'Não é possível expandir a visão para o futuro sem saber de onde viemos’, diz Cristina Vasconcelos

Em entrevista ao Grupo Liberal, a superintendente do IPHAN, Cristina Vasconcelos, destaca a importância do restauro de marcos da cidade, como o Complexo Feliz Lusitânia, a Igreja da Sé, o Forte do Castelo e a Casa das Onze Janelas.

Gabi Gutierrez

A preservação do patrimônio histórico e cultural de Belém é uma prioridade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), especialmente com a aproximação da COP 30. Em entrevista ao Grupo Liberal, a superintendente do IPHAN, Cristina Vasconcelos, destaca a importância do restauro de marcos da cidade, como o Complexo Feliz Lusitânia, a Igreja da Sé, o Forte do Castelo e a Casa das Onze Janelas. Essas iniciativas não só preservam a rica história de Belém, mas também preparam a cidade para receber uma audiência internacional durante o evento, reforçando a importância de conciliar desenvolvimento urbano com a preservação cultural.

A superintendente reforça que a preservação da história é fundamental não apenas para a identidade local, mas para a compreensão global da ancestralidade e planejamento futuro. Segundo ela, este enfoque não só promove o valor cultural de Belém, mas também fortalece a visibilidade da cultura paraense em um cenário internacional, com a COP 30 atuando como um catalisador para a valorização do patrimônio cultural da cidade. Cristina enfatiza: "Preservar é necessário, porque a gente não consegue expandir a visão para o futuro se não soubermos de onde viemos."

Ainda fala sobre o equilíbrio entre modernidade e preservação cultural de Belém. Cristina acredita que a cidade tem uma oportunidade única de destacar sua riqueza cultural enquanto enfrenta desafios contemporâneos. A superintendente ressalta que, à medida que a cidade se moderniza para atender às demandas do evento, é essencial manter um compromisso firme com a preservação de seu patrimônio material e imaterial. A integração desses esforços pode não apenas enriquecer a experiência dos visitantes, mas também “garantir que as tradições e a história local sejam valorizadas e respeitadas em um contexto global”.

Leia a entrevista na íntegra:

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desempenha um papel fundamental na preservação do patrimônio histórico e cultural do Brasil. Quais são os principais desafios que o IPHAN tem enfrentado no restauro de lugares históricos em Belém? Como essas obras contribuem para a preservação da memória do povo de Belém?

Cristina Vasconcelos: Primeiro, precisamos contextualizar o que é o Iphan. O Iphan é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, e nossa missão é a preservação, valorização e salvaguarda dos bens culturais materiais, imateriais, arqueológicos e ferroviários. Falar das ações do Iphan é ressaltar a importância da preservação da nossa história. Cuidamos tanto das estruturas físicas, como prédios antigos e igrejas, quanto daquilo que está inserido em cada um de nós: o nosso DNA cultural. Isso inclui formas de saber, fazer, festejar e celebrar, além do patrimônio arqueológico que descobrimos em escavações, revelando as origens do nosso povo e cultura. Trabalhamos também com a educação patrimonial, pois entendemos que, para preservar, é preciso conhecer e valorizar nossa história.

Esse é o grande papel do Iphan, principalmente agora, com a chegada da COP-30. Queremos que a população se empodere dos seus bens patrimoniais e se orgulhe da sua história. Trabalhamos com várias frentes dentro da cidade de Belém.
Belém é uma cidade tombada, com um centro histórico que cobre boa parte de onde a cidade começou. Temos o Feliz Lusitânia, que é um marco inicial de onde a cidade nasceu, incluindo a Igreja da Sé, o Forte do Castelo e a Casa das Onze Janelas. Além disso, a área do Ver-o-Peso, que é um dos maiores cartões postais da cidade, também é tombada. No Complexo Feliz Lusitânia, estamos realizando o restauro da Igreja da Sé, começamos a reforma do Forte do Castelo e em breve iniciaremos o trabalho na Casa das Onze Janelas. Essas obras são fundamentais para que possamos preservar a história de Belém e oferecer uma recepção adequada para quem visita a cidade. A restauração da área do Ver-o-Peso é uma demanda antiga do povo de Belém e do Pará, e com a COP-30, a intensificação e potencialização dessas obras se tornam ainda mais significativas, pois além de turistas, receberemos lideranças mundiais para discutir questões ambientais, destacando a importância de nosso patrimônio cultural.

