Entenda o ressurgimento do Estado Islâmico, que matou dezenas na Rússia, e seus objetivos globais

Crescimento dos ataques, cada vez mais letais, aumentam a possibilidade do EI-K conseguir investimentos e recrutar mais soldados

Gustavo Freitas – Especial para O Liberal
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Um atentado terrorista no Crocus City Hall, em Moscou, na semana passada, vitimou mais de 140 civis e assustou o mundo com a magnitude do ataque. Poucas horas depois, o Estado Islâmico-Khorasan, filial regional do grupo no Afeganistão, assumiu a autoria do ataque, surpreendendo após anos de poucas atividades em larga escala.

O grupo terrorista é adversário da Rússia desde 2015, quando Vladimir Putin decidiu participar da guerra na Síria para salvar o regime de seu aliado, Bashar al-Assad, e expulsar o Estado Islâmico do país, matando milhares de rebeldes que lutavam pelo grupo no território sírio. O EI-K, como é conhecido, acusa Putin de ter "sangue muçulmano em suas mãos", relembrando também a segunda guerra na Chechênia, que vitimou milhares de chechenos muçulmanos na república separatista durante período de 1999 a 2009.

Essa não é a primeira vez que o EI-K amedronta seus adversários em 2024. Em janeiro, o grupo foi o responsável pelo ataque que vitimou 84 civis iranianos durante cerimônias em homenagem ao general Qassam Soleimani, considerado um herói do regime iraniano, que foi assassinado em 2020 por ordens do governo de Donald Trump.

No mesmo dia do atentado na Rússia, a quase 5 mil quilômetros de distância, o EI-K realizou um outro ataque dentro do Afeganistão, vitimando mais de vinte cidadãos locais em Kandahar. O ressurgimento do grupo é um alerta para os países vizinhos, Europa e Estados Unidos, que já foram alvos de ataques na década passada e agora veem uma filial do Estado Islâmico realizando ataques cada vez maiores.

Quando surgiu o Estado Islâmico?

O Estado Islâmico surgiu em 2013 no Iraque, mas foi durante a guerra civil na Síria que o grupo terrorista expandiu, chegando a ocupar partes do território sírio e iraquiano. Para justificar as ocupações e o rápido crescimento, o então líder Abu Bakr al-Baghdadi afirmou que "a Síria não é para os sírios e o Iraque não é para os iraquianos. A terra é de Alá".

Especialistas em estimular o medo, o Estado Islâmico produzia vídeos executando seus adversários e cativavam radicais para se juntar ao grupo. Os ataques realizados em todo o mundo fizeram com que adversários históricos como Irã, Rússia, Estados Unidos, Arábia Saudita e Turquia, além de outros países, se juntassem para derrotá-los. Em 2019, o califado instaurado na Síria e no Iraque foi derrotado e, atualmente, o EI ocupa apenas a província de Idlib no noroeste da Síria.

Apesar da drástica redução, o grupo terrorista nunca deixou de existir. Em 2015, membros mais radicais do Talibã decidiram se desvincular e criar o EI-K no Afeganistão. A sua principal propaganda prega a criação de um califado na região de Khorasan, que abrange partes dos territórios do Irã, Afeganistão, Turcomenistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

No dia em que as últimas tropas americanas se apressaram para deixar a capital Cabul em 2021, após duas décadas de ocupação, o EI-K realizou um atentado no aeroporto que vitimou 13 soldados americanos e 170 civis. O ataque deu grande visibilidade ao grupo e sinalizou que o Talibã não teria vida fácil no Afeganistão.

Desde então, diversos grupos extremistas conseguiram se reagrupar e recrutar novos militantes no país. A grande maioria opera seus ataques em áreas afastadas no vizinho Paquistão, em regiões onde a impunidade predomina graças à ineficiência das forças locais.

Nos primeiros dias à frente do governo, o Talibã havia prometido acabar com a fama do Afeganistão ser um paraíso para grupos terroristas, afirmando que teriam pleno controle do território. Em seguida, optou por libertar diversos criminosos por considerar que haviam sido presos injustamente, uma medida polêmica que acabou beneficiando o Estado Islâmico. Muitos prisioneiros acabaram se juntando ao EI-K posteriormente, incluindo o mentor do ataque mortal no Irã em janeiro deste ano.

