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Ver-o-Peso: 398 anos de trocas que sustentam o cotidiano paraense

No meio do pitiú, o coração da economia de Belém pulsa 24 horas por dia bombeado por 20 mil trabalhadores e consumidores

Gabriel da Mota

Muito além do dinheiro que circula entre bancas e tabuleiros, o Ver-o-Peso é um mercado de relações. Há quase quatro séculos, famílias paraenses tiram sustento do local trocando alimentos, produtos naturais e industrializados, utensílios, acessórios, vestuário… por cifras quantificáveis e laços imensuráveis. Às vésperas do aniversário de 398 anos, a ser comemorado no próximo dia 27, a reportagem de O LIBERAL acompanhou o amanhecer de quem vende, compra e pertence à maior feira livre da América Latina.

Às margens da Baía do Guajará, o mercado nunca dorme. Funciona 24 horas por dia, abastecendo a cidade com insumos que a terra e os rios da Amazônia oferecem. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedcon), ali, circulam diariamente cerca de 20 mil pessoas, enquanto aproximadamente 2.400 trabalhadores, entre permissionários cadastrados e ambulantes, garantem que a engrenagem da economia popular continue girando. O Ver-o-Peso movimenta, todos os anos, cerca de R$ 360 milhões (quase R$ 1 milhão por dia). Números que impressionam, mas não revelam as histórias de vida daquele espaço. Quem as conta, possui mãos calejadas, pés impregnados do cheiro de pitiú e olhos atentos às idas e vindas que mantém o mercado em funcionamento.  

Entre as muitas vozes que compõem essa sinfonia amazônica, está a de Rivaldo Silva, 63, que atende por Vadoca e há 40 anos chega à Feira do Açaí antes do sol nascer. "Para mim, [o Ver-o-Peso] significa tudo. Criei meus filhos e minhas netas trabalhando aqui", diz, com o orgulho de quem construiu uma vida entre pilhas de açaí in natura. Ele vende de 50 a 200 latas do produto por dia, a depender da sorte.

image Rivaldo Silva, 63 anos, vendedor de açaí conhecido como 'Vadoca' (Igor Mota / O Liberal)

Vadoca viu o mercado mudar, crescer e se encher de novos rostos, percebendo a dificuldade comum que é a busca pelo sustento. "O emprego está pouco, então as pessoas vêm para cá e todo mundo arruma um lugar para trabalhar", comenta.

"Nós queremos a melhoria da feira, porque, como vocês estão vendo, está muito ruim", acrescenta.

O espaço que abriga a Feira do Açaí é um dos mais movimentados do complexo, repleto de belenenses e de outros paraenses oriundos de diferentes partes do estado.  

O batedor Júnior Silva, 40 anos, começou a trabalhar com açaí aos 14. Atualmente, é proprietário de um ponto de venda do produto líquido no Conjunto Sideral, bairro do Coqueiro, em Belém. Das 100 latas que compra dos barqueiros, fica com 20 e repassa as 80 restantes a outros batedores. “Se não der pra viver do que eu vendo aqui, dá pra viver do ponto”, justifica, ao explicar que ganha R$ 10 em cada lata revendida. O lucro real só vem depois de pagar o transporte do produto, as embalagens, o salário de dois funcionários e o aluguel do ponto comercial.

image O "ouro negro da Amazônia" chegando à Feira do Açaí, na madrugada (Igor Mota / O Liberal)

Do outro lado do Ver-o-Peso, na Pedra do Peixe, João Gomes, 64, conhecido como ‘Homem-Aranha’, vê os barcos atracarem e descarregarem toneladas de pescado todas as madrugadas. Ele conhece esse movimento melhor do que muitos. "Trabalho com peixe há 56 anos. Quem nos dá aposentadoria é Jesus, que nos dá força", diz, entre risadas, enquanto negocia tambaquis com um cliente que avalia se vale a pena levar três quilos do pescado a R$ 8 cada em vez de apenas um por R$ 10.

Tanto na Feira do Açaí, quanto na Pedra do Peixe, a madrugada é frenética. Os produtos chegam diretamente das embarcações e passam de mão em mão até os clientes. O ‘Homem-Aranha’ vende entre 200 e 300 quilos por dia quando o movimento está bom, mas há semanas difíceis, quando a clientela diminui e as contas apertam.

"A gente trabalha pra comer. Tem que ter dinheiro pra comprar pelo menos o ovo. Deus é Pai e ajuda quem tem fé", afirma.

