Três anos depois, Reforma da Previdência gera insatisfação em aposentados e pensionistas
Forma de cálculo do benefício é principal alvo de críticas
Aprovada há três anos, a Reforma da Previdência surgiu para dar alívio às contas públicas. A proposta de Orçamento para o próximo ano indica, por exemplo, que deve diminuir o peso do chamado déficit previdenciário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Em 2021, esse déficit representava 0,64% das riquezas produzidas no país, enquanto em 2023 deve ser equivalente a 0,49%. No sentido estritamente financeiro, os resultados são positivos para o governo, porém o tema ainda é objeto de controvérsias e críticas de quem é segurado ou pensionista.
Uma das principais alterações provocadas pela emenda constitucional nº 103, sancionada pelo atual presidente Jair Bolsonaro (PL), foi o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, que é de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres. No caso dos trabalhadores rurais, a idade mínima é de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Com isso, acabou o regime de aposentadoria por tempo de contribuição, que antes permitia a que homens e mulheres saíssem do mercado de trabalho após 35 ou 30 anos de contribuição, respectivamente, independentemente da idade.
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Outra mudança importante foi na forma de cálculo do benefício, que agora considera a média de todas as contribuições recebidas pelo trabalhador. Antes, as 20% mais baixas eram descartadas na conta. Também se fixou que, ao se aposentar, os segurados tem direito a 60% do valor do benefício integral, com acréscimo de 2 pontos para cada ano a mais de contribuição.
Na avaliação do advogado e vice-presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), Renan Bonfim, foi prejudicial para muitos trabalhadores. “Do ponto de vista social, a reforma foi um desastre. Ainda que fosse necessário uma reforma, não era nos termos e parâmetros que ela aconteceu. Ela piorou os riscos sociais que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) cobre com os benefícios que ele oferece”, diz ele que exemplifica como se dá esse impacto na remuneração.
“Considerando que o tempo mínimo de contribuição é de 20 anos para um homem, um trabalhador com 24 anos de contribuição, teria direito a apenas 68% daquilo que ele recebia. Se ele recebia R$ 5 mil, ele vai ter direito a 68% disso, ou seja, R$ 3.400”, pontua o advogado, que critica ainda a forma de cálculo para as pensões por morte. Hoje, o valor do benefício não corresponde mais a 100% do que era recebido pelo falecido, mas sim 60% para o viúvo ou viúva, com acréscimo de 10% por dependente, desde que seja menor que 21 anos.
“Isso significa que toda vez que um desses membros atingir a maioridade civil, a cota de 10% não é revertida em favor dos demais, então vai se reduzindo o valor do benefício”, esclarece Bonfim. Além disso, a Reforma da Previdência extinguiu a aposentadoria por invalidez, que hoje corresponde ao auxílio por incapacidade permanente. No entanto, este benefício não garante pagamento de 100% da média salarial, mas 60% mais 2% a cada ano extra de contribuição. Por outro lado, o auxílio por incapacidade temporária, que assegura a renda das pessoas em casos de acidentes de trabalho, por exemplo, o mínimo recebido pelos trabalhadores é de 91% da remuneração. Diante dessas contradições impostas pela nova regra, Renan Bonfim é taxativo: “As formas e bases de cálculo foram muito dantescas para os segurados”.
Sindicato diz que reforma piorou condição de vida dos aposentados
Segundo dados do INSS, o Brasil tem hoje cerca de 21,8 milhões de aposentados e para grande parte deles considera que a Reforma da Previdência é sinônimo de muitas dificuldades. Para o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que só no Pará representa mais de 12 mil associados, as alterações tiveram impacto sobretudo na renda familiar.
“A maioria dos nossos aposentados recebe um salario mínimo e ainda enfrenta dificuldade de retorno ao trabalho, por causa disso, a renda complementar ficou restrita. Outra questão é que os nossos aposentados são responsáveis pelas despesas da família, e isso causa um grande impacto quando se tem filhos desempregados, principalmente nessa situação difícil que o país está passando. Tem muitos aposentados que chegam aqui com baixa autoestima e nós oferecemos até atendimento psicológico. Isso tudo traz dificuldades gerais”, explica Francisco Ribeiro, diretor executivo nacional do Sindnapi-PA.
Além disso, Ribeiro diz que quem está em processo de aposentadoria demora a receber o benefício em razão das carências de atendimento nas agências do INSS, onde faltam recursos humanos e materiais para dar conta da grande demanda de beneficiários. Inclusive, no último mês, o informe do próprio instituto teria sido direcionado ao Ministério da Economia alertando para os prejuízos que os bloqueios orçamentários causariam em serviços essenciais. Diante disso, o Ministério do Trabalho e Previdência e o INSS vieram a público afirmar que não haveria interrupção dos serviços, apesar do menor repasse de recursos.
“Essa reforma não ajudou em nada, muito pelo contrário, só prejudicou e piorou a nossa situação”, afirma Fernando Ribeiro, que defende a revisão dessa medida no próximo governo. “A nossa expectativa é de que venham mudanças favoráveis para a nossa categoria, que venham suprimir todas essas perdas de direitos que aconteceram”. Ele destaca o desejo de revisão do fator previdenciário e a implementação de uma política de valorização do salário mínimo.
No âmbito jurídico, Renan Bonfim diz que já existem ações questionando a constitucionalidade das regras impostas pela Reforma da Previdência, porém, com decisões emitidas apenas em primeiro grau, sem previsão de julgamento nas cortes superiores. “Existem inúmeras ações buscando descaracterizar essas bases de calculo, que na minha opinião viola princípio da proibição de retrocesso social”, destaca o advogado.
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