Sem taxação, varejo perderia 57% das vendas, estima economista da CNC; entenda o que muda
Felipe Tavares, economista chefe da CNC, defende que a taxação de importados garante competitividade justa e geração de empregos.
Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Felipe Tavares, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), fala sobre os impactos da taxação de produtos importados de até 50 dólares, analisado na última semana pelo Congresso. A entrevista foi concedida antes da aprovação, na última quarta-feira, do projeto que estabelece o tributo de 20% sobre as vendas, conhecida como "taxa das blusinhas", pelo Senado. Segundo Tavares, a medida visa corrigir uma distorção que beneficia empresas estrangeiras em detrimento das nacionais, gerando uma competição “desleal” que prejudica a geração de empregos no Brasil.
O economista afirma que, em um cenário de isenção da taxação, a diferença de preço do produto vendido por empresa brasileira, que importa legalmente, poderia chegar a mais de 100% em comparação com o mesmo produto vendido por uma empresa estrangeira. Sem a tributação adequada, a estimativa é de redução em até 57% do volume comercializado no varejo brasileiro, impactando negativamente na geração de emprego e renda.
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Tavares também aponta os efeitos da pirataria na economia brasileira, com perdas estimadas em até R$ 24 bilhões por ano. Do montante, cerca de R$ 4 milhões com impactos diretos aos cofres públicos, pela não arrecadação de impostos. “Esse número representa uma estimativa conservadora do dano econômico total. O valor real pode ser muito maior, considerando todos os prejuízos e danos adicionais, como a saúde”, diz o economista.
Confira a entrevista na íntegra
A CNC defendeu a taxação dos produtos importados de até U$ 50 em 20%, mas argumenta que esse é um primeiro passo porque o impacto da diferença de tratamento tributário entre empresas estrangeiras e brasileiras segue sendo agressivo. Qual o impacto disso para as empresas brasileiras?
O impacto é que você dá uma competitividade desleal para o empresário estrangeiro em detrimento do empresário nacional. Se acaba destruindo toda a base de geração de emprego e de salários dentro do país. Assim, o que a CNC defendeu não foi a simples taxação do consumidor; a gente nunca defende a taxação e o aumento de tributação num país que tem a tributação elevada. O que a gente defende é um ambiente justo de competição. Se um empresário for importar o produto de até U$ 50, nas vias legais para vender na sua empresa, ele vai conseguir gerar um preço final para o consumidor em torno de R$ 630. E por que ele gera esse preço? Porque ele tem uma carga tributária altíssima no processo de importação até virar produto final na prateleira.
E como essa carga tributária afeta a competitividade das empresas nacionais?
A gente entende como desleal porque você dá uma condição para a empresa estrangeira vender direto para o consumidor Nesse cenário, o consumidor só paga ICMS na importação direta. Com isso, o produto de R$ 250 seria vendido a R$ 290, aproximadamente, versus os R$ 630 da empresa brasileira. Essa é uma distorção de preço de mais de 100% do valor do produto. E aí, é desleal, impossível falar de competitividade, porque ninguém vai pagar o dobro pelo mesmo produto.
Quais seriam os efeitos dessa situação no varejo brasileiro?
Sem nenhuma tributação, a gente acredita em uma redução de até 57% de todo o volume comercializado no varejo brasileiro, embora sejam produtos de até uma certa faixa de preço. Tudo isso diminui a nossa capacidade de gerar emprego e renda. O efeito é perverso.
E quanto aos argumentos, Felipe, de que essa taxação pode prejudicar os consumidores mais pobres e desestimular os investimentos? Qual a opinião da entidade?
Isso é algo que a gente precisa esclarecer, porque é inclusive o ponto principal da defesa da CNC. O que a gente quer é garantir um ambiente de competição ao empresário que mais gera emprego no Brasil. E lembrando, quando a gente fala de quem mais gera empregos no Brasil, a gente está falando do setor de comércio e serviços, turismo, especialmente micro e pequenas empresas no país.
E como essa diferença de competitividade afeta a geração de empregos no Brasil?
Esse formato desleal de competição afeta diretamente a capacidade de gerar empregos, que atingem as populações mais pobres ou socialmente mais vulneráveis. A base de empregos de comércio e serviços é a estrutura básica de emprego da economia brasileira. Se esse empresário não tem condições para gerar emprego, esse consumidor não tem mais renda. E aí, pouco importa quanto vai custar aquela blusinha que ele vai importar, porque, custando R$ 250 ou R$ 600, com ele desempregado, não existe compra. O efeito aqui, embora às vezes pareça que você quer tributar mais o consumidor, não é esse. A preocupação é dar um ambiente de competição digno para que a gente consiga garantir emprego e renda para a população consumir os seus bens. Sem emprego nada funciona.
Quais são os desafios para atrair investimentos no Brasil sob essas condições?
Esse é um cenário ainda mais sensível porque você precisa fazer vendas, ter um negócio próspero para gerar emprego e investir, ou seja, crescer esse negócio para que através desse crescimento você gere mais empregos ainda. Esse é um círculo virtuoso. A economia brasileira é escassa de investimentos, a gente investe pouco. Hoje, o Brasil tem um investimento muito aquém do que deveria ter, com algo em torno de 19% do PIB. A gente precisaria de muito mais para conseguir fazer o país crescer. E por que a gente investe pouco? Porque é difícil prosperar negócios. E por que é difícil prosperar negócios? Porque a tributação é elevada, porque o assédio das empresas estrangeiras é desleal nas empresas brasileiras. Ou seja, o ambiente brasileiro de negócios é complexo. O “custo Brasil” é de R$1,7 trilhões.
