‘Café de açaí’: produzido em Cametá, no Pará, bebida fortalece economia e preserva meio ambiente
No Pará, detentor de 95% da produção de açaí no Brasil, um projeto vem sendo realizado no Campus XVIII da Universidade do Estado do Pará (Uepa), em Cametá, com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a elaboração da torrefação da semente de açaí para a produção de bebidas quentes
“Quem vai ao Pará, parou! Tomou açaí, ficou!”, já dizia o célebre músico Pinduca em uma canção de carimbó que homenageia o Estado e a fruta nativa da floresta amazônica. O consumo da polpa do açaí é quase indispensável durante as refeições das populações que vivem na região Norte do Brasil, em destaque, dos paraenses, que possuem uma relação de afeto com o fruto, transcendendo a necessidade fisiológica da alimentação e incorporando-se à cultura local. No Pará, onde atualmente está concentrado 95% da produção de açaí no País, um projeto vem sendo realizado no Campus XVIII da Universidade do Estado do Pará (Uepa), em Cametá, na região do Baixo Tocantins, com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a elaboração da torrefação da semente de açaí para a produção de bebidas quentes, entre elas, do dito “café de açaí”.
O projeto foi contemplado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI), nível de graduação e ensino médio. Os auxílios de incentivo são provenientes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), oportunizados pela UEPA aos pesquisadores através de edital interno. A iniciativa é desenvolvida pelo grupo de pesquisa Tecnologia e Inovação para a Indústria de Alimentos (Tecinova), liderado pelo professor Diego Aires, coordenador do curso de tecnologia em alimentos da Uepa. Ele explica que o produto já existe no mercado e seu consumo tem crescido nos últimos anos. “O projeto visa estabelecer a identidade e a qualidade desse produto, avaliando seus benefícios, sua aceitação sensorial e potencial de mercado”, afirmou.
“Aliado a isso, também estabelece parâmetros de manejo da semente para destinação mais segura, do ponto de vista sanitário, do batedor, para seu uso como alimento, identificando quais os pontos de maior atenção e controle para garantir a segurança e a saúde do consumidor. Além de ser mais uma alternativa de uso para diminuir o descarte desse produto no meio ambiente e ainda agregar valor a ele”, completou. Os caroços de açaí, resultado da extração da polpa que muitos paraenses consomem de forma cultural, geralmente costumam virar lixo, tornando-se um problema para a limpeza urbana. Em áreas rurais, acaba indo parar em lixões e nas águas. Estudos como os que estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores da Uepa, verificam como aproveitar o fruto na totalidade, incluindo o caroço que seria um mero resíduo orgânico.
“A semente do açaí chega a ser 85% da massa total do fruto, e seu descarte indiscriminado sempre foi um problema crônico ao meio ambiente, que salta aos olhos dos paraenses. Portanto, qualquer que seja o esforço, em propor tecnologias que utilizem esse material e ainda possam gerar renda e oportunidades, com certeza tem grande mérito, e o ambiente agradece”, ressalta Diego Aires. Os caroços de açaí doados para a pesquisa foram cedidos pela batedora Maria Sanches, 55 anos, moradora de Cametá, que trabalha há 40 anos com vendas da polpa do fruto. Para ela, o estudo é interessante por desenvolver uma função para os caroços que sempre são descartados diariamente para o lixo. “O açaí é a paixão dos paraenses, quem não gosta de açaí não é mesmo? Achei interessante esse estudo que reaproveita os caroços, todos os dias despachamos vários sacos cheio deles, que agora podem ter uma utilidade”, avaliou.
Como é feita a produção e a análise do ‘café de açaí’?
Também fazem parte do estudo, as docentes do curso de tecnologia em alimentos Giselle melo e Wanessa Oliveira, além dos discentes: Gil Prestes, 32 anos, que está no 7º semestre da graduação; Sandy Tavares, 21 anos, aluna do 5º semestre; Rodrigo Viana, 22 anos, estudante do 7º semestre; e André Gaia, 18 anos, aluno do ensino médio. Para que seja realizada a produção do café de açaí, tudo começa na primeira etapa, quando são coletados os caroços descartados do fruto, como os cedidos pela batedora Maria Sanches. Os estudantes contam com o apoio da universidade para transportar os sacos que contém as sementes até uma casa de torra. O local foi compartilhado pelo universitário Gil Prestes, que possui uma empresa de café artesanal, a partir de uma parceria com a Uepa, para a execução do processo.
