Lei Kandir: após 30 anos de promulgação, efeitos ainda são sentidos no Pará

Uma série de mudanças foram feitas ao longo do tempo com o objetivo de compensar os estados pelas perdas fiscais que a lei trouxe

Camila Azevedo
fonte

O Pará continua sentindo os efeitos da Lei Kandir, mesmo após quase 30 anos da sua promulgação. A norma define, entre outras pautas, uma isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a exportação de produtos primários e semielaborados, como os que são produzidos no estado, e já passou por diversas mudanças ao longo do tempo. Mais recentemente, uma compensação fiscal por parte do governo federal passou a ser paga como uma forma de conter os danos que a falta de arrecadação fiscal causou às unidades federativas.

Um estudo do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA) calculou que, entre 1996 e 2019, mais de R$ 40 bilhões em ICMS não foram coletados. Um outro levantamento, esse da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), aponta que a perda de receita líquida do imposto, de 1997 a 2016, girou em torno de R$ 35,7 bilhões. O tributo é estadual e parte dele é distribuído entre os municípios. Até 2003, a compensação por essa falta de arrecadação era garantida por lei, mas, a partir de 2004, uma alteração deixou de fixar o valor que deveria ser repassado.

O grande entrave envolvendo o Pará é o fato de ser um exportador de matéria prima, justamente um dos produtos isentos da cobrança do ICMS pela Lei Kandir. Maria Stela Campos, advogada e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que a norma tem seus benefícios para o Brasil, mas a realidade não é a mesma para os estados. “A Lei Kandir surge no contexto de organizar a balança comercial brasileira, dizendo que, para a União, é mais importante a gente exportar do que importar. Nesse contexto, vem a lei e desonera o ICMS”.

“É bom para a balança comercial do Brasil, mas gera um problema federativo, porque o ICMS é um tributo de competência dos estados. Isso impacta no repasse de 25% da cota-parte dos municípios, [porque] uma parte do que o estado arrecada de ICMS por previsão constitucional vai para as cidades. Então, se o estado deixa de arrecadar, os municípios não recebem a parte deles. A Lei Kandir, ao mesmo tempo que traz um fortalecimento para a balança comercial brasileira, impacta negativamente o sistema federativo”, pontua a professora universitária.

Compensação

A compensação das perdas tributárias define que, entre 2020 e 2037, o governo federal irá repassar R$ 58 bilhões pelas desonerações de exportações. A lei é originada do Projeto de Lei Complementar 133/20, do Senado, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2020. Desse total, R$ 4 bilhões serão entregues a cada ano entre 2020 e 2030. De 2031 a 2037, os valores vão diminuindo R$ 500 milhões ao ano (R$ 3,5 bilhões em 2031; R$ 3 bilhões em 2032; e assim por diante). Um dos pontos do acordo foi a desistência das ações judiciais que os estados moviam contra a União.

Ainda no final de 2020, o Pará recebeu a primeira parcela do dinheiro: R$234,220 milhões, que equivalem a 75% do total (estava previsto o montante de R$ 312,294 milhões), e os municípios receberam 25% dos valores. De acordo com informações do governo do estado, obtidas em pesquisa da reportagem de O Liberal, o valor total a ser recebido, em 17 anos, deve ficar em torno de R$ 4,537 bilhões. “A Lei Kandir já trazia a compensação, o que precisava era ela acontecer. Mas, faltava regulamentação e, como não vinha, foi preciso a judicialização do caso”, detalha a advogada.

“O Pará ingressou com uma ação judicial no STF [Superior Tribunal Federal] e discutiu o quanto ele estava tendo de perda. Então, é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O Pará discutiu o fato de a Lei Kandir, quando ela diz que os estados precisam ser compensados pelas perdas, diz também que isso precisava ser regulado por uma lei específica e o Congresso Nacional não fazia essa lei. É como se a previsão existisse, mas precisava de uma outra regulamentação para que acontecesse de fato. Na época, essa ação foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes e o estado ganhou”, conclui Maria Stela.

Entenda:

Pela Lei Kandir, o ICMS deve incidir sobre as seguintes operações

  • circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
  • prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
  • prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, emissão, recepção, transmissão, retransmissão, repetição e ampliação de comunicação de qualquer natureza;
  • fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios;
  • fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual;
  • entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
  • serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
  • entrada, no território do estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao estado onde estiver localizado o adquirente.

Fonte: Senado Federal

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA