Israel retoma escalada de ações em Gaza a despeito dos prejuízos à sua imagem no mundo

Desde a retomada dos ataques israelenses em Gaza, iniciados na madrugada do último dia 18, pelo menos 436 pessoas morreram no enclave palestino, conforme relatado pela Defesa Civil local. Esse número surge após a suspensão de um cessar-fogo que havia sido negociado anteriormente, o que resultou em uma intensificação dos confrontos na região.
O fim do acordo de paz, que já se mostrava instável, marcou o retorno das hostilidades, com uma intensificação das operações militares. Essa decisão foi justificada por várias autoridades israelenses, que apontaram uma série de fatores como motivos para a escalada do conflito.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel destacou que os ataques foram uma resposta ao fato de "o Hamas rejeitar duas propostas concretas de mediação apresentadas pelo enviado dos Estados Unidos, Steve Witkoff". Além dos fatores militares, a política interna de Israel também desempenhou um papel significativo na decisão de retomar os ataques. O setor mais conservador da política israelense defende a expulsão de palestinos de Gaza e a reocupação dos assentamentos israelenses que foram desfeitos em 2005.
Diversos países se manifestaram condenando o fim do cessar-fogo e a retomada dos bombardeios em Gaza. O Qatar e o Egito, que fizeram parte da mesa de negociações pelo acordo, pediram com urgência a retomada das negociações sem violações no acordo. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Egito, “a escalada perigosa que ameaça trazer sérias consequências para a estabilidade da região”.
A continuação da guerra vem em um momento de crescimento político de Benjamin Netanyahu após a chegada de Donald Trump à Casa Branca, que passou a dar apoio irrestrito a Israel. Embora o auxílio dos Estados Unidos costumeiramente seja amplo, no ano passado, visando o eleitorado muçulmano, o governo Joe Biden foi forçado a reduzir a ajuda para não prejudicar o partido Democrata em ano eleitoral.
Desde o início da guerra, iniciada em outubro de 2023, a Faixa de Gaza foi transformada em ruínas e o Hamas foi severamente afetado pelos incessantes bombardeios israelenses, perdendo milhares de combatentes, incluindo seu líder militar Yahya Sinwar, e, de acordo com o Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), seu estoque de armas está praticamente esgotado.
Entretanto, o objetivo inicial de acabar com o grupo extremista ainda está distante de ser atingido. O ex-secretário de Estado, Anthony Blinken, disse em janeiro deste ano que “o Hamas recrutou quase tantos novos militantes quanto perdeu”, afirmando que “essa é uma receita para uma insurgência duradoura e uma guerra perpétua.”
Em 2023, o Hezbollah passou a bombardear Israel em resposta ao aumento das tensões em Gaza. O grupo, apoiado pelo Irã, viu suas ações como uma forma de apoiar a resistência palestina e defender os interesses da comunidade muçulmana no Oriente Médio.
Os conflitos fronteiriços levaram Israel à guerra contra o Hezbollah no Líbano pela segunda vez. Em 2006, a guerra no território libanês durou cinco semanas e resultou em perdas humanas e materiais para os dois lados. Desta vez, o grupo financiado pelos iranianos sofreu perdas maiores com bombardeios israelenses que minaram sua capacidade de atacar e viu sua liderança ser desmantelada, começando com o assassinato de seu líder, Hassan Nasrallah, em setembro.
A ofensiva israelense matou pelo menos 3.799 pessoas no Líbano e deixou mais de 15 mil pessoas feridas desde outubro de 2023. Do lado israelense, as hostilidades mataram pelo menos 82 soldados e 47 civis, segundo as autoridades.
Na Síria, a queda do regime de Bashar al-Assad trouxe ao poder o grupo extremista Tahrir al-Sham(HTS) que, nas primeiras horas no poder, sinalizou vontade política de negociar com o governo israelense, mudando o posicionamento sírio de cinco décadas que, enquanto esteve sob domínio da família Assad, sempre foi hostil à Israel.
