‘Recuperação judicial’ da Gol: não é momento para alarde, diz advogado sobre impacto aos passageiros
O objetivo do processo, que está correndo nos Estados Unidos, é reestruturar a operação da empresa, mantendo atividades em funcionamento
A entrada da companhia aérea Gol no chamado “Chapter 11”, nos Estados Unidos, processo similar ao de recuperação judicial no Brasil, pode impactar os consumidores do Pará, mas não há motivos para alarde no momento. Segundo o advogado Brahim Bitar, esta medida judicial é um mecanismo por meio do qual empresas em dificuldades buscam a renegociação do seu endividamento e a captação de investimentos, com o objetivo de reestruturar sua operação, pensando tanto na manutenção das atividades como em uma maior eficiência no longo prazo.
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Sócio de resolução de disputas de um escritório de Belém, o especialista diz que o procedimento é similar à recuperação judicial no Brasil, que é regulada pela Lei nº 11.101/2005. “As principais diferenças entre ambos estão no campo financeiro e empresarial. Pela maior maturidade (a Lei Estadunidense é da década de 1970, e a do Brasil é de 2005), o Chapter 11 dos EUA é considerado um processo mais transparente, seguro e rápido, além de contar com um maior engajamento dos credores e dos estímulos econômicos”, detalha.
Nos dois casos, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, há regras similares, como cita a advogada especialista em direito do consumidor Fernanda Amorim. De acordo com ela, em ambos os países o objetivo do processo é a reestruturação de empresas e, durante o período, a companhia continua a operar sob a gestão de seus executivos, mas sob supervisão. Tanto no Chapter 11 como na recuperação judicial, a empresa precisa apresentar um plano detalhando formas para liquidar as dívidas e continuar operando.
Impacto ao consumidor
Enquanto o procedimento corre na Justiça, os passageiros podem ver mudanças nos serviços prestados, alerta Fernanda, mas, geralmente, a empresa busca manter a continuidade operacional. “Os passageiros podem ter seus direitos afetados, como voos cancelados, alterações nas políticas de reembolso e possíveis mudanças nos programas de fidelidade”, afirma.
É possível, inclusive, que durante esse processo de reorganização, a Gol revise ou renegocie contratos, diz ela, o que pode impactar os serviços oferecidos aos passageiros. A advogada ressalta ainda que os clientes podem enfrentar desafios em termos de reembolso por voos cancelados ou alterações nos itinerários, além de mudanças nos programas de fidelidade, como a desvalorização de pontos ou milhas.
Por isso, os passageiros devem ficar atentos às comunicações da empresa e anúncios oficiais. Caso se sintam lesados de alguma forma, Fernanda indica que os clientes verifiquem as políticas da companhia e mantenham contato direto com a Gol; documentem tudo, guardando registros de todas as comunicações, incluindo e-mails, mensagens e chamadas telefônicas; considerem assistência legal; e recorram a órgãos de defesa do consumidor.
Já Brahim não vê necessidade de alarde e preocupação excessiva neste momento. “O recente pedido de ‘recuperação judicial’ da Gol não implica imediatamente qualquer interrupção ou modificação das suas atividades ou obrigações, o que significa que as passagens e os serviços contratados no Brasil continuam válidos, devendo a companhia aérea seguir normalmente suas atividades. Caso qualquer consumidor se sinta lesado em algum produto ou serviço contratado, poderá acionar normalmente os canais de negociação e, se entender necessário, também a via judicial”, aponta o advogado.
Em nota enviada à reportagem, a Gol afirmou que “o anúncio feito ontem não interfere em nada na operação de voos”. “A Gol seguirá oferecendo serviços de viagens aéreas seguras, confiáveis e a baixo custo, proporcionando a melhor experiência aos clientes, que poderão organizar suas viagens da forma que sempre fizeram”, continuou, no release divulgado. Mas, Fernanda Amorim enfatiza que isso vai depender das decisões das autoridades, contratos e acordos, reputação e recursos financeiros. A companhia atende, no Pará, as cidades de Belém, Santarém, Marabá e Carajás.
Trâmite pode demorar anos
Não há uma previsão do tempo que essa medida pode durar para a Gol, mas, nos Estados Unidos, todo o processo tende a ser mais célere, segundo Brahim. Um caso parecido citado pelo advogado é o da Latam Airlines, que já passou pelo mesmo procedimento do Chapter 11 nos EUA, com início em maio de 2020 e término oficial em novembro de 2022, durando, portanto, cerca de dois anos e meio.
“Durante e mesmo depois do encerramento do procedimento, não houve grandes transtornos para consumidores e a reorganização empresarial permitiu à companhia alcançar novos destinos e linhas. Ou seja, o serviço de modo geral aumentou. É importante perceber que, como uma companhia aérea, um dos principais ativos dessas empresas são as passagens e serviços congêneres vendidos a consumidores, de modo que elas tendem a privilegiar todos os seus esforços para a manutenção e satisfação desses clientes. O esperado é que a Gol faça o mesmo”, opina.
Legislações não se misturam
Mesmo que a Gol esteja fazendo esse processo nos Estados Unidos, os direitos e garantias dos consumidores brasileiros continuam regidos pelas leis brasileiras, de acordo com o advogado Brahim Bitar. Assim, ainda que neste momento haja muita especulação e desconfiança, a legislação consumerista brasileira permanece vigente e eficaz para tratar das operações de transporte realizadas localmente. A interação entre as jurisdições é, sobretudo, no campo financeiro com fornecedores e outros credores operacionais, diz ele.
Fernanda concorda que as legislações se separam. Se a Gol estiver sujeita a processos nos Estados Unidos, as leis de proteção ao consumidor daquele país podem oferecer certos direitos e proteções aos passageiros, o que pode incluir regras sobre reembolsos, compensações por atrasos ou cancelamentos de voos, entre outros. Já no caso do Brasil, as leis locais também teriam impacto na situação. Os passageiros da Gol, portanto, estariam protegidos pelas leis locais em relação a questões como informações claras sobre os serviços, segurança e qualidade do serviço prestado.
O principal conselho de Brahim é manter a calma. “O pedido de Chapter 11 nos EUA não implica qualquer mudança imediata das obrigações da companhia aérea para com consumidores brasileiros. Qualquer mudança será supervisionada pelo Tribunal estadunidense e pelos órgãos de controle brasileiros”, lembra. Em todo caso, ele diz que o acesso à Justiça permanece uma garantia brasileira para situações de lesão ou ameaça a direitos.
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