalhados pelo mundo. Parte desta mão de obra altamente especializada conseguiu retornar ao país, montar os seus próprios grupos de pesquisa e oxigenar a ciência nacional juntamente com pesquisadores já consolidados. Eu, a propósito, trilhei este caminho. Há iniciativas muito bonitas espalhadas pelo Brasil, colhendo frutos do sucesso e da dedicação diária de pesquisadores brasileiros comprometidos com o avanço local da pesquisa científica. Há, porém, aqui e acolá, escassez de financiamento para o desenvolvimento dos projetos de pesquisa no nosso país. É imprescindível que haja financiamento perene a pesquisas brasileiras, sem turbulências oriundas de instabilidades políticas", pontua.  
   
Sobre a pesquisa científica emn saúde na Amazônia, Tiago diz que há um cenário muito promissor para a pesquisa científica na região. "Muitos apontam a biodiversidade amazônica como mola propulsora para o desenvolvimento de estratégias inovadoras na área da saúde, como de fato é. Porém, eu ressalto um outro ponto: a qualidade dos pesquisadores amazônicos. Desde que haja financiamento adequado, unir a qualidade científica local com o que a região tem de melhor em termos de biodiversidade tem tudo para ser uma combinação perfeita". 

Tiago revela que sempre acompanha os trabalhos de alguns colegas pesquisadores paraenses, "todos muito dedicados e apaixonados pela ciência amazônica". Ressalta que existem potencialidades a serem exploradas in loco. "Por exemplo, o câncer gástrico possui alta incidência na população paraense, em virtude dos hábitos alimentares locais. O consumo frequente de bebidas quentes, como o tacacá, irrita a mucosa gástrica e está associado com o desenvolvimento da doença. Portanto, compreender as nuances celulares e moleculares do câncer gástrico na população paraense pode ser essencial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para esta população", assinala.

"Utilizando-se o mesmo raciocínio, explorar como a ancestralidade genética do povo paraense impacta o desenvolvimento de certas doenças na população local é um nicho fértil para a compreensão das particularidades relativas a esta parte da população brasileira. Numa época em que a medicina personalizada se coloca no centro do debate médico, o entendimento dos aspectos genéticos, moleculares e celulares que discernem a população paraense das demais pode abrir perspectivas para o manejo mais adequado desta fatia da população brasileira. Iniciativas que se debrucem sobre o estudo de doenças infecciosas endêmicas da região amazônica são sempre bem-vindas, sobretudo aquelas que tragam benefício direto à melhoria da qualidade de vida da população local. A boa notícia é que há pesquisadores dedicados a estes propósitos, tanto em Belém quanto em
outras cidades do estado", destaca.
      
Está provado que um país só se desenvolve se houver investimento maciço em pesquisa e tecnologia, como reforça Tiago Medina. Ele afirma que "o investimento em pesquisa, seja na Amazônia ou nas outras áreas do país, é e sempre foi muito tímido". 

"O estado de São Paulo, com o advento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), agência de fomento local, virou uma espécie de ilha de excelência no Brasil que catapulta a ciência local. Há outras iniciativas exitosas em outras regiões e que podem ser copiadas e ajustadas à realidade amazônica. A implementação de modelos de excelência na Amazônia certamente trará ganhos inumeráveis para o crescimento da ciência regional e para exploração da biodiversidade
local em sua plenitude", contextualiza Tiago. 

Freios

Há alguns pontos de atenção no Brasil no que tange à pesquisa científica em saúde no Brasil. Como pontua Tiago Medina, a burocracia local dificulta excessivamente o avanço dos projetos de pesquisa. "Para efeitos comparativos, um insumo/reagente adquirido para um projeto de pesquisa executado nos Estados Unidos ou no Canadá leva, em média, um único dia para chegar às mãos do pesquisador. Um tempo similar é visto em países europeus. No Brasil, eu diria que o tempo médio de espera é de três meses; em casos mais extremos, pode chegar a seis meses. As condições postas são, portanto, extremamente desiguais", exemplifica.
 
"Por tributação, costumamos pagar um preço bastante superior ao que se paga em países ricos na compra do mesmo insumo/reagente. Além disso, há, como dito, poucas oportunidades de financiamento disponíveis para o pesquisador brasileiro e num volume orçamentário bem inferior ao praticado pelos países ricos. Em resumo: temos menos recursos financeiros e ainda pagamos mais caro pelo mesmo insumo. Trocando em miúdos, burocracia e financiamento inadequado são, a rigor, freios da ciência nacional", complementa o pesquisador.  


"Tudo é ciência!", enfatiza Tiago, ao abordar os resultados de trabalhos científicos no dia a dia das pessoas

Para os cidadãos terem qualidade de vida em qualquer cidade no mundo, é estrutural se avançar em pesquisa científica, como diz Tiago Medina. "Tudo é ciência!. A ciência está presente desde a produção de cada peça do nosso celular ou do nosso computador aos tratamentos mais avançados em oncologia; da evolução esportiva aos algoritmos; da inteligência artificial ao manejo agrícola. Respiramos ciência no nosso dia a dia e não sabemos mais viver sem ela. Sempre amparada por dados, ciência refuta opinião desmedida, ciência refuta aquilo que convencionamos chamar recentemente de fake news. Sem ciência, a expectativa de vida mundial estaria em torno de 30-35 anos, não teríamos erradicado diversas doenças e provavelmente estaríamos, ainda hoje, trancafiados em casa por conta da pandemia de covid-19".

Alerta

O pesquisador Tiago Medina alerta a população para cuidar da saúde, como fator estratégico e decisivo na prevenção a doenças, entre as quais o câncer. "Graças à ciência, a expectativa de vida tem aumentado consideravelmente. Vivemos cada vez mais. O corpo humano, contudo, não é uma máquina perfeita. Ele está sujeito a erros e falhas, que se acentuam à medida que envelhecemos. Esses erros e falhas, agravados por diversos fatores, seja pelo estilo de vida, pelos hábitos alimentares, pelo sedentarismo, pela obesidade crescente na população mundial (e brasileira!), por infecções ao longo da vida, podem culminar no aparecimento de tumores na população", observa.
 
"A aprovação indiscriminada de agrotóxicos ou o acúmulo de mercúrio em peixes consumidos pela população, por exemplo, aceleram a taxa de erros no corpo humano. O resultado é o aparecimento de tumores numa população cada vez mais jovem. Dito isto, cultivar hábitos de vida saudáveis, evitar o estresse do dia a dia, não consumir alimentos ultraprocessados, fazer exercícios regularmente, são primordiais para uma vida longeva", finaliza o pesquisador Tiago Medina.

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