Talibã e Estado Islâmico são inimigos declarados

Embora ambos sejam considerados grupos terroristas por quase todo o mundo, o Talibã e o Estado Islâmico são inimigos declarados. O Talibã tem objetivos exclusivamente voltados para o Afeganistão e enxergam o EI-K como ameaça a sua tentativa de conquistar legitimidade internacional, enquanto o Estado Islâmico-Khorasan tem pretensões globais e acusa os talibãs de serem traidores por "não seguir o islã de verdade e negociar com os americanos".

Desde a volta dos talibãs ao poder em 2021, o EI-K aumentou consideravelmente o seu poder de propaganda, intensificando a produção midiática em diversas línguas para atingir públicos diferentes ao redor do mundo. A estratégia do grupo é voltar a causar medo para crescer cada vez mais, enquanto aumenta a desconfiança dos vizinhos sobre a capacidade do Talibã de governar o Afeganistão.

O crescimento de grupos radicais no país tem elevado as preocupações de autoridades nos Estados Unidos e na Europa. Um dia antes do atentado em Moscou, o General Michael Kurilla alertou o congresso americano sobre o risco crescente de ataques vindos do Afeganistão, afirmando que "o EI-K tem capacidade de conduzir ataques para prejudicar os interesses americanos sem soar alertas".

A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, afirmou recentemente que o "EI-K é atualmente a maior ameaça ao território alemão", alertando que o governo conseguiu desarticular diversas tentativas de ataque do grupo nos últimos 18 meses.

Sob o comando de Shahab al-Muhajir, de 29 anos, o EI-K tem buscado se tornar a principal ameaça global nos tempos atuais. Todas as operações são aprovadas pelo líder do grupo, tornando-se um alvo para o governo americano, que oferece 10 milhões de dólares para quem ajudar a encontrá-lo.

Usando modos diferentes de agir em comparação ao Estado Islâmico no seu auge, al-Muhajir vinha trabalhando há meses para recuperar a capacidade do grupo de aterrorizar além das fronteiras vizinhas ao Afeganistão.

Uma das principais diferenças, é a busca por recrutamento em países que não eram tão explorados anteriormente. Os terroristas responsáveis pelo atentado em Moscou foram capturados com passaportes do Tajiquistão, uma ex-colônia soviética e um dos países mais pobres da Ásia Central. O Tajiquistão e o Uzbequistão têm sido os principais pontos de recrutamento do EI-K, que tem crescido também em território europeu e na Turquia.

Recentemente, diversos membros do EI-K foram presos recrutando civis de diversas etnias na Holanda, Alemanha e na Áustria, evidenciando que o grupo tem se espalhado para aumentar a sua capacidade de realizar operações ao redor do globo.

Desde o atentado em Moscou, a Turquia prendeu mais de 180 membros do Estado Islâmico no país. Segundo o governo, desde junho de 2023 foram realizadas 1.316 operações de contraterrorismo e mais de três mil detenções para desmantelar ataques do EI. Ainda assim, em janeiro, o EI-K realizou um atentado em uma igreja católica turca, o primeiro ataque bem-sucedido do grupo na Turquia em sete anos.

Países entram em alerta máximo

A França está em alerta máximo para a possibilidade de ataques terroristas em seu território. O anúncio foi feito no domingo passado pelo primeiro-ministro do país, Gabriel Attal, após reunião do Conselho de Defesa e Segurança Nacional: "Dada a reivindicação de responsabilidade do Estado Islâmico pelo ataque e as ameaças que pesam sobre o nosso país, decidimos elevar o plano Vigipirate ao seu nível mais alto: ataque de emergência”, escreveu Attal em post no X (antigo Twitter).

Em 2015, a França foi alvo de dois atentados terroristas que chocaram o país. Em janeiro, um ataque à redação da revista satírica "Charlie Hebdo" resultou na morte de 12 jornalistas. No fim do mesmo ano, o Estado Islâmico assumiu a autoria de ataques que vitimaram 129 pessoas em uma casa de shows e outros três locais na capital francesa.

Além do histórico de ataques, Paris será palco das Olimpíadas em 2024, momento em que turistas do mundo inteiro viajarão até a cidade para acompanhar os jogos olímpicos. A Itália e o Vaticano também aumentaram o nível de alerta para a semana de Páscoa.

O crescimento dos ataques, cada vez mais letais, aumentam a possibilidade do EI-K conseguir investimentos e recrutar mais soldados, possibilitando novas operações contra seus adversários. O atentado em Moscou não deve ser interpretado como um ato isolado, e sim como um passo para a escalada do terrorismo global.

 

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