Mercado erótico fatura alto com a reclusão das pessoas na pandemia
Dados de 2021 dão sinais de que ainda há fôlego para mais faturamento
A pandemia afetou fortemente muitos setores da economia, mas um deles viu as vendas dispararem ao longo de 2020: o mercado erótico. A venda de produtos e brinquedos sexuais, por exemplo, teve um faturamento de R$2 bilhões no Brasil, alta de 50% em relação a 2019, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme).
Os dados de 2021 dão sinais de que ainda há fôlego para mais: A Fun Factory, marca alemã de vibradores, teve crescimento de 40% em vendas no ano passado, e o faturamento dos cinco primeiros meses de 2021 já é o dobro do registrado no mesmo período ano passado - a demanda foi tanto que a empresa decidiu aumentar as operações no Brasil.
O isolamento social ajudou: ociosos em casas, muitos casais precisaram se suportar por mais horas que o normal. E com poucas opções de diversão, a busca por novas experiências na cama fez as vendas on-line de sex shop dispararem. Mas mesmo antes da pandemia, muitas pessoas tímidas já optavam por comprar os brinquedos via internet. Alessandra Almeida e o marido Roberto Almeida perceberam isso em 2004, quando abriram a loja virtual deles.
"Eu sou uma pessoa muito introvertida, que tinha vergonha de entrar em sex shop. Na época, fiz o que eu gostaria que fizessem para mim: um site onde as pessoas pudessem comprar produtos eróticos, sem nenhum contato com ninguém. A maioria das pessoas não tem mais tanta vergonha como tinham antigamente", conta Roberto. O que ele tem de introvertido, porém, a esposa Alessandra tem de extrovertida. Ela mergulhou de cabeça no negócio.
"As pessoas tinham aquela vergonha cultural ainda na época. Eu era gerente de comércio de ferro e quando ele teve a ideia, vim trabalhar com ele. Ele é da área da informática. Encaixou. Fui também apresentando o tema para ele. Desde 1998 faço cursos relacionados a sexualidade, desde massagem a striptease, chairdance, para ajudar a minha autoestima. Três anos depois, abrimos a loja física", conta ela, que ganhou fama na internet dando dicas para os clientes que a acompanham há mais de uma década.
Ela faz parte dos 76% de mulheres que comandam negócios similares no país, segundo estudo do mercadoerotico.org. "Acho que mulher é mais detalhista. Homem é mais prático. Mulher gosta de tudo mais arrumado, dá mais atenção, até para o atendimento elas [as clientes] preferem serem atendidas por mulheres", avalia Alessandra.
Público diverso
O público do estabelecimento do casal é muito diverso, com a maior parte sendo heterossexuais entre 20 e 40 anos. Alessandra conta que a pandemia não afetou o negócio e que a experiência deles com vendas on-line os ajudou a passar por 2020. Além deles, a loja tem outras quatro funcionários, um diferencial do estabelecimento segundo Alessandra, já que eles ajudam os clientes novatos a desbravar um universo paralelo de próteses, chicotes, anéis penianos e plugues anais.
"Tem gente que fica aqui de olho arregalado observando cada canto antes de finalmente falar alguma coisa. Logo percebo que estão vindo pela primeira vez. Esse atendimento com orientação é fundamental, pois explicamos os materiais, as funções, fazemos a demonstração. Fazemos questão que eles tirem todas as dúvidas antes, para não ficarem frustrados ou traumatizados depois", conta Alessandra, enquanto um cliente adentra o local buscando as famosas bolinhas Twister, que explodem durante o sexo.
Outros atrativos também fizeram o negócio prosperar: o paredão de vibradores da sex shop mede cinco metros e conta com variações de todos os tamanhos e cores, alguns em formato de batom, outros que brilham no escuro como uma discoteca. Não a toa, é o maior sucesso de vendas do local. Apesar de estar em plena avenida José Malcher, o negócio preza pela discrição: as compras são levadas em sacolas pretas, as entregas feitas em pacotes dos Correios, e as notas fiscais não revelam o nome do local.