Além da regulamentação da reforma tributária, quais são os outros projetos no Congresso que a CNC avalia como sendo prioritários?
É até difícil listar aqui para o Brasil. A gente tem mais de dois mil projetos que a gente acompanha na CNC. Quanto aos temas, a gente precisa endereçar urgentemente o custo de capital das empresas brasileiras e do consumidor brasileiro.
A CNC defende a diminuição dos juros para beneficiar as empresas?
A CNC defende políticas que sejam benéficas à diminuição de juros, tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, porque o crédito é o motor fundamental para essas compras. A gente precisa desburocratizar negócios, tornando mais fáceis os procedimentos de abertura de empresa e recuperação judicial, para que os negócios fiquem mais ágeis e eficientes no Brasil. E a gente precisa buscar reformas estruturais que fomentem o investimento.
Quais são os setores que poderiam ser mais beneficiados com essas reformas estruturais?
Como a reforma tributária pode ser um grande avanço se a gente regulamentar direito, a reforma administrativa é uma grande prioridade para a CNC, porque se a gente não diminuir o tamanho da máquina pública, a gente realmente oferta riscos macroeconômicos e dificuldades para financiar toda essa estrutura com os impostos que já são elevados. Além disso, precisamos melhorar a estrutura do setor aéreo brasileiro, trazendo maior concorrência e mais oferta de voos para dinamizar todas as regiões menos tradicionais de negócios. Para desenvolver o Norte e Nordeste você precisa de logística, estradas, aeroportos. Em algumas localidades, você depende do turismo para gerar negócios. O comércio se beneficia muito do giro de turistas que vão para aquela região. Esses setores estão muito interligados.
Dentro do mercado ilícito, entre eles a pirataria, como isso afeta a economia do país, em especial os setores do comércio e serviços?
A pirataria destroi grande valor gerado na economia brasileira, porque não é só a distorção na divisão do volume de vendas que você vai ter naquela região ou para aquele varejista. O efeito direto é muito nocivo, mas há externalidades negativas que agravam ainda mais o problema, como o risco à saúde ao se consumir produtos não adequados. Além disso, a insegurança jurídica impede a preservação de direitos à propriedade intelectual e valores intangíveis dentro de investimentos e programação das empresas. As marcas pensam duas, três vezes antes de posicionar um produto no Brasil, porque, se aquele produto cai em gosto popular, como quando um jogador de futebol o utiliza, ele aparece no mercado ilegal do dia para a noite em um volume assustador. Isso destroi o valor de mercado das próprias empresas. Todo mundo avalia com cautela antes de iniciar negócios no Brasil por causa dessa distorção e do mercado paralelo que surge. E tirando toda a criminalidade fomentada, como os roubos de carga, esses efeitos negativos da pirataria são muito danosos para o setor de comércio e serviços.
Em números, qual seria esse prejuízo para o setor do comércio e serviços?
Toda a cadeia produtiva brasileira pode perder em torno de R$ 20 bilhões por ano devido à pirataria. Não falamos apenas de comércio, mas de efeitos gerais que impactam tanto a indústria quanto o comércio. Além disso, temos um impacto significativo nos cofres públicos, com estimativas indicando uma perda de arrecadação entre R$ 3 e R$ 4 bilhões em impostos. É importante lembrar que essas estimativas são difíceis de lidar, pois há efeitos que não são precificados, como os impactos na saúde. A pirataria de cigarros, por exemplo, é um problema estudado há muito tempo na economia, com um efeito devastador para a saúde pública, aumentando os custos do SUS. Esses R$ 23 ou R$ 24 bilhões representam uma estimativa conservadora do dano econômico total. O valor real pode ser muito maior, considerando todos os prejuízos e danos adicionais.
Qual a avaliação que a CNC faz em relação aos empregos gerados neste ano para o setor e qual a perspectiva até o final de 2024?
Hoje, o setor de comércio e serviços é o segundo maior empregador da economia brasileira. Nós estamos crescendo. Neste ano, já registramos um crescimento de cerca de 2% entre janeiro e abril. Lembrando que a economia brasileira como um todo cresceu aproximadamente 2,11%. No geral, entre janeiro e abril, o comércio e serviços gerou um saldo líquido de mais de 125 mil empregos. Na variação de 12 meses, também somos o segundo setor que mais gerou empregos na economia, com um crescimento em torno de 4%. Portanto, o setor cresce forte, e temos a expectativa de manter esse crescimento em torno de 4% na base geradora de empregos para 2024. Lembrando que, para isso acontecer, todos os condicionantes macroeconômicos precisam se manter favoráveis, incluindo a perspectiva de queda de juros e melhorias na atividade econômica.
Qual o recorte para o estado do Pará nesse cenário?
No geral, entre todos os setores, no Pará, foram gerados 7.300 empregos neste ano, com um crescimento do comparativo do mês anterior de 0,77% e de 1,77% no ano, entre janeiro e abril. Comparando abril de 2024 com abril de 2023, o Pará cresceu 5,22% na sua geração de empregos. Ou seja, é um estado que apresenta um crescimento robusto nos últimos meses.
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