Ambientalista Zeneida Lima completa 90 anos disseminando saberes tradicionais na Amazônia
Fundadora da Instituição Caruanas do Marajó, localizada em Soure, Zeneida dedica a vida à educação de crianças e à conservação ambiental no arquipélago
A pajé, ambientalista e escritora Zeneida Lima celebra 90 anos neste domingo (21), carregando um legado na defesa do meio ambiente e na preservação das culturas tradicionais da Amazônia. Fundadora da Instituição Caruanas do Marajó, localizada em Soure, na ilha do Marajó, Zeneida dedica a vida à educação de crianças e à conservação ambiental, unindo saberes ancestrais e práticas sustentáveis. Caminhando rumo ao centenário, ela apresenta vitalidade e força para lutar pelo que defende.
Guiada pelos Caruanas, que são energias viventes das águas, Zeneida tem dom da cura, ajudando pessoas a solucionar males físicos e espirituais. Mas foi ainda criança que a pajelança surgiu na vida dela. Após desaparecer na ilha do Marajó por mais de 10 dias, quando foi raptada por seres encantados, como ela relata, ela se tornou pajé - após passar por um processo de iniciação. Hoje, Zeneida é considerada a última pajé cabocla do Marajó - sendo herdeira de uma cultura ancestral e símbolo de resistência.
Mestra dos saberes tradicionais e ancestrais, a pajé é conhecida mundo afora. O trabalho dela com a educação na ilha também a engrandece ainda mais. Com uma escola no meio da ilha, nos arredores da própria casa, em Soure, Zeneida muda a vida de mais de 150 crianças. Para ela, chegar aos 90 anos é sinônimo de muita felicidade, principalmente devido ao projeto que realiza no arquipélago - que, segundo ela, é a concretização de um sonho, o qual começou a ser construído quando era jovem.
No local, os estudantes acolhidos por dona Zeneida têm todo um ensino voltado à educação ambiental, como ela descreve. “Há 23 anos eu tenho o instituto. Junto com as crianças, plantamos, mostramos para elas como é que se planta. Sempre digo a elas ‘assim como a planta vai crescendo e ficando bonita, assim vocês têm de ficar e estudar para que sejam gente na vida’”, relata Zeneida, ao lembrar que as crianças também contam com aulas de dança, música, entre outras atividades.
E a comemoração de mais um aniversário se entrelaça com a felicidade em ver a continuidade de um projeto de uma vida toda, que é o instituto. “Eu cheguei nessa idade muito feliz, porque o instituto já tem 23 anos e formei muitas crianças, inclusive, algumas que já trabalham. Para mim, é uma alegria. Eu procurei dar a eles uma visão que fazemos parte da natureza e sem a natureza nós não somos nada. Eu me sinto feliz por chegar nessa idade e ver o meu sonho realizado”, conta dona Zeneida.
Vocação
Zeneida também chega aos 90 anos perpetuando a vocação dela como pajé e fazendo o bem na vida de muitas pessoas. Ela também carrega o legado de ser uma das últimas pessoas vivas da etnia indígena dos Sacacas. “Fui assentada pajé aos 11 anos e aprendi a usar as ervas com moderação. Todo chá tem de ser dosado. Para não curar uma coisa e fazer mal a outra. E, com isso, eu já curei várias pessoas”, relata ela, que além de atuar em todas as outras frentes, também é escritora.
Mas o reconhecimento da também ambientalista perpassa o território da ilha do Marajó. Em 2021, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), em reconhecimento à contribuição para a cultura e o meio ambiente. “Eu me sinto feliz, porque aquilo que eu não tive quando era criança, posso dar a essas crianças. Me sinto feliz por chegar nessa idade e ver o meu sonho realizado. Tudo isso me fez ficar uma mulher segura e forte”, diz Zeneida.
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Admiração
Quem tem a dádiva de conviver com Zeneida sabe descrever perfeitamente a admiração por ela. Essa é a definição dada pela filha mais velha de Zeneida, a professora aposentada Eliana Lima, de 70 anos. “Eu vejo que é um privilégio tê-la como mãe, pajé e como um ser humano extraordinário, porque ela nos ensinou tudo sobre a natureza. Ela nos criou nesse sentido, de amar a natureza. Eu acho que ela está preocupada em deixar esse mundo para saber como ele vai ficar, porque os homens estão destruindo”, conta, emocionada.
Para além de tudo isso, os filhos aprenderam com a mãe a serem caridosos e acolhedores com o próximo, o que na visão de Eliana é uma das grandes heranças passadas por dona Zeneida: “Outro aprendizado marcante que ela nos deixou é ajudar o próximo. Como ela veio com esse dom de pajé para ajudar e curar as pessoas, ela colocou dentro da gente essa preocupação, esse sentimento de ajuda. Todos os dias, a gente aprende algo diferente com ela”, reflete Eliana, que também está à frente da Instituição Caruanas do Marajó.
Zeneida é uma referência como mãe e pajé, além de ser um exemplo como ser humano, como define outro filho dela, o aposentado Rubens Amorim, de 65 anos. “Eu sou um privilegiado. Primeiro por ser filho da Dona Zeneida, porque, até hoje, na hora das nossas refeições, ela está sempre falando de alguma coisa e nós absorvemos aquele aprendizado. É incrível, porque ela tem exatamente a resposta para todos os nossos problemas e mostrando caminhos”, evidencia Rubens.
Rubens também atua no instituto dele e define esse envolvimento como algo que encoraja todos os dias. “Estou vivendo esse sonho junto com dona Zeneida, porque se tornou uma realidade. Nos vemos envolvidos com essas crianças de uma tal maneira que a gente vivencia e aprende todos os dias. Cuidar dessas crianças tem um ganho muito maior para nós do que para eles. Pela Escola Zeneida Lima já passaram 4.200 crianças”, analisa ele, ao contar que segue perpetuando o legado da mãe.
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