A realização da COP 30 em Belém traz um foco global para a cidade. Como o evento pode impulsionar o trabalho do IPHAN na preservação e revitalização dos bens culturais de Belém, e como isso pode impactar a percepção internacional da cultura paraense?

Com a vinda da COP-30, a revitalização dos bens culturais de Belém ganha uma nova dimensão. O evento intensifica a necessidade de mostrar não apenas nossas questões ambientais, mas também o nosso rico patrimônio cultural. A COP-30 oferece uma oportunidade para destacar a importância da preservação cultural juntamente com os desafios ambientais que a cidade enfrenta. Isso fortalece ainda mais a cultura paraense e reforça a importância de preservar e valorizar nossos bens culturais para um público global. O evento potencializa o trabalho do IPHAN e destaca a riqueza cultural de Belém para o mundo, contribuindo para uma maior valorização e conscientização sobre a nossa herança cultural.

Poderia nos contar mais sobre os bens materiais e imateriais que estão sendo salvaguardados pelo instituto na cidade e no estado? Como o processo de registro e salvaguarda dessas tradições culturais tem sido conduzido?

O que o IPHAN salvaguarda, o que ele tenta manter, são os bens que nós já temos registrados. Assim como temos os bens tombados, que são os bens materiais, nós temos os bens registrados, que são os bens imateriais. E o que são os bens imateriais? São aquilo que a gente chama de forma de fazer, são manifestações culturais, festividades. Hoje, nós temos dentro do IPHAN sendo salvaguardados o carimbó, a capoeira. Temos também a festividade do Círio de Nazaré e a festividade do Glorioso São Sebastião, que acontece no Marajó. Essa última está passando por estudos de revalidação porque já completou dez anos de registro.

E é importante destacar que o IPHAN não dita as regras de como a cultura deve caminhar. Nosso papel é apenas acompanhar e mediar, garantindo que o conhecimento cultural seja repassado de geração em geração. Não queremos que chegue o momento em que as pessoas se esqueçam, por exemplo, de como se faziam os atabaques, ou de como se batiam os curimbós, no carimbó. Então, o importante é que o conhecimento seja transmitido.

A Marujada chega à etapa final do estudo para registro. Como foi o processo de estudo para que chegasse a esse ponto e qual é o impacto desse reconhecimento para a preservação dessa tradição no estado?

É gratificante dizer que estamos na etapa final do estudo para registrar a marujada do Pará como patrimônio cultural brasileiro. Nós temos várias instâncias dentro do IPHAN para que um bem se torne patrimônio registrado ou tombado. No caso do patrimônio registrado, o processo começa com uma solicitação de estudo de registro. A superintendência local realiza estudos técnicos, vai a campo, ouve as pessoas, e coleta informações para formar um dossiê e um inventário, que são então enviados para Brasília. Lá, o conselho consultivo, que é o órgão máximo, vai analisar o que vem das superintendências e decidir se o bem pode ser registrado nacionalmente ou não”.

No caso da marujada, em setembro deste ano, ela esteve no conselho consultivo para, provavelmente, se tornar um patrimônio cultural brasileiro. Esse reconhecimento abre muitas portas para políticas públicas que garantam a preservação dessa cultura de geração em geração. O estudo da marujada foi muito interessante, porque, inicialmente, acreditava-se que ela estava restrita à região de Bragança. Mas, à medida que avançamos, encontramos a manifestação em outros municípios, como Ananindeua. Então, esse será um registro amplo, e estamos felizes em saber que um patrimônio cultural nacional vai sair daqui do Pará. O reconhecimento da marujada como patrimônio cultural é uma notícia maravilhosa para a cultura paraense, especialmente considerando a importância de manter vivas essas tradições.

Como você vê o futuro de Belém e do Pará em termos de preservação de seu patrimônio cultural, tanto material quanto imaterial, especialmente à medida que nos aproximamos de eventos globais como a COP 30?

Preservar é necessário, porque a gente não consegue expandir a visão para o futuro se não soubermos de onde viemos. Fazer esse equilíbrio entre modernidade e história é essencial para entendermos o caminho que queremos seguir. A preservação da nossa história é necessária para todos, não só para o Pará, mas para o mundo, para que possamos entender nossa ancestralidade e, a partir daí, planejar o futuro. Eu só tenho a agradecer por esse espaço para falar sobre isso.

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