Aterro sanitário: moradores do Acará e Bujaru não querem enfrentar os mesmos problemas de Marituba
Eles temem que a implantação desse empreendimento na região cause danos sociais e ambientais, a exemplo do que a população vem denunciando após a instalação do Aterro Sanitário de Marituba
A indefinição sobre a destinação dos resíduos sólidos produzidos na região metropolitana de Belém, sobretudo na capital, está deixando apreensivas as comunidades tradicionais que residem nos municípios do Acará e Bujaru, na região paraense conhecida como Baixo Acará. Os moradores dizem que existe a possibilidade de que um aterro sanitário seja implantado naquela região, o que eles não aceitam.
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As prefeituras do Acará e Bujaru já deixaram claro que não querem esse empreendimento em seus respectivos municípios. Segundo o Movimento Fora Lixão de Bujaru e Acará, a área de impacto do aterro sanitário que querem instalar abrange uma população de aproximadamente 8 mil habitantes diretamente, "com potencial de contaminar a água da capital do estado, pois está a apenas 13 km da Estação de Abastecimento de Belém e de uma dezena de igarapés, nascentes protegidas, terras quilombolas, com uma população extrativista em sua maioria".
No final da tarde de 31 de agosto, último dia do prazo judicial estabelecido para recebimento de resíduos sólidos no aterro sanitário de Marituba, a Justiça do Pará acatou duas petições e a Guamá Tratamento de Resíduos será obrigada a manter os serviços por mais três meses. E, dessa forma, outras áreas estão sendo estudadas para receber os resíduos sólidos produzidos na região metropolitana de Belém.
Uma dessas áreas fica no km 17, em Bujaru, e a outra, no km 32, no Acará. Ainda segundo os moradores, duas empresas tentam conseguir licenciamento para construir o aterro. Uma tem área no Acará e a outra, em Bujaru. Na segunda-feira (18), e para deixar claro que não querem um “lixão” naquela região, onde há muitas nascentes de igarapés, a população fechou, por quase sete horas, um trecho da Alça Viária.
O protesto ocorreu no km 19, perto da Associação Menino Jesus, uma tradicional comunidade quilombola. Os moradores temem que, com a instalação de um aterro, haja uma série de danos ambientais e sociais, a exemplo do que os moradores de Marituba denunciam, há anos, após a implantação do Aterro Sanitário em Marituba.
Mesmo distante daquele empreendimento, os moradores do Acará e Moju dizem que sentem o odor do aterro de Marituba. Diz o presidente da Associação Menino Jesus, Fábio Nogueira, 38 anos: “O medo da gente é não poder mais respirar esse ar puro. E não tomar mais a nossa água, que, hoje, é boa e sem contaminação”, disse. Ele afirmou que as comunidades vivem da produção do açaí e da pesca. “A gente vive de forma saudável. O nosso medo é que isso acabe. Que meu filho não possa mais tomar a água do igarapé e nem respirar o ar puro”, contou.
“A gente vê o povo de Marituba sofrendo hoje em dia com problema de saúde, respiratório. Só da gente vê o sofrimento deles a consegue pensar o que pode acontecer com a gente. Não queremos passar pelo o que eles estão passando hoje”, afirmou Fábio. Ele pede às autoridades que “ouçam as comunidades”.
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"Não deixem vir pra cá esse lixo, tá?", diz quilombola de 100 anos de idade
Naquela comunidade quilombola vive a senhora Maria Gomes, que tem 100 anos e, apesar da idade, está muito lúcida. Mãe de oito filhos, ela não quer a implantação do aterro. Cega há cinco anos, por causa de um problema de saúde, dona Maria disse que, como não enxerga, não tem “como correr” para se proteger dos possíveis problemas que irão surgir caso o aterro seja implantação. “Não deixem vir pra cá esse lixo, tá? Por favor”, disse. “Vai acabar tudo”, afirmou.
