Morte de irmã Dorothy Stang completa uma década e meia

Comissão Pastoral do Trabalho aponta que nem 10% dos mandantes de crimes contra ativistas foram punidos no estado

Victor Furtado
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Esta quarta-feira (12) marca a data de 15 anos da morte da missionária Irmã Dorothy Stang, assassinada no município de Anapu, a 374 km de Belém, a mando dos fazendeiros Regivaldo Pereira Galvão ("Taradão") e Vitalmiro Bastos de Moura ("Bida"). Foi uma retaliação pela atuação da religiosa e defensora do meio ambiente e dos direitos humanos. E 15 anos depois, esse tipo de causa continua sendo uma das mais arriscadas de se defender no Brasil. 

Graças à religiosa estadunidense, muitos grileiros tiveram terras confiscadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Dorothy fazia parte da Congregação das Irmãs de Notre Dame. A morte dela teve repercussão internacional.

À frente do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, da Comissão Pastoral da Terra (CPT)  e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Anapu, Irmã Dorothy denunciou a destruição das florestas, trabalho escravo, a violência, ocupação indevida de terras públicas e diversos outros crimes contra o meio ambiente e os direitos humanos de camponeses e povos tradicionais amazônicos. 

Desde a morte dela, 19 lideranças e trabalhadores rurais foram assassinados em Anapu. Em todo o Pará, só em 2018, 28 pessoas, entre lideranças e trabalhadores, foram assassinadas. Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que também aponta: nem 10% dos mandantes de crimes contra camponeses e ativistas foram punidos desde a morte da Irmã Dorothy. 

Padre Paulinho Silva, um dos coordenadores da CPT no Pará, destaca que o dia 12 de fevereiro é para relembrar a atuação de "quem morreu em defesa do meio ambiente, do direito à terra, do trabalho digno, da igualdade social, da paz, da vida e do Evangelho". 

Estados do Norte lideram violência

Dossiê lançado, em junho de 2017, pelo Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, que aponta Pará, Rondônia e Maranhão como responsáveis por 90% dos assassinatos de ativistas de direitos humanos no Brasil. Em 2016, segundo a pesquisa, foram registrados 66 assassinatos de ativistas; apenas no primeiro semestre de 2017, foram 42. 

O dossiê lembra que a situação no Estado do Pará é, historicamente, uma das mais graves do País. Desde a morte de Dorothy Stang, dos 334 assassinatos no campo registrados no Brasil, 118 ocorreram no Pará — o equivalente a 35,3% do total. Em 28 anos, dos 428 casos de homicídios em disputas no meio rural do Pará, apenas 21 foram julgados. Já no ano de 2016, 7 mortes de defensoras e defensores de direitos humanos foram registradas no estado.

Ainda em 2017, segundo o estudo "A que custo?", da ONG britânica Global Witness, o Brasil foi o campeão em mortes de ativistas e defensores da terra e do meio ambiente. Dos 207 casos registrados em 22 países, 57 ocorreram no Brasil, sendo que 80% dessas vítimas defendiam os recursos da Amazônia.

“Uma pessoa defensora da terra ou do meio ambiente é alguém que toma medidas pacíficas, em caráter voluntário ou profissional, para proteger os direitos ambientais ou da terra (...) Frequentemente são pessoas comuns (...) outras são líderes indígenas ou camponeses que vivem em montanhas remotas ou florestas isoladas, que protegem suas terras ancestrais e seus meios de vida tradicionais contra projetos de mineração, do agronegócio em grande escala, das represas de hidrelétricas e de hotéis de luxo. Outros são guardas florestais que perseguem a caça furtiva e o desmatamento ilegal. Também podem ser advogados, jornalistas ou funcionários de ONGs que atuam para expor abusos ambientais e a grilagem de terras”, detalha o estudo da Global Witness.

"O legado da Irmã Dorothy é de defesa da dignidade dos povos da Amazônia; de um meio ambiente sadio; de alimentação e economia sem veneno, destruição, violência e exploração. Que ela nos ilumine, como Maria de Nazaré, e nos proteja da destruição promovida pelo capital, que só pensa em lucro rápido, sustentado em práticas criminosas e destrutivas. Dorothy foi uma mulher corajosa. Por isso sempre gritaremos: Dorothy vive!", diz Paulinho.