"O mercado já teve alguns altos e baixos, mas acredito que hoje ele está estável. Belém é uma cidade conservadora na superfície, mas hoje as pessoas se preocupam muito mais com o próprio prazer. Antes, não se lia muito sobre o assunto. Tem de tudo para melhorar a nossa vida sexual. Tem gel para tudo, para melhorar desconforto, para retardar ejaculação. Basta a gente buscar conhecimento, pesquisar", aconselha Alessandra.
Venda de nudes
O mercado erótico é a prova de que, quando o assunto é sexo, sempre cabe um pouquinho mais: em 2020, o setor viu uma nova prática sextuplicar os lucros na comparação com 2019: a venda de nudes. O OnlyFans, principal plataforma do setor, soma 130 milhões de membros no mundo — eram 20 milhões antes da pandemia. O site fica com 20% dos lucros, paga em dólar e estima que mais de 300 pessoas já receberam mais de R$ 5 milhões de reais com a venda de fotos e vídeos amadores, que funcionam em esquemas de assinaturas.
Luísa* começou a divulgar fotos nuas no Twitter sem pretensões maiores além da paixão pela fotografia. A estudante de 23 anos foi acumulando seguidores e, quando percebeu que a maioria não era de Belém, não pensou duas vezes quando soube da possibilidade de ganhar dinheiro com as imagens. Ela ingressou na plataforma no final de 2019, mas não se considera uma grande estrela.
"Começou com uma renda extra, mas hoje em dia já ganho quase dois mil reais. Tem as idas e voltas do dólar também. Não sei se eu faria se fosse receber em real", brinca ela. Só em 2020, os usuários gastaram 2,36 bilhões de dólares no site. Para Luísa, o OnlyFans dá autonomia para as mulheres explorarem as possibilidades financeiras da sexualidade. Branca e de cabelo castanho claro, com fotos que navegam entre ares virginais renascentistas e animes japoneses, Luísa acha que o Only Fans também vende fantasias, mas de maneira diferente.
"Hoje o mercado pornográfico está exaurido. É tudo tão irreal, pouco pensado. E mesmo os sites como Xvideos e Pornhub estão lotados de pornô amador. O que você mais vê é relatos de mulheres sobre experiências horríveis nessa indústria, grana curta. Acho que muito do sucesso do OnlyFans vem daí. Você meio que é a dona do seu próprio negócio, estabelece sua rotina. Não quero fazer para sempre, mas não tenho do que reclamar", conta.
Henrique* tem alçado voos maiores na plataforma, cobrando até vinte dólares por conteúdos personalizados que atendem a pedidos dos usuários e também negociando por fora, em reais. Ele pensou até em dar um tempo da plataforma para focar nos estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio - mas a pandemia veio e não deu para tirar folga.
"Eu me divirto, para ser sincero. Não consigo ver como um trabalho. Não requer muito esforço, a maioria das pessoas são gentis. Às vezes fico sem ideia de fotos e vídeos, mas tirando isso, não me traz dor de cabeça alguma", conta ele, que aos 20 anos estima uma renda mensal entre R$3.500 e R$4.000.
Sem neuras
No início, Henrique ficou preocupado com a exposição e com a possibilidade de amigos e familiares descobrirem. Hoje em dia, só em pacotes mais caros do site é possível vê-lo sem máscaras: um homem barbudo de 1m86 com lábios carnudos e pinta de jogador de futebol. "Não tenho mais essa neura. Sei que não estou fazendo nada de errado. Estou juntando dinheiro, pensando no futuro, viajando, ajudando a minha família", diz.
Luísa é mais reticente. Ela conta que já teve um pesadelo no qual o pai descobria tudo. "E o pior de tudo é que ele lê O Liberal quase todo dia. Posso usar outro nome, né?".
*Luísa e Henrique são nomes fictícios, utilizados com o objetivo de preservar a identidade dos entrevistados
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