Adelson Gomes, o Tiririca, 47, mora com a família naquela comunidade há 25. Ele trabalha com açaí, planta banana e também produz carvão. “Nossa vida é tranquila, graças a Deus. No meio da natureza”, disse. “Se colocarem esse aterro aqui nossa vida praticamente vai ser um transtorno. Um lixão desses não traz nada de melhoria pra gente. Só vai trazer doença, poluição e tudo o mais”, afirmou. “Mesmo longe de Marituba, a gente sente aquele fedor que vem de lá. A distância que está (de lá) pra cá. Agora imagine instalar um lixão aqui”, disse.
Trabalhando na roça, Raimunda Lima, 31 anos, tem familiares naquela comunidade quilombola, mas reside em Bujaru, em uma área que fica perto de onde existe a possibilidade de ser instalado o aterro. “Se isso ocorrer, vai acabar com a nossa natureza, com os nossos igarapés, os peixes, e com o lazer dos nossos filhos”, afirmou ela, que tem um filho especial de 19 anos. Ela também falou que sente o odor oriundo do aterro de Marituba, distante mais de 10 km de onde Raimunda reside. “Essa semana o odor tava horrível. Era 4 da tarde. Tive que fechar toda a casa”, afirmou. “Se for implantado aqui, a gente não vai sobreviver”, contou. “Vai acabar com a roça, de onde a gente tira pra sobreviver: a farinha, milho, arroz, feijão”, concluiu.
"Se tiver, acaba com nós aqui", diz morador que vive do plantio de açaí
Nascido e criado nessa região, Benedito Farias Coelho, o “Nocico”, 63 anos, sobrevive do plantio de açaí e da farinha. Mora na comunidade Nossa Senhora das Graças, sítio São Benedito 1, em Castanhalzinho, no Acará. “Isso é um grande impacto pra nós. Perigoso”, disse ele, sobre a possibilidade de instalação do aterro. “Se tiver, acaba com nós aqui. Vai acabar com o meio ambiente tudinho: o ar, a água, a nascente dos igarapés. É tudo. A gente vive da terra”, contou. “Afeta o meio ambiente e nós, população. Se Deus o livre isso vier a acontecer com a gente, vamos viver de que agora?”, perguntou.
Às margens do rio Guamá, no município de Bujaru, fica a Escola Municipal de Ensino Fundamental São Braz, que atende 22 crianças de 2 a 11 anos. Elas moram em comunidades ribeirinhas e vão para o colégio em barco. A escola fica na localidade de Taperaçu, distante 3 km de onde se pretende implantar o aterro.
“Temos igarapés em nossa comunidade. Temos o peixe, que é consumido pela comunidade. Temos o acaí, cupuaçu. A gente acredita que tudo isso será afetado por esse aterro sanitário, além de causar problemas respiratórios nas crianças e nos idosos”, disse a professora Natalina Carvalho, 40 anos. “A gente não aceita esse tratamento de lixo praticamente dentro da nossa comunidade, onde tem mais de 100 casas habitadas”, contou.
Ana Lúcia Reis das Mercês, 56, também mora nessa comunidade. “Nós vivemos do açaí. Quando acaba o açaí vamos para a castanha, vamos para o cupuaçu. É uma grande riqueza. Tem lagos de peixe. Então vai afetar tudo”, contou.
Aterro vai prejudicar agricultura familiar, diz moradora do Acará
Filha e neta de agricultores, Ellem Fernanda, 27 anos, conversou com a reportagem no KM 32 da Alça Viária, rodovia Trans Acará, comunidade São Pedro, distante 1 km de onde se pretende instalar o aterro. “Se vier pra cá vai afetar principalmente a agricultura familiar. Acará é o maior produtor de mandioca do Brasil. Cerca de 20 mil famílias que dependem da agricultura familiar vão ser afetadas. Fora os nossos rios e o nosso ar”, afirmou.