Ele chega ao mercado às 21h e, antes da meia-noite, já está na ativa.

image João Gomes, 64 anos, vendedor de peixe conhecido como 'Homem-Aranha' (Igor Mota / O Liberal)

Para além dos que vendem, há os que compram e fazem do Ver-o-Peso uma referência comercial. Mayra Reis, 33, empreendedora que mora em Quatipuru, na região nordeste do Pará, viaja a Belém duas vezes por mês para abastecer sua loja. "Venho aqui porque é mais barato e aproveito para tomar café e sentir o clima do mercado", conta, enquanto aguarda pelo preparo de uma tapioca com queijo acompanhada do café com leite.

Mayra trabalha com bolsas, bijuterias e artigos infantis. Uma bolsa que compra por R$ 65 pode ser revendida por R$ 100, garantindo seu lucro. Ela chega antes de as lojas do centro comercial abrirem.

"Cheguei às 6h da manhã e já tinha gente trabalhando há horas", observa.

A dinâmica do mercado exige essa organização. Enquanto os vendedores da Feira do Açaí e da Pedra do Peixe estão encerrando seus turnos, os comerciantes de outros setores estão apenas começando.

image Mayra Reis, 33 anos, empreendedora (Igor Mota / O Liberal)

Remanejado para uma área entre as bancas de frutas e o estacionamento, no setor de raízes, ervas medicinais e artesanato, o erveiro Josinaldo Coelho, 53, carrega a tradição da família. "Sempre tirei meu sustento daqui. Meu pai também. Agora estou aqui, criei meus filhos com esse trabalho", diz. 

As ervas medicinais do Ver-o-Peso são um capítulo à parte dentro do mercado. Ali, a sabedoria popular se mistura à crença e à tradição, atraindo clientes que buscam desde um chá para dores até garrafadas para sorte no amor. Josinaldo sente que o movimento não se compara ao registrado no lugar tradicional das ervas. "Não está muito bom, não. Está razoável. Mas dá para levar", comenta. Como tantos outros trabalhadores do mercado, ele aguarda a prometida reforma:

"O Ver-o-Peso está um caos. Essa reforma tem que sair logo. Vai melhorar, se Deus quiser".

image Josinaldo Coelho, 53 anos, erveiro (Igor Mota / O Liberal)

A atual reforma do Ver-o-Peso, orçada em R$ 63 milhões e iniciada em fevereiro de 2024, deve ser concluída até agosto deste ano como uma das obras de legado da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). A última grande revitalização do complexo foi feita em 2002. Os recursos foram obtidos via Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por solicitação da gestão municipal anterior.

Complexo do Ver-o-Peso

📍 Principais Unidades do Complexo  

1️⃣ Pedra do Peixe 🐟  

📌 Comércio livre de pescado por atacado durante a madrugada, direto das embarcações.  

2️⃣ Feira do Açaí 🍇  

📌 Venda do fruto in natura. Também há setores de refeições, farinha e hortifrutigranjeiros.  

3️⃣ Mercado de Ferro (Mercado de Peixe) 🎣  

📌 Comercialização de peixes na parte interna. Lojas de serviços na área externa.  

4️⃣ Mercado Francisco Bolonha (Mercado de Carne) 🥩  

📌 Venda de carne, além de setores de alimentação, artesanato e serviços.  

5️⃣ Solar da Beira 🎭  

📌 Espaço para eventos culturais, exposições e venda de artesanato.  

6️⃣ Feira do Complexo 🛍️  

📌 Comércio variado dentro do mercado.  

🛍️ Atividades Comerciais no Ver-o-Peso  

✅ Alimentação  

✅ Artesanato  

✅ Aves  

✅ Açaí  

✅ Ervas medicinais  

✅ Farinha  

✅ Ferragens  

✅ Frutas  

✅ Hortifrutigranjeiros  

✅ Importados  

✅ Industrializados  

✅ Lanches  

✅ Maniva  

✅ Mariscos  

✅ Mercearia  

✅ Polpa de frutas  

✅ Raízes  

✅ Plantas e Jardinagem  

✅ Tucupi

👥 Movimentação no Complexo  

👷‍♂️ Trabalhadores: aproximadamente 2.400 pessoas (permissionários e ambulantes).  

🚶‍♂️ Frequência: cerca de 20.000 consumidores passam diariamente pelo local.  

💰 Movimentação financeira: aproximadamente R$ 360 milhões ao ano.  

Horário de funcionamento: 24 horas por dia.

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