Irã promete resposta a ataque, mas lida com problemas econômicos internos
Inflação no país cresce e poder aquisitivo da população não acompanha, causando insatisfação
Um ataque vitimou em torno de 100 civis na cidade de Kerman, no Irã, na última quarta-feira (3). O atentado ocorreu no dia em que os iranianos foram às ruas para relembrar a morte do general Soleimani, assassinado em 2020 durante ataque aéreo americano no Aeroporto Internacional de Bagdá, no Iraque.
Soleimani comandava a Força Quds dos Guardas Revolucionários, uma unidade de prestígio no Irã, responsável pelas operações no exterior e considerada como organização terrorista pelos Estados Unidos.
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Após as explosões em Kerman, o governo iraniano prontamente responsabilizou Israel pelos ataques, embora não tenha apontado qualquer evidência que comprove a ligação. O aiatolá Khamenei promete vingança ao maior ataque em solo iraniano desde a revolução de 1979, mas há questionamentos sobre a efetividade das ameaças.
Em 2020, a morte do general Soleimani gerou uma comoção popular no Irã, seguida de promessas de retaliação aos Estados Unidos. Quatro anos depois, o tom belicoso não se converteu em ações de fato. Há razões que explicam a mudança no comportamento, dentre elas, problemas internos e a escolha pela diplomacia.
Os representantes do governo iraniano alegam uma queda nos índices de inflação, mas, na realidade, os números revelam que a inflação, especialmente nos preços de alimentos e bebidas, está consideravelmente mais elevada do que no ano anterior no Irã. Ao mesmo tempo, o crescimento real da renda dos iranianos não acompanhou as mudanças, evidenciando uma redução no poder de compra em comparação com 2022.
O governo persiste em adiar um reajuste nos subsídios de combustíveis devido ao receio de um impacto inflacionário que poderia desencadear protestos sociais em larga escala.
Em 2022, emergiu no Irã um movimento chamado de "Mulher, vida e liberdade", criado após o assassinato de uma jovem curda iraniana pela polícia moral do Irã, sob a justificativa de uso inadequado do véu. Desde junho de 2023, protestos mensais em menor escala têm ocorrido ao redor do país por insatisfação com a situação do Irã. Todos foram violentamente reprimidos pela polícia, que alega interferência dos Estados Unidos nos movimentos anti-governo.
Davoud Souri, economista do Banco Saman em Teerã, alertou em outubro de 2022 que "a insatisfação econômica tem uma contribuição enorme" para o descontentamento na sociedade iraniana. Ele observou que "naturalmente, a alienação econômica acumulada tem um impacto significativo na intensidade e no surgimento de protestos."
Diplomacia iraniana tenta compensar a agravante crise econômica
Para driblar as sanções impostas pelos Estados Unidos, a saída tem sido a diplomacia. O surpreendente acordo intermediado por Pequim com a Arábia Saudita, sugere que Teerã está priorizando as relações externas para compensar a agravante crise econômica.
O governo xiita no Irã e o reino sunita da Arábia Saudita divergem em quase todos os conflitos regionais. No Iêmen, desde 2014, iranianos e sauditas financiam os lados opostos da guerra civil no país. Rompidos desde 2016, a retomada das relações foi um grande baque para os Estados Unidos na região.
Além do Oriente Médio, o governo de Ebrahim Raisi ampliou sua influência na América Latina e África em 2023, realizando visitas à Cuba, Nicarágua, Venezuela, Quênia, Uganda e Zimbábue no ano passado.
O governo Raisi também conseguiu a admissão oficial do Irã na Organização de Cooperação de Xangai em julho. O Irã espera que a filiação à organização que engloba 30% do PIB mundial, estabelecida pela China e Rússia em 2001, abra novas oportunidades para sua economia debilitada. Além disso, o Irã também se tornou o mais novo membro dos Brics em 2024.
Apesar de não ter relações oficiais com os Estados Unidos, há alguns meses o governo iraniano fez um grande acordo de troca de prisioneiros com Washington, que liberou seis bilhões de dólares pertencentes ao Irã que, por conta das sanções, estavam congelados em um banco na Coreia do Sul. Entretanto, o Irã foi impedido de acessar esses fundos após os ataques do Hamas no dia 7 de outubro.
Teerã usa guerra em Gaza para defender a Palestina
O ministro de Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, visitou diversos países árabes para conseguir apoio e convencê-los a pressionar Israel. Teerã tem usado a guerra em Gaza para se posicionar como defensor da causa palestina, ao mesmo tempo em que usa sua influência no Oriente Médio para atacar Israel e os Estados Unidos indiretamente. No sul do Líbano, o Hezbollah, principal aliado do Irã, tem protagonizado confrontos com o exército israelense na fronteira entre os dois países.
O contorcionismo diplomático na guerra, já começa a dar os primeiros sinais de fissura. Ataques às rotas de navegação internacional no Mar Vermelho por rebeldes houthis, apoiados pelo Irã no Iêmen, em retaliação à guerra de Israel, colocaram a República Islâmica na mira da comunidade internacional e resultaram no lançamento de uma coalizão naval liderada pelos EUA no Mar Vermelho para conter os ataques.
Não há qualquer sinal de que as ameaças do governo iraniano à Israel devem se concretizar em ações diretas contra o território israelense, isso colocaria em risco a estabilidade do governo e da teocracia iraniana, mas os embates com o Hezbollah podem ganhar novos capítulos.
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