Amazônia: filha de Chico Mendes diz que é preciso mudar sistema político para salvar a floresta
"É preciso uma força política que se sobreponha ao interesse do grande negócio, do grande capital", disse Ângela Mendes em entrevista exclusiva para o jornal O LIBERAL
Na Semana da Amazônia, período que visa conscientizar a população sobre a importância da maior reserva natural do planeta e os impactos provocados pelo desmatamento, a ativista socioambiental Ângela Mendes, filha do defensor histórico da floresta amazônica Chico Mendes, conversou com a reportagem de O LIBERAL sobre os principais desafios e urgências para manter o bioma de pé. A entrevista foi concedida durante o evento 'Visão 2030', da companhia Natura & Co América Latina, em São Paulo, no último dia 5 de setembro, data em que é comemorado o Dia da Amazônia.
Natural do seringal Cachoeira em Xapuri, no Acre, Ângela Mendes, coordenadora do Comitê Chico Mendes, dedicou parte da sua vida nos últimos anos às causas socioambientais na Amazônia e à luta pela memória do legado do seu pai na defesa dos povos da floresta. Especialista em gestão ambiental, participou e coordenou vários projetos e movimentos, incluindo o projeto 'Jovens Protagonistas da Reserva Extrativista Chico Mendes' e o movimento de repactuação da 'Aliança dos Povos da Floresta'. Confira a entrevista a seguir:
Quais são os maiores desafios do combate ao desmatamento no Pará?
Nossa, o Pará realmente é um desafio por ser um estado grande, desafiador, eu entendo assim, apesar de ter defensores e defensoras, lideranças incríveis ali. Mas acho que precisa ter um pensamento estratégico sobre isso e força política. E, sobretudo, uma força política que se sobreponha ao interesse do grande negócio, do grande capital, porque o que destrói a Amazônia, principalmente no Pará, são as grandes mineradoras, grandes pecuaristas, com uma força incrível no Congresso, lugar onde se faz, cria e monitora as leis.
Como a política pode ser aliada à preservação da natureza?
Eu acho que isso passa por aí também. É uma questão muito política. Inclusive da gente votar de forma tão consciente. Por aquelas pessoas que têm esse olhar do cuidado com os povos, o cuidado com a própria Amazônia. Chega da gente eleger pessoas que vão nos massacrar. Então a primeira coisa é isso, saber que a maior parte da bancada, aliás toda bancada ruralista, não é uma parte dos nossos políticos, eles têm uma relação com essas grandes empresas, defendendo elas lá no lugar era pra defender a população. Por isso, o que a gente precisa é mudar esse sistema político corrupto, se a gente fizer isso avançaremos muito na nossa luta.
Quais setores mais necessitam da atenção do governo federal?
Olhando para o governo atual, a gente ainda precisa de muita política pública para consolidar esses territórios. E que todos, principalmente os jovens, tenham acesso a uma boa educação. A educação é um instrumento extremamente estratégico, necessário também para que a gente saia desse ciclo de violência, de exploração, e que tem a ver com política pública também. Então, é a cobrança sistêmica insistente mesmo do governo para que efetive regularização fundiária e ambiental para que efetive a educação voltada aos valores da floresta, que efetiva em saúde para todas as pessoas.
O setor privado pode ser um parceiro na defesa do meio ambiente?
Empresas com responsabilidade social também podem contribuir com um plano de sustentabilidade, na sustentabilidade desses territórios, porque no fundo a gente sabe que a violência existe por isso, porque as pessoas acham que só gado é que dá dinheiro. Mas muitas delas entendem o potencial da floresta e se relacionam economicamente com a floresta, porém não têm uma política de valorização desse produto, dessa cultura, e às vezes descamba para a criação de gados e indústrias mineradoras.
Como empresas como a Natura, citada por você, podem avançar para uma economia mais verde e justa?
Eu acho que com um olhar mais aprofundado para construir um diálogo com as bases. Traria muita coisa, muitos elementos para que a Natura pudesse ser uma empresa que fosse referência. Ela já faz, eu acho que a Natura desenvolve um bom papel lá dentro, mas será que ela não tem capacidade de fazer mais? Será que ela não tem capacidade de estar lá e de levar parte desse processo para lá? E, de fato, valorizar o conhecimento dessas populações, né? Que envolvesse populações ainda mais nesse processo, que elas não apenas sejam fornecedoras de matéria-prima, mas que estivessem também no acesso à formação, à tecnologia e entrar de fato neste mundo da sociobioeconomia. E, aí, a gente precisa dizer que esse termo, a bioeconomia, é um termo mercantilista, porque quando a gente for falar disso, a gente estará falando de algo que essas populações já fazem, mas que não têm a visibilização e a inovação tecnológica, nem a formação para avançar nesse processo. Portanto, acho que a Natura tem esse potencial de chegar com mais força.
Companhias com economia verde têm potencial de inspirar e ser modelo para outras empresas?
A gente tem grandes empresas nesse país, como a própria Vertical e a Natura, que juntas conseguiram avançar ainda mais nessa transformação porque a gente não tem muito tempo. Temos pouco tempo, vamos caminhando muito rapidamente ao ponto de não ter retorno [degradação ambiental e mudanças climáticas], pois, então, precisamos retornar na verdade com as práticas ancestrais, seculares, nos povos da floresta, na sua relação com a floresta, para entender o que de fato vai fazer com que a gente permaneça nesse planeta.
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