Tendência é de racionamento das compras, diz presidente da Abras
Setor supermercadista diz que consumidor diversifica os canais de compras, inclusive o online, buscando a melhor relação custo-benefício
Em tempos de crise inflacionária e achatamento dos salários, o consumo aponta uma tendência clara de compras racionadas, redução da aquisição de supérfluos, opção por produtos mais baratos, compras planejadas e diversificação dos canais para a aquisição de produtos. A avaliação é de João Carlos Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados. Ele esteve na semana passada em Belém, participando da SuperNorte, cujo principal tema foi justamente a transformação do consumo no País.
Galassi assinalou que o setor vem diversificando e agregando serviços, com mais tecnologia, para melhor atender uma população mais longeva e investindo em uma logística mais ágil e menor para atender os clientes perto de onde vivem. No plano social, a Abras defende a chamada política do Best Before, que significa estender o prazo de validade de produtos para combater o desperdício de alimentos e otimizar o combate à fome. Ele também fala sobre a reivindicação do setor supermercadista de eliminação das alíquotas de impostos como ICMS, IPI, PIS e COFINS dos produtos da cesta básica, e ainda sobre a desoneração da folha de pagamento do setor, como forma de contribuir para ampliar o número de vagas de trabalho. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
1. A SuperNorte, em Belém, abordou o consumo em transformação, o que de imediato pode ser, observado com relação ao comportamento do consumidor, considerando desde as escolhas dos estabelecimentos para as compras, a seleção de produtos, forma de pagamentos e outras situações, já observadas pelo setor?
A principal constatação é de que o consumidor se orienta por jornadas diárias, semanais e mensais. Dependendo na necessidade, ocasião, disponibilidade de recursos e localização tem-se utilizado de 3 a 4 pontos de abastecimento para o consumo. Houve também uma redução do consumo fora do lar e de serviços considerados supérfluos. Há uma diversificação dos canais de compras, inclusive o online, buscando uma melhor relação custo-benefício. As idas ao ponto de vendas foram reduzidas e as compras estão mais planejadas. Os contatos foram ampliados graças aos meios digitais, ao social selling (busca de clientes) nas redes sociais, seja pelo website e aplicativos até em visitas às lojas. O consumidor também busca por embalagens em que o desembolso é menor, ou em que o desconto família aparece como destaque. Houve uma substituição de produtos por marcas mais baratas e aumento da busca por produtos de marcas próprias, aqueles produzidos ou etiquetados pelos próprios varejistas. Em algumas redes as marcas próprias chegam a representar cerca de 20% a 30% do consumo, com preços em média 15% menor do que as marcas líderes. Há uma tendência clara de racionamento das compras.
2. O que os supermercados devem ou já estão fazendo para agregar serviços que facilitem a vida do consumidor, considerando que a população tem uma longevidade maior?
Os supermercados estão incorporando canais digitais de relacionamento, vendas e atendimento das necessidades de informações e compras dos consumidores além de serviços nas lojas. Um exemplo é a alimentação saudável, que ganha cada vez mais espaço. O consumidor hoje tem a comodidade de realizar suas compras por e-commerce e receber em casa ou retirar na loja as compras feitas on-lie. As lojas estão ampliando o seu mix de produtos, para atender essa população com uma longevidade maior, principalmente com relação a produtos orgânicos e proteínas. Há abertura de vagas especificas nos estacionamentos e filas preferenciais, além de check-outs de alto atendimento. Os supermercados tem investido muito em tecnologia, olhando também essa tendência.
3. Até um tempo atrás, o setor (grandes redes) investia em minisupermercados para facilitar o consumo por bairros ou mesmo quadras próximas da casa das pessoas, essa ainda é uma tendência ou não?
Sim, cada vez mais, lojas menores e próximas aos consumidores. Os consumidores não se dispõem mais a se deslocar tanto, e realizar longas caminhadas entre estacionamento, corredores, caixas para se abastecer.
Hoje é uma realidade crescente, não só em minimercados, como também as lojas em grandes condomínios residenciais e comerciais e lojas containers. Os postos de combustíveis, que têm lojas de conveniências, estão ampliando essas lojas para fora dos postos, costumam ser chamadas de lojas de ruas.
