Amazônia: Museu Goeldi já apresentou mais de 789 espécies de fauna, flora e fungos neste século

A descoberta mais recente foi de uma nova espécie de Louva-a-deus, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, no Mato Grosso

O Liberal
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Mais de 789 novas espécies da fauna, flora e fungos foram apresentados pelo Museu Goeldi neste século 21 na Amazônia, como informou a instituição à reportagem de O Liberal nesta quinta-feira (3). O número é referente ao processo de descrição, “que progride de acordo com a ocorrência de expedições científicas, disponibilidade de especialistas nos grupos biológicos, o trabalho de análise das amostras depositadas em Coleções Científicas e o acesso aos laboratórios com novas ferramentas de análise”, detalhou o Museu.

A descoberta mais recente foi de uma nova espécie de Louva-a-deus, também conhecidos como louva-deus ou cavalinho-de-deus e ainda ponha-mesa ou põe-mesa. Ocorreu durante expedição de dois meses na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, na Amazônia Mato-grossense, por parte dos pesquisadores Leo Lanna e Lvcas Fiat, do Projeto Mantis. Batizada de Microphotina cristalino, a espécie possui asas translúcidas e iridescentes. O nome da espécie faz homenagem à reserva e ao rio que corta a região, e ela pode já estar ameaçada pelo desmatamento e por projetos de lei que pretendem retirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. A pesquisa foi parte do Mestrado em Zoologia, realizado por Leo Lanna no Museu Goeldi/Universidade Federal do Pará (UFPA).

Com o apoio da Fundação Ecológica Cristalino, Greenpeace Brasil e Projeto Mantis, a pesquisa revelou a diversidade de louva-a-deus até então desconhecida na área. A identificação do Microphotina cristalino foi feita a partir da coleta de dois animais machos, que foram mantidos vivos para observação, recebendo alimentação natural, até que morreram de causas naturais. Os exemplares foram depositados na Coleção Entomológica da Coordenação de Zoologia do Museu Goeldi.

“A descoberta é fruto do trabalho de longo prazo do Projeto Mantis na busca por novas e raras espécies de louva-a-deus, e integrou meu Mestrado em Zoologia pelo MPEG/UFPA. Certamente a pandemia foi o maior desafio dessa pesquisa. Realizamos a expedição quando ainda não havia vacinas, o que só foi possível devido à parceria da Fundação Ecológica Cristalino e do Greenpeace Brasil. Assim, asseguramos protocolos rígidos de segurança e moramos por dois meses na RPPN Cristalino”, explicou Leo Lanna.

“Os resultados foram fantásticos, há outras novas espécies da região que estamos descrevendo, essa foi apenas a primeira. Nunca vimos uma floresta tão rica! Como não havia conhecimento algum dos louva-a-deus dessa região, e por ter características únicas na Amazônia, como uma seca bem demarcada, a identificação das espécies tem o desafio da falta de referências científicas para comparação, ao mesmo tempo que torna alguns casos mais fáceis por serem claramente novas espécies, como foi o M. cristalino”, afirmou o pesquisador.

Louva-a-deus

Os louva-a-deus, também conhecidos como louva-deus ou cavalinho-de-deus e ainda ponha-mesa ou põe-mesa, são insetos pertencentes à Ordem Mantodea, cujo nome deriva do grego mantis, que significa profeta, e eidos, que significa aparência. Eles possuem um corpo geralmente alongado e estreito, variando de 0,8 a 17 cm, com uma grande variedade de formas e cores associadas a estratégias de camuflagem e mimetismo. Existem mais de 2.500 espécies, 430 gêneros e 15 famílias dentro do grupo, sendo a Mantidae a maior e mais comum família. No Brasil, existem pelo menos 250 espécies de Louva-a-deus, a maior diversidade da espécie no mundo. O nome popular desses insetos vem do fato de que, quando estão em repouso, suas pernas anteriores se assemelham à posição das mãos em oração.

A nova espécie

Leo Lanna, que atualmente é doutorando em Zoologia pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e Universidade Federal do Pará, destacou as características específicas​ da nova espécie. “A nova espécie que descrevemos, Microphotina cristalino, é característica por ser um louva-a-deus amazônico verde bem pequeno e esguio, com asas totalmente translúcidas, antenas vermelhas e a cabeça mais achatada. Para quem não está acostumado a observar a nossa diversidade, ele pode ser confundido com outros louva-a-deus verdes, porém uma comparação rápida desses detalhes permite distingui-lo”.

O artigo científico “A new species of Microphotina Beier, 1935 from the southernmost region of Amazonia (Mantodea: Photinaidae)” publicado na European Journal of Taxonomy também aborda a linhagem evolutiva do grupo de louva-a-deus Microphotina, revelando detalhes sobre a história natural, comportamento e distribuição desses insetos. Além disso, levanta a hipótese de que esse tipo de louva-a-deus possa ser encontrado não apenas na Amazônia, mas também na Mata Atlântica e em zonas naturais de florestas mais altas do Cerrado e da Caatinga.

Apesar dos avanços na pesquisa e conservação, ainda há muito a ser descoberto sobre a biodiversidade brasileira. O Projeto Mantis, que trabalha desde 2015 com a pesquisa e documentação de vida selvagem, continua seu trabalho de divulgação das descobertas e experiências na busca por esses incríveis seres. A equipe do projeto participou em junho passado do Global Exploration Summit, em Portugal, para compartilhar suas mais recentes descobertas. Também tem uma nova expedição programada para Roraima, financiada pela National Geographic Society, visando explorar o desconhecido e o imaginário em torno dos louva-a-deus.

Ameaça

A descoberta do louva-a-deus cristalino trouxe à tona preocupações sobre sua conservação. Por viver nas partes altas das árvores, essa espécie provavelmente depende de florestas preservadas. No entanto, a região amazônica do Mato Grosso enfrenta sérios desafios devido ao avanço do desmatamento, especialmente no chamado Arco do Desmatamento. O Projeto de lei 337/2022 inclusive propõe que o estado seja retirado da chamada Amazônia Legal, aumentando o limite de áreas que podem ser desmatadas. Pesquisas indicam que caso o estado seja retirado da Amazônia Legal, milhões de hectares podem ser desmatados, agravando ainda mais o cenário.

Os pesquisadores ressaltam a importância das áreas protegidas, como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), Unidades de Conservação Federais e Estaduais como o Parque Estadual Cristalino e o Parque Nacional Juruena, além de Terras Indígenas, para a preservação da biodiversidade amazônica. A RPPN Cristalino, onde a nova espécie foi encontrada, desempenha um papel fundamental na proteção desses animais desconhecidos. Localizada no município de Alta Floresta, preserva mais de 700 hectares em uma importante área de transição dos biomas Amazônia e Cerrado, que apresenta florestas de terra-firme e uma variedade de outros ecossistemas como igapós, campinaranas e campos rupestres.

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