Canoagem facilita acesso aos rios e vira alternativa "refrescante" no verão paraense
Baía do Guajará, Rio Guamá e Maguari podem fazer parte do dia a dia de quem tem interesse em ver a Belém ribeirinha
Demorou, mas hoje em dia cada vez mais belenenses se fazem a pergunta: por que, com tanta água à nossa volta, temos tão pouco acesso ao rio? Antes restrito às comunidades ribeirinhas tradicionais, ou aos integrantes das classes econômicas mais abastadas, hoje a Baía do Guajará, o Rio Guamá, o Maguari - ou qualquer outra massa d’água ao nosso redor – podem fazer parte do dia a dia de quem tem interesse em ver a Belém ribeirinha. E muito disso se deve à popularização - recente, mas crescente - da canoagem na capital paraense.
Quem primeiro dividiu o espaço dos rios com barcos a motor, navios, rabetas, voadeiras e o tradicional “casquinho” (a canoa de madeira do ribeirinho amazônida) foram os caiaques. Esta embarcação, originária dos povos esquimós e incorporada ao ecoturismo ao redor do mundo, chegou a Belém há cerca de 20 anos. Originalmente eram fabricados com couro de baleia, mas hoje – ufa! – o material predominante é a fibra de vidro. Desde meados da primeira década deste século grupos se formaram para a prática da atividade.
E, no calor habitual de Belém, ainda mais em julho, que abre oficialmente nosso verão, é difícil pensar em quem não gostaria de estar mais próximo da água para se refrescar. Foi justamente nesse período, em 2008, que a psicóloga – e hoje multirremadora – Lorena Jacob resolveu dar suas primeiras remadas. “Comecei por puro lazer, tentando sair daquilo de não ter nada para fazer em Belém no mês de julho. Queria algo diferente, um lazer” diz ela, que até já tinha alguma ligação com a água – praticou windsurf aos 13 anos, em Mosqueiro.
O que ela não esperava era que fosse fisgada para esse mundo onde os peixes vivem. “Sempre tive uma ligação com a água, mas a canoagem me vinculou de outra forma. Automaticamente a cidade passou a ter outro significado para mim. Passei a ter uma curiosidade sobre as ilhas, as marés, os ribeirinhos. Sobre o que está ali do outro lado, a vida de lá para cá”, diz ela. Conforme as remadas se tornaram parte integrante do seu dia a dia, Lorena sentiu vontade de se aperfeiçoar cada vez mais.
Até que em 2010 um evento mudou sua relação com o esporte. “Fui a Brasília participar de uma competição. Tive certeza que era algo que queria dar continuidade. O esporte em si já me fez gostar muito, ter contato com natureza, sair da movimentação de academia, iniciar o dia de uma forma diferente. Mas a competição me mostrou que queria aquilo para mim”, disse. Hoje ela acumula no currículo mais de 35 competições, participação em Campeonato Mundial e uma recente convocação para a Seleção Brasileira – que lamentavelmente não pode se fazer presente pela conjuntura socioeconômica trazida pela Pandemia.
Va’a
Quando Nilson Chaves escreveu que estava “olhando Belém enquanto uma canoa desce o rio”, ele não podia imaginar que, anos depois, um grupo de pessoas se identificariam tanto com o verso. Ok, tudo bem que ele não falava da canoa polinésia, modalidade que foi reintroduzida na capital paraense em 2006, e hoje conta com um número expressivo de “bases” (como os grupos da modalidade denominam suas agremiações) e remadores. A modalidade, originária da região mais remota do planeta – o triângulo polinésio, constituído por Havaí, Nova Zelândia e a Ilha de Rapa Nui (Ilha de Páscoa), no Chile – trouxe um gostinho a mais para quem quer ir para a água: a possibilidade de fazer isso em grupo, com 6, ou até 12, remadores na mesma canoa.