O religioso critica o que chama de investigações "lentas e frágeis, como se fosse premeditado que nunca se chegasse aos mandantes dos crimes". O padre ainda reforça que mesmo diante de denúncias frequentes, camponeses, indígenas e quilombolas sofrem com todo tipo de violência diariamente. "A luta de Dorothy segue, todos os dias, contra esse sistema sanguinário e perverso. Enquanto isso, os criminosos riem da cara da sociedade e de quem luta pra ter um pedaço de terra pra trabalhar e viver dignamente", conclui.

Os cinco envolvidos no caso, incluindo Bida e Taradão, foram julgados e condenados a penas entre 17 a 30 anos de prisão. Os julgamentos começaram um ano após o assassinato da missionária. O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) apontou que Bida ofereceu R$ 50 mil pela morte de Dorothy.

Amair Feijoli da Cunha contratou os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista. Os executores foram condenados a 18 anos de prisão cada um. Rayfran foi condenado a 27 anos de prisão. Teve progressão de regime após nove anos preso. Acabou detido de novo por envolvimento em outro homicídio.

No ano passado, Taradão foi preso em Altamira. Foi condenado em 2010 e preso em novembro de 2011. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) o beneficiou com um habeas corpus e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena para 25 anos. Após uma nova prisão, o fazendeiro saiu de novo em maio de 2018, por uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello. Ele continua preso desde abril passado.

Em memória de Dorothy, um ato público será feito, às 18h desta quarta-feira (12). Será na praça do Operário, em São Brás. Haverá uma celebração inter-religiosa; discursos de representantes de entidades participantes e atrações culturais. É no mesmo dia em que o papa Francisco lançará a exortação apostólica "Querida Amazônia", resultado das reflexões feitas durante o sínodo para a Amazônia.

Na tarde desta terça-feira (11), a Câmara Municipal de Belém fez uma sessão especial “15 anos do martírio de Irmã Dorothy Stang”. Uma abordagem mais política sobre o cenário nacional de incentivo a práticas predatórias e devastadoras do meio ambiente, que são consideradas como funções do setor produtivo madeireiro e do agronegócio. E também análises sobre o aumento do desmatamento e perseguição a defensores dos direitos humanos, dos povos da Amazônia e do meio ambiente.

 

Pará é território historicamente visado e perigoso para ativistas sociais

De modo geral, há certa preocupação com a forma que o governo federal vem lidando com a política ambiental, diz José Godofredo, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma) do MPPA. E há a preocupação histórica a violência sofrida por ativistas. O Pará é um território visado, pois é um acesso da Amazônia que tem contato com o oceano Atlântico. E tem posição estratégica para o escoamento de muitos produtos. Principalmente minérios e grãos.

"O interesse no Pará só cresce. Ainda mais se colocarmos a derrocada do pedral do Lourenço, os portos em Miritituba, a manutenção da rodovia BR-163, a estrada de ferro Ferrogrão. Isso tem levado a um aumento da atividade de monocultura, sobretudo da soja, mineração e garimpo. Historicamente, defensores socioambientais têm sido vítimas. Como a missionária Dorothy Stang. No Brasil todo, essas pessoas estão fragilizadas na defesa de povos tradicionais, estilos de vida, patrimônio cultural, ambiental...", analisa o coordenador do Caoma.

Entre algumas decisões que são vistas com preocupação, estão a liberação indiscriminada de agrotóxicos; o sucateamento de órgãos do setor, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); e desconsideração com a participação científica no planejamento, o que inclui entidades que monitoram o desmatamento, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

"Todo esse cenário fragiliza o trabalho e até mesmo a segurança dos defensores socioambientais, dos órgãos fiscalizadores e dos órgãos científicos. Temos institutos de reconhecimento internacional e o governo vem tentando desconstruir esse trabalho", explica Godofredo.

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