Após serem coletados, os caroços que ainda estão úmidos, são expostos à luz do sol, durante oito a dez dias, para ficarem secos. Depois de sacos, passam por uma seleção e são pré-aquecidos, o que facilita na etapa de tiraram das fibras, feita com auxílio de uma peneira. Inicialmente, os pesquisadores começaram a fazer os experimentos com 3,600kg de caroços de açaí, no entanto, as sementes perdem peso com o processo de torrefação. “A partir daí é o mesmo processo realizado com o café, só muda o produto”, diz Gil Prestes. Na próxima etapa, as sementes são colocadas em uma caldeira, para que seja feita a torragem, o recipiente precisa estar aquecido entre 200°C a 250°C. O pesquisador explica que o tempo de aquecimento do café é mais rápido, com duração de 30 a 50 minutos, enquanto o açaí demora entre 50 a 80 minutos para chegar ao ponto ideal.
Depois de torrados, os caroços passam pela fase do resfriamento, quando são colocados em uma bandeja de ferro galvanizado. O processo dura entre sete a 10 minutos, sendo realizado com o auxílio de um rodo de madeira para que as sementes sejam espalhadas no recipiente. Depois de resfriadas, as sementes precisam ser moídas até que virem pó. Seguindo o mesmo modo de preparo do café tradicional, basta colocar o pó de caroço do açaí no filtro umedecido e regá-lo apenas a quantidade suficiente de água quente para umedecê-lo. Após uma demonstração de preparo do café de açaí, Lucas Cardoso, 22 anos, oriundo do município de Cametá, foi convidado para falar sobre o que achou do sabor. “Ficou delicioso! E ainda dá um ‘travoso’ na língua. Eu adoro beber café e também gosto de tomar açaí, então gostei muito desse café de açaí”, elogiou o jovem. A pesquisadora Sandy Tavares certifica que as principais características do café de açaí, são: a sua coloração de vinho, finura (semelhante a um chá), possui menos exigência de açúcar ou adoçantes para ser adoçado, além dar uma explosão sensorial na língua.
O pesquisador Rodrigo Viana explica que a última etapa do estudo é feita no laboratório da universidade, onde são realizadas as análises microbiológicas e físico químicas para saber quais são as quantidades de lipídios, proteínas e carboidratos que o produto possui. “A Uepa está nos ajudando bastante nesse processo, cedendo os laboratórios de microbiologia, assim como os laboratórios de alimentos para que sejam feitas essas análises. Depois dessas observações, faremos a análise sensorial para saber a aceitabilidade do produto com as pessoas que farão o teste junto com a gente. E depois nós podemos patentear esse produto e dar nome a ele para poder colocá-lo no mercado”, informou. A análise de aceitabilidade está prevista para ser realizada ainda neste semestre do ano.
O coordenador do projeto, Diego Aires, conta que há pesquisas semelhantes onde foram avaliados compostos fenólicos, que são antioxidantes, na semente torrada e outros relatos do processo de torrefação. No entanto, ele diferencia o trabalho realizado no campus de Cametá por “pensar na parametrização e controle de processo, estabelecer a identidade e qualidade do produto, além de compreender o papel dos entes envolvidos na cadeia produtiva, visando a segurança e qualidade deste produto, para o consumidor, seja o grande diferencial deste projeto, já que ela ocorre na região de maior produção desse fruto”.
A importância da universidade e dos pesquisadores locais no projeto
Para o coordenador Diego Aires, é notória e inquestionável a importância de uma universidade interiorizada, como é o caso da UEPA. Pois a instituição de ensino superior oferece a oportunidade de formação superior para os jovens que não têm condições de custear seus estudos na capital. “Os estudantes desenvolvem pesquisas que estão diretamente ligadas à sua realidade local, e que muitas vezes vão além do aprendizado da sala de aula, levando esses jovens a pensar ‘fora da caixa’, em soluções locais para ajudar a preservar o meio ambiente, gerar renda e mão de obra qualificada na sua própria cidade. O que está diretamente ligado com a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. E o professor/pesquisador é peça chave nesse processo dentro da universidade”, afirmou.
Diego Aires afirma que as universidades devem apoiar futuros empreendedores. Ele conta que há um movimento na Uepa no sentido de fortalecer iniciativas empreendedoras, em várias áreas do conhecimento. O coordenador contou que nos últimos anos, houve um crescimento nas implantações de empresas juniores, assim como incubadoras de empresas, tanto em Belém quanto no interior do Pará. E muitas dessas, são iniciativas que partem dos próprios universitários. “O campus de Cametá, tem ações de destaque nesse quesito e conta com uma equipe muito aguerrida tanto de alunos, professores e servidores, que canalizam essa vontade de fazer com que as mudanças aconteçam. Então, todos do campus estão de parabéns por isso”, avaliou.