Caracterizada por ter um flutuador lateral, chamado de “ama”, a canoa em questão tem algumas denominações: canoa polinésia, como citado acima, canoa havaiana (o nome que se popularizou no Brasil) ou simplesmente Va’a, palavra que significa “canoa” na linguagem tradicional da Polinésia – e é o termo escolhido pela Federação Internacional para unificar o esporte. Há também vários formatos: individual, dupla, de três, quatro e seis lugares (podendo a última ser atrelada a outra canoa de seis lugares para se formar um catamarã, embarcação de dois cascos).
Hoje Belém conta com seis grupos de canoa polinésia. O empresário Rafael “Black” Conceição conheceu o Va’a há quatro anos, pelo clube Caruanas Va’a, e hoje não se imagina fora da canoa. “Para mim é fundamental. Na verdade, não entendo como não remei antes. Tem tudo a ver com nossa região, essa busca por ancestralidade, entender que somos um povo ribeirinho, que está no meio do mato”, diz ele, para em seguida enumerar os benefícios que encontra na prática.
“Minha relação com a cidade mudou completamente. Sei hoje que estou no meio da floresta, tenho possibilidade de conhecer nossas Ilhas. Posso ir no Combu, na Ilha das Onças, em Cotijuba. Conhecer pessoas simples que estão muito perto de nós, mas também muito distantes”, diz.
O distanciamento do rio é algo que ainda é difícil de entender na opinião de Rafael, já que Belém, uma península, é cercada de rios. E este afastamento do rio se tornou, consequentemente, um afastamento das questões ambientais que atravessam a cidade – e aí o esporte se torna ferramenta importante mais uma vez. “Mudou minha relação com o descarte de resíduos. Quando a gente está na água vemos para onde vai o lixo da cidade. Ele não some, está nos nossos rios”, lembra.
Mas não só quem conhece bem Belém consegue desfrutar de um passeio de canoa pelos nossos rios. A canoagem, em toda sua riqueza de modalidades, abre um leque amplo para possibilidades de turismo de aventura ou ecoturismo.
O argentino Lucho Torres é um viajante do mundo e está em Belém há apenas uma semana, depois de passar alguns meses em Pipa-RN – o tempo foi suficiente para que ele já se aventurasse nas águas amazônicas. “Vim para o Brasil porque queria este calor”, diz ele, sabendo que chegou no local certo. “Não imaginava como era a Amazônia. Estou encantando com a floresta e esse rio, que tem o balanço do mar”, completa.
Reconexão, educação ambiental, lazer, senso de identidade com local, curiosidade em explorar novas paisagens, competições. São muitas as possibilidades para se aventurar na canoagem em Belém. Então, faça jus ao poeta, chame o rio de sua rua e vá viver as águas da Amazônia, mururé!
Glossário dos remadores:
• Manteigueiro: o remador que passa o remo na água com a mesma força que passa a faca na manteiga (ou seja, quase nada).
• Longão: remadas de percurso mais longo, normalmente a partir de 25 km.
• Maré lançante: marés de lua cheia ou nova, com fluxo maior e que “correm” mais.
• Remanso: área próxima à margem onde a velocidade de maré fica menor devido à menor profundidade. É onde se deve navegar quando o remador está contra a corrente.
• Maresia: como os ribeirinhos classificam a formação de ondas causadas pelo vento que deixa o rio mais “mexido”. Costuma ter mais intensidade quando a direção do vento é contrária à da corrente.
Grupos de canoa de Belém
Canoa Paidegua - @canoapaidegua
Caruanas Va’a - @caruanasvaa
Amazônia Va’a - @amazoniavaa
Ubá Clube Náutico - @ubaclubenautico
Marear - @marearcanoagem
Grupos de caiaques em Belém
Marenteza - @marenteza
Canoeiros - @canoeirosk
Ozone Kayak Adventure - @ozonekayakadventure
Caiaqueiros do Norte - @caiaqueirosdonorte
Remadores do Sol - @remadoresdosol
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