Logo nas primeiras horas do novo governo em Damasco, Israel expandiu sua presença no território sírio, criando uma “zona tampão” no sul do país para "garantir a segurança" e a estabilidade da área. Com uma área de 1.200 quilômetros quadrados, o território anexado por Israel é um terreno estratégico, com vista para a região israelense da Galileia, Líbano e Jordânia.
Além do avanço territorial, Israel se beneficiou com o novo governo sírio que, além de buscar diálogos com Tel Aviv, adotou um discurso agressivo contra a influência histórica do Hezbollah na Síria. O grupo xiita libanes foi essencial para manter Assad no poder durante a guerra civil.
A relação estratégica entre os dois era baseada em um corredor terrestre que atravessa a Síria, o qual permitia o transporte de armas e recursos do Irã diretamente para o Hezbollah, no Líbano. Esse fluxo logístico é essencial, uma vez que o Hezbollah depende do apoio iraniano, especialmente no que se refere a armamentos sofisticados, para manter sua capacidade militar e de resistência. A Síria servia, portanto, como uma ponte vital entre Teerã e o Hezbollah, além de garantir uma zona de segurança para o grupo, longe da vigilância direta de Israel.
Portanto, além do enfraquecimento do Hezbollah em território libanês, Israel também conseguiu cortar a ligação direta entre a teocracia iraniana e o seu principal aliado no Líbano, dificultando ainda mais qualquer recuperação do grupo xiita nos próximos anos.
Danos à imagem israelense
Apesar dos avanços militares, Israel tem sofrido com o isolamento político e a deterioração da sua imagem pelo mundo. Muitos judeus e descendentes passaram a ter medo de exposição por conta do crescente ódio ao país, ainda que não corroborem com as medidas do governo.
Desde o início da guerra em Gaza, o antisemitismo tem crescido exponencialmente pelo mundo. Segundo dados da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), os incidentes cresceram em 400% no continente europeu. O estudo contou com a participação de 8.000 judeus de 13 países da União Europeia, e os dados revelam que 96% dos entrevistados foram alvo de antissemitismo, tanto em situações cotidianas quanto na internet.
Este crescimento está diretamente ligado às ações do governo israelense na guerra, que causaram comoção internacional em defesa dos palestinos. De acordo com autoridades de saúde palestinas, mais de 46.000 pessoas perderam a vida devido aos bombardeios israelenses. Desde o fim do cessar-fogo, mais de 700 palestinos foram mortos em ataques, de acordo com Khalil al-Daqran, porta-voz do Ministério da Saúde.
Em 2024, o campus da universidade de Columbia, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos, se tornou palco de intensos protestos em defesa dos palestinos. Na época, muitos alunos reivindicavam que a universidade tomasse uma posição mais forte contra a violência perpetrada por Israel e adotasse políticas mais explícitas de apoio à causa palestina, incluindo o boicote acadêmico a Israel e a cessação de parcerias com instituições israelenses.
No fim do ano passado, o Tribunal Penal Internacional(TPI) expediu um mandado de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, além do comandante militar do Hamas, Mohammed Deif. Na condenação, os juízes do TPI alegaram encontrar razões “razoáveis” que comprovavam “responsabilidade criminal” contra a humanidade na guerra entre Israel e Hamas.
Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrentou a ira dos manifestantes do lado de fora do parlamento de Israel, o Knesset, em Jerusalém, um dia depois de retomar a guerra em Gaza. Muitos parentes de reféns que ainda não foram soltos, acreditam que a retomada da guerra está colocando em risco a vida dos que ainda não voltaram.
O Fórum de Reféns e Famílias de Desaparecidos, maior organização de representantes dos sequestrados pelo Hamas, emitiu comunicado em seu instagram, criticando o governo israelense: "O maior medo das famílias, dos reféns e dos cidadãos de Israel se tornou realidade: o governo israelense decidiu desistir dos reféns", diz em declaração oficial. O Fórum seguiu, declarando-se "chocado" e "enfurecido" pelo "desmantelamento deliberado do processo de retorno de nossos entes queridos do terrível cativeiro do Hamas".
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