O coordenador do curso de tecnologia em alimentos contou ainda que a universidade tem buscado parcerias com outros órgãos do estado no sentido de conseguir aporte financeiro para essas iniciativas e tem conseguido captar recursos para tal. “Eu acho isso de suma importância. Então a universidade precisa fazer esse mapeamento dos projetos na área de empreendedorismo que já estão ocorrendo e dar apoio, por exemplo, fomentando a incubação desses projetos. Esse nosso projeto é um exemplo que tem grande potencial para ser incubado na universidade e ter esse suporte que leve o aluno a ter espírito empreendedor para que ele saia com uma formação diferenciada e até mesmo com potencial de ter seu próprio negócio após formado”, assegurou.
“Temos a intenção de popularizar a tecnologia, para isso precisamos aprofundar o conhecimento do produto, então iremos submetê-lo a análises. Nós conseguimos, com a estrutura que temos, obter muita informação, por exemplo, sobre atividade antioxidante, estudo da degradação térmica da semente, avaliação sensorial e de aceitação, entre outros. Investigação sobre a química fina, por exemplo, precisam de parceiras, pois necessitam de equipamentos mais robustos, mas também não necessariamente invalida o conhecimento que já temos. Também é necessário pensar no sentido de incubação da ideia, que dê suporte para que vire um negócio empreendedor”, adianta o pesquisador.
Sobre a possível patente do projeto e a comercialização do produto
O projeto tem potencial de patente, segundo Diego Aires, uma vez, que o processo de elaboração do produto tenha particularidades que atestem a qualidade do produto e que esses parâmetros sejam mensuráveis e passíveis de serem reproduzidos. Portanto, ao avaliar essas questões, serão identificados quais aspectos podem ser direcionados os pedidos de registo de patentes, afirma o pesquisador. Sobre a questão da comercialização do produto, ele conta que já é possível encontrá-los à venda, tanto na capital, quanto no interior paraense, inclusive em redes de supermercados, e ressalta: “Eu não diria que isso é, particularmente, um problema, há estudos, que não são necessariamente sobre a produção da bebida, mas sobre a semente, que relatam benefícios de compostos presentes no extrato aquoso, obtido a frio, da semente que apresenta ação antioxidante, por exemplo. A própria composição da semente do açaí é basicamente carboidratos e fibras mais complexas que não trazem grandes riscos à saúde, pelo menos eu ainda não identifiquei relatos científicos nesse sentido”.
“Mas o fato de vermos um crescimento na exploração desse subproduto como uma bebida quente, ou um chá, ou ‘café de açaí’ como é chamado, por si só, justifica iniciativas de estudo científico como é o caso desse nosso projeto, a fim de estabelecer os parâmetros de qualidade e segurança para o consumidor, pois é um produto que sofre uma transformação física, no processo de torrefação, então nada mais adequado que conhecer as nuances bioquímicas que ocorrem nesse processo. Esse é o papel da pesquisa científica, e a universidade, com certeza é o ambiente propício para fornecer esclarecimentos e conhecimento em benefício da sociedade”, completou.
Projeto pode contribuir para a economia do Pará e beneficiar o município de Cametá
A produção de açaí tem grande contribuição na economia do Pará. A maior parte do açaí produzido é consumido no próprio estado, principalmente na Região Metropolitana de Belém. Todo esse mecanismo econômico ocorre paralelamente ao lançamento descontrolado de resíduos (semente) no ambiente. Agregar valor econômico nesse resíduo pode ser estratégico para a economia, ainda mais, se tratando do açaí, que é um produto sazonal, ou seja, em períodos fora da safra, o extrativista precisa de outra atividade para completar a renda, e com certeza, uma vez dominada a tecnologia, pode ter grande potencial para incrementar a economia, seja qual for o produto, prevê Diego Aires. Por isso as universidades e instituições de pesquisa devem ser valorizadas pois contribuem, em grande parte, para converter conhecimento em benefício para a sociedade, assegura o coordenador.
A comunidade de Cametá pode ser beneficiada com qualquer iniciativa que vise popularizar ou transferir tecnologia que possa gerar oportunidade, emprego e renda, beneficia diretamente a comunidade, garante o pesquisador. “No caso específico do café de açaí, por exemplo, uma vez que o batedor compreende que esse subproduto tem valor econômico, ele deixa de ver como resíduo e passa a beneficiar para incrementar o negócio. Isso pode ser oportunidade para gerar mais empregos, mais renda o que impacta diretamente a comunidade”, prevê.
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