4. Entre os pleitos da Asbras ao Congresso Nacional e ao governo federal, o senhor citou na abertura da SuperNorte, em Belém, o Best Before, expressão em inglês, que em tradução direta significa, 'o melhor antes'. Na ocasião, o senhor informou que esta ação foca no combate ao desperdício e deve modernizar o sistema de prazo de validade, estendendo a vida útil para um consumo, ainda assim, seguro de produtos. Na prática, como isso funcionará?
Ao ampliar a vida útil de comercialização dos produtos, menos será desperdiçado. O combate à fome é um dos grandes desafios do Brasil e do planeta. Apesar disso, segundo dados da ONU, no Brasil são desperdiçados 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. É importante pensar nas possíveis soluções para a diminuição desse grave problema. Como no âmbito supermercadista, a maior causa de desperdício é a perda do prazo de validade dos produtos, uma das soluções pensadas pela Abras é a implementação no Brasil da data de validade Best Before, movimento de estender prazos de validade. Essa data aponta que o alimento está seguro para o consumo, mesmo que algumas das características garantidas pela data de validade que hoje conhecemos não sejam mais as mesmas, como crocrância, aroma, textura e sabor. As indústrias, geralmente, colocam uma margem de segurança ao definir a data de validade de seus produtos, podendo chegar a 30 dias. Aumenta-se assim o prazo para a comercialização solidária e doação humanitária sem significar que o produto esteja impróprio para o consumo. Tal conceito já é adotado nos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e Canadá.
5. O senhor também destacou a importância da desoneração dos itens da cesta básica, cujo setor supermercadista já se beneficia com a isenção de impostos federais, mas o senhor enfatizou que o setor, em nível estadual, precisa eliminar os impostos que paga, A intenção é a de extinguir o ICMS? Além dele, há outros impostos neste pacote de eliminação?
As alíquotas de ICMS, IPI e PIS e Cofins incidentes sobre produtos alimentares que compõem a cesta básica devem ser eliminadas. Desde 2004, alguns itens, como feijão, arroz, pão, leite e queijos, já são isentos da cobrança de PIS/Cofins. Posteriormente, com a edição de uma Medida Provisória convertida em lei, em 2013, foi ampliado o rol de produtos desonerados com a inclusão de itens de higiene e limpeza. Outros alimentos foram beneficiados com a alíquota zero por meio de decretos. No total, a política de desoneração da cesta básica corresponde a 5,4% dos subsídios tributários federais.
A cesta básica é composta por produtos de consumo considerados indispensáveis à população brasileira e o preço de seus itens é fator essencial, pois impacta de forma relevante as camadas mais pobres da população. O ICMS é um tributo estadual, sendo tratado de forma diferente em cada estado. A Abras defende uma ação coordenada e unificada para que o ICMS seja zerado a nível nacional. Há estados que já reduziram a alíquota do ICMS a zero na venda de alguns itens da cesta básica, como arroz e feijão, mas há estados que adotam a alíquota reduzida, o que continua gerando um ônus pesado para o consumidor menos favorecido economicamente falando. Trata-se de medida essencial, especialmente considerando a inflação nos preços de alimentos e outros itens no último ano, que levou as famílias brasileiras a mudarem seus hábitos de consumo.
6. A Abras também reivindica a desoneração da folha, justificando que a medida aumentaria a criação de empregos no setor. Há projetos de lei em curso sobre isso? Se sim, há aprovações de alguma comissão da Câmara? Em que pé estão e o que segmento fará para materializar este pleito?
O setor supermercadista se destaca por ser uma das portas de entrada principais de muita gente para o mercado de trabalho. Ele oportuniza o primeiro emprego formal de muitos jovens. Isso acontece porque muitas das funções nos supermercados exigem pouco ou quase nenhum conhecimento específico.
Somos um dos grandes empregadores do Brasil. Em 2021 geramos 3 milhões de empregos diretos e indiretos. E queremos aumentar ainda mais esses números. Entendemos que a desoneração da folha de pagamento poderá colaborar nesse processo.
Não estamos trabalhando em nenhum projeto de lei sobre o tema, que ainda tem que ser amplamente discutido dentro do Poder Executivo e do Congresso Nacional. Trata-se de matéria complexa, já que o setor precisará de um tratamento diferenciado em relação ao modelo de desoneração já existente para outros setores, devido ao seu modo de funcionamento singular. Temos que buscar um modelo novo que estimule as contratações, mas sem onerar o consumidor final.
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