Piso da enfermagem: repasse ao Norte é cerca de R$ 330 milhões menor que o necessário, diz pesquisa

Como 74% dos profissionais de enfermagem recebem abaixo do piso, transferência deveria ser de R$ 955,5 milhões, e não de R$ 626,2 milhões

Elisa Vaz
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O repasse de R$ 626,2 milhões destinados pelo Ministério da Saúde à região Norte para complementar o gasto extra com o piso da enfermagem está R$ 329,3 milhões abaixo do necessário, segundo estudo realizado pela LCA Consultoria, encomendado pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde). A lei que libera R$ 7,3 bilhões para todo o Brasil foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada na sexta-feira (12) no Diário Oficial da União (DOU).

No mesmo dia, a Pasta divulgou uma portaria definindo os critérios para a transferência dos recursos a mais de 5,5 mil municípios e para as 27 unidades federativas, por meio de crédito especial para o Fundo Nacional de Saúde (FNS), em que serão complementadas as despesas de rede própria e conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo as entidades filantrópicas.

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Considerando que 74% dos profissionais de enfermagem que trabalham no Norte recebem valores inferiores ao novo piso da categoria, a região deve receber R$ 626,2 milhões para complementar o pagamento, feito por Estados e municípios. A LCA aponta, no entanto, que, na região, dos 82,6 mil profissionais que atuam na área de enfermagem, 61 mil têm remuneração abaixo do piso e, portanto, seria necessário um montante de 955,5 milhões para garantir o pagamento nos sete Estados da região, com um aumento salarial médio de 39%.

Comparativo

Quando se compara com outras regiões, o Norte tem um valor bem abaixo de repasses. A maior transferência fica com o Sudeste, que possui quatro Estados, somando o montante de R$ 2,79 bilhões, que equivale a 38,25% do total a ser transferido pelo Ministério da Saúde a todo o país. Apesar disso, o percentual de profissionais de enfermagem que recebem abaixo do piso na região é menor: 63%. Na comparação com o Norte, a região receberá recursos 4,4 vezes superiores. Minas Gerais sozinho, por exemplo, terá direito a quase o dobro de auxílio que o Norte inteiro receberá - um total de R$ 1,11 bilhão.

Para a divisão, foram considerados alguns critérios, como os perfis econômico e regional das cidades. A portaria cita que o cálculo dos valores a serem transferidos aos Estados, municípios e Distrito Federal considerou a disponibilidade orçamentária e financeira; o indicador de participação relativa do ente federado no esforço financeiro total de implementação dos pisos da enfermagem, estimado a partir da base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais); e o fator de redistribuição e correção de desigualdades entre os entes federados.

Além disso, o texto diz que o rateio foi calculado de forma que todos os municípios fossem contemplados com o repasse. “Para os 128 municípios que não tinham dados de profissionais na Rais e para os 148 municípios que tiveram impacto zero, isto é, pagam o piso estabelecido pela legislação, foi imputada a mediana do valor recebido por um município similar, ou seja, de mesmo porte demográfico e na mesma região de saúde”, ressalta a portaria.

Para chegar ao valor a ser repassado para cada município, foram considerados os municípios com base: no Produto Interno Bruto (PIB) per capita; no porte (0 a 25 mil; 25 a 50 mil; 50 a 100 mil; 100 a 250 mil; 250 a 500 mil; 500 a 1 milhão; acima de 1 milhão); e na classificação por Unidade da Federação, região e região de saúde.

Crítica

Segundo a presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Pará (Coren-PA), Danielle Cruz, muitos gestores municipais e estaduais não apresentam dados atualizados na Rais e, por isso, não receberão os valores corretos. “O estudo do Ministério da Saúde foi com base na Rais, e muitos municípios não informam, não lançam o quantitativo certo. Claro que isso vai impactar no repasse. Outros municípios informam corretamente e devem ganhar mais”, declara.

A representante da categoria ainda diz que os gestores deveriam ter se preparado e se adaptado ao novo valor, já que a lei do piso da enfermagem foi aprovada ainda no ano passado. Em setembro, a lei chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Luís Roberto Barroso concedeu uma liminar suspendendo o piso até que o Executivo e o Legislativo viabilizassem as fontes de custeio. A medida cautelar segue em vigor.