“Nosso temor é que, assim como ocorreu em Marituba, que as famílias aqui vendam seus terrenos para ir para outro lugar”, disse. “E vamos perder o nosso direito de viver em um lugar tranquilo, onde a gente consegue tomar banho de igarapé em uma água limpa e pura. Aqui tem muito igarapé e criação de galinha, de porcos, de peixes e muitos balneários”, contou.
Veja o posicionamento dos órgãos competentes:
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), por meio das Promotorias de Justiça do Acará e de Bujaru, informou que as Promotorias de Justiça dos dois municípios comunicam que atuam em fase de instrução de Inquérito Civil, requisitando informações junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) sobre a possível instalação de aterros sanitários no que tange aos km 19 e km 33 da Alça Viária, região em que habitam comunidades tradicionais como quilombolas.
Entretanto, afirmou, ainda há pouca informação repassada pela Semas ao MPPA, bem como ainda não foi apresentado estudo de impacto ambiental. Desse modo, as Promotorias de Justiça aguardam o envio das informações requisitadas à Secretaria Estadual de Meio Ambiente quanto aos estudos técnicos para tomar as providências cabíveis de acordo com sua atribuição.
O Ibama informou que acompanha o caso. O MPF diz que tem inquérito civil para apuração da questão. O inquérito está em fase inicial. Está sendo avaliada se a competência para atuação na questão ambiental cabe ao MPF ou se tem que ser repassada ao MP do Estado. Como a demanda das comunidades afetadas trata também da ausência de consulta prévia, livre e informada a elas, na semana passada informações do inquérito foram compartilhadas com gabinetes do MPF que atuam na defesa de direitos de comunidades tradicionais.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informa que analisa o pedido sobre a instalação do aterro sanitário no município do Acará seguindo todos os procedimentos legais com transparência e diálogo com a comunidade.
A Prefeitura Municipal de Acará destaca que o licenciamento ambiental de aterros sanitários é de responsabilidade exclusiva da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Pará. “Até o momento, não temos informações precisas sobre o andamento desse processo, pois o município não foi consultado ou informado sobre a possível instalação do aterro sanitário em nossa região”, diz.
O prefeito do Acará, Pedro Moraes, considera que essa iniciativa irá causar sérios transtornos à população em geral e local, pois afetará diretamente os agricultores, as nascentes, igarapés e o forte ecoturismo na região, impactando o meio ambiente local, e, portanto, não apoia.
E, em agosto de 2022 a Câmara Municipal de Bujaru aprovou um projeto de lei, sancionado pelo prefeito Miguel Junior, proibindo o município de receber resíduos sólidos provenientes de outras cidades. O secretário de Meio Ambiente de Bujaru, Diogo Almeida, diz que o local onde se pretende instalar o aterro no município fica às margens de igarapés e de nascentes. “Somos contra a instalação naquele local”, afirmou.
A reportagem de O Liberal demandou e aguarda retorno das prefeituras de Belém, Ananindeua e Marituba. A Prefeitura de Belém, por meio da Procuradoria-Geral do Município, se manifestou e disse que "reitera a decisão do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM-PA), divulgada em 1° de setembro, negando o pedido de suspensão da Concorrência Pública 02/2023/SESAN, esclarecendo que não há irregularidades no edital do processo licitatório para a instalação da nova Central de Tratamento dos Resíduos Sólidos (CTR) de Belém".
"A Prefeitura destaca que, além da manifestação do TCM/PA, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) já se manifestou anteriormente pelo prosseguimento da licitação, assim como outras ações também já foram rejeitadas".
"Por essa razão, após este relatório técnico do TCM, a Procuradoria- Geral do Município de Belém protocolou pedido junto ao TJPA para a imediata retomada da licitação, que contemplará a gestão integrada dos resíduos sólidos, desde a coleta até a instalação da nova Central de Tratamento de Resíduos. A expectativa é que em breve a questão seja apreciada pelo TJ-PA e a licitação avance já para a etapa de avaliação das propostas técnicas", diz o comunicado da Prefeitura de Belém enviado à reportagem de O Liberal.
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