“A qualquer momento íamos derrubar isso. Queriam fonte de custeio, conseguimos fonte de custeio, agora tem que entrar na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e os parlamentares têm que lançar isso nos municípios e no Estado. Os efeitos do piso estão suspensos, mas a lei não, e algumas cidades e Estados já até estão pagando. Agora, com a fonte de custeio e com a portaria do Ministério da Saúde, estamos recorrendo ao STF para revogar a liminar”, adianta.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Pará (Sindsaúde-PA), Miriam Andrade afirma que a grande parte dos municípios paraenses ainda não paga o piso e que já existe negociação com o governo do Estado e com a Prefeitura de Belém. A reportagem solicitou nota às duas administrações públicas sobre a previsão de pagamento, mas apenas a estadual respondeu, por meio da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa).

Em nota, a entidade afirmou que enviou as informações para a Rais no mês de março deste ano e que o governo do Estado está realizando levantamento de dados para "cumprir o que for determinado e seguirá todas as orientações do Ministério da Saúde". "A Sespa aguarda a publicação dos valores a serem transferidos a cada entidade. Até o momento, esta informação não foi publicada no site do Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde", diz o texto.

Miriam concorda com Danielle e diz que a culpa dos baixos repasses às cidades do Pará é dos gestores. “O dinheiro que foi para cada cidade não daria para cobrir o piso, mas isso é responsabilidade de gestão. Quando o Ministério da Saúde fez o levantamento financeiro, foi em cima dos dados que o Ministério tem, e, se não dá para cobrir, é porque a Prefeitura não atualizou o cadastramento dos profissionais, e nas cidades há grande rotatividade de trabalhadores por falta de concurso público”, detalha. Miriam pede desculpa pela expressão, mas pontua: “Vamos ter o piso garantido, se não for por negociação, na porrada, com greve, mas vão ter que pagar”.

A reportagem ainda entrou em contato com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), mas a entidade encaminhou uma nota técnica, dizendo que “o valor sancionado não paga um terço do piso dos profissionais de saúde que atuam nos municípios”. Estimativas da entidade mostram que o impacto do piso apenas às cidades será de R$ 10,5 bilhões neste ano.

As transferências aos Estados, Distrito Federal e municípios pelo Ministério da Saúde, no exercício de 2023, devem ser feitas em nove parcelas, transferidas mensalmente a partir de maio de 2023, com repasse de duas parcelas no mês de dezembro.

Empresas

A maior dificuldade, segundo a presidente do Sindsaúde-PA, é com as entidades privadas. “O mesmo empresário que não tem dinheiro para pagar o piso tem dinheiro para construir um hospital. Vai ter uma série de pressões para não pagar, mas vão ter que pagar”, afirma. Já Danielle diz que os “estabelecimentos privados sempre lucraram com os trabalhadores de enfermagem e quem lucra não quer abrir mão. Mas não é o piso da enfermagem que vai fechar as instituições, os empresários da saúde se tornaram grandes bilionários nesta pandemia e não olham para a valorização dos profissionais”.

Em entrevista à reportagem do Grupo Liberal, o Presidente da CNSaúde e do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Pará (Sindesspa), Breno Monteiro, avaliou que os entes públicos e filantrópicos têm um complemento repassado pelo Ministério da Saúde, mas as empresas privadas, não. “Os particulares não têm nenhuma verba que possa garantir qualquer aumento. O pleito da Confederação é que se mantenha a liminar suspendendo a medida até que se encontrem as fontes suficientes para o pagamento”.

Valores destinados aos Estados do Norte

  • Pará: 265.906.825,86
  • Amazonas: 139.567.408,88
  • Tocantins: 80.944.597,62
  • Rondônia: 55.302.281,80
  • Amapá: 41.186.632,16
  • Acre: 26.992.329,98
  • Roraima: 16.350.045,79

Total: 626.250.122,09

Comparação dos repasses entre as regiões

1º Sudeste: R$ 2.792.523.554,31

2º Nordeste: R$ 2.735.690.022,57

3º Sul: R$ 793.360.852,56

4º Norte: R$ 626.250.122,09

5º Centro-Oeste: R$ 352.175.448,47

Fonte: Ministério da Saúde

Trabalhadores que recebem abaixo do piso

No Norte: 61 mil (74%)

No Brasil: 887,5 mil (69%)

Outras regiões:

Nordeste: 84%

Sul: 66%

Centro-Oeste: 65%

Sudeste: 63%

Fonte: LCA Consultoria

Novo piso da categoria

Enfermeiros: R$ 4.750

Técnicos de enfermagem: R$ 3.325

Auxiliares de enfermagem: R$ 2.375

Parteiras: R$ 2.375

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