Especialistas afirmam que reforma tributária aprovada na Câmara precisa de correção no Senado

A criação do Conselho Federativo, que concentra a arrecadação e, com isso, fere o Pacto Federativo, é o principal questionamento

Camila Azevedo
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A aprovação do texto da reforma tributária na Câmara dos Deputados continua gerando polêmicas. Especialistas ouvidos pela reportagem do Grupo Liberal afirmam que, com a ida da proposta para o Senado Federal, a expectativa é que a Casa faça correções e melhore a medida. A grande mudança esperada é a revisão da criação de um Conselho Federativo, órgão que centralizará a arrecadação dos impostos - o que poderá, a princípio, reduzir a autonomia de estados e municípios do Brasil, considerado um ponto polêmico.

A reforma tributária visa, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, a simplificação do sistema de arrecadação brasileiro pela substituição de cinco impostos em níveis federal, estadual e municipal, o PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O modelo usado será o do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Outro pilar da medida é a mudança da tributação de consumo para o destino - a fim de acabar com a chamada guerra fiscal entre os estados. Ao todo, a transição vai durar dez anos.

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Nesse sentido, a arrecadação seguiria de forma unificada com a criação do Conselho Federativo, previsto na proposta, centralizará os novos impostos. O órgão será formado por 27 representantes de cada um dos Estados e do Distrito Federal (DF), sendo que 14 terão voto com peso igual pelos municípios e 13 terão voto ponderado pelo número de habitantes, também pelos municípios. As decisões serão tomadas quando houver a maioria absoluta dos votos dos representantes dos municípios e do DF, além da maioria absoluta dos representantes dos Estados, incluindo necessariamente a maioria absoluta dos representantes que correspondam a mais de 60% da população do país.

Para Bruno Soeiro, advogado e doutor em direito tributário, o único aspecto importante da proposta aprovada é a simplificação de parte da cobrança e fiscalização dos impostos. “Porém, ela não enfrenta um aspecto que é mais urgente: a desigualdade na tributação, que é a transformação de um sistema tributário regressivo para um progressivo. Portanto, o aspecto positivo é pequeno perto do desafio que uma verdadeira e potente reforma tributária poderia trazer para o país, gerando desenvolvimento, diminuindo a desigualdade”.

Empecilhos 

O especialista explica que a questão da perda de autonomia por parte dos estados e municípios está ligada justamente à criação do Conselho Federativo. Isso porque uma das principais características da república federativa é a independência das unidades nas escolhas, principalmente as financeiras. “Os prefeitos têm medo de perder receita tanto dos ICMS, quanto do ISS, respectivamente. Isso pode impactar, sim, na autonomia, nesse caso financeira, e na autonomia dos estados e municípios”, diz.

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“Essa reforma que está em discussão no Congresso Nacional leva o ISS, que é o imposto do serviço, para o bojo de uma única tributação, que seria o IVA. Só que o ISS para os municípios é um tributo, um imposto extremamente importante para a manutenção do equilíbrio fiscal municipal. O receio é que levando o ISS, que é um imposto único, para o Iva, os municípios percam receita e, ao perderem receita, desequilibre as contas públicas municipais”, acrescenta Bruno.

A situação seria a mesma no caso dos estados com a perda do ICMS - levando muitos governadores a serem desfavoráveis à reforma proposta. Com isso, o advogado destaca que “tanto os municípios, quanto os governadores, também alegam uma quebra de pacto federativo. Bem, se houver uma reforma constitucional, não haverá quebra de pacto federativo. Agora querendo, ou não, enfraquecerá a autonomia financeira de ambos, municípios e estado”.

Texto precisa ser bastante modificado, pontua economista

Mesmo sendo considerada boa para o Brasil, podendo produzir efeitos econômicos importantes sobre a atividade produzida do país, o economista Felipe Salto defende que o texto aprovado pela Câmara precisa ser bastante modificado. Para ele, a expectativa é que, com a proposta seguindo para o Senado, os debates sobre a questão sejam ampliados, o que pode melhorar a medida e reduzir os efeitos negativos - apontados, principalmente, na questão da retirada de autonomia das unidades federativas.

“O princípio do destino só será alcançado, com sorte, em 2033, quando se prevê a extinção do ICMS, que ainda terá uma alíquota equivalente a 60% da atual. Não é necessariamente uma questão de perda de arrecadação, mas de autonomia [com o Conselho Federativo]. O IBS vai ser gerenciado pelo Conselho Federativo, um órgão representativo que está sendo criado com amplos poderes pela PEC 45. Isso retirará autonomia dos entes subnacionais, o que os preocupa, corretamente”, completa.

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O especialista ressalta, também, que retirar o Conselho Federativo da PEC 45, deixando estados no comando da arrecadação, sendo eles o destino do envio de receitas, pode ser uma saída. “Além disso, a transição tem de ser alterada, para garantir que se tenha algo mais concreto no prazo estipulado, dado o problema que levantei na primeira resposta. Os fundos também preocupam, pelo tamanho e pela possibilidade de aportes ilimitados por parte da União”.

Uma outra preocupação com o texto do jeito que está é com a emissão de notas fiscais. Segundo Felipe, a centralização da arrecadação pode gerar incentivos negativos nesse processo. “Não se pode prescindir da atividade de fiscalização e atuação intensa das administrações tributárias estaduais. Os incentivos do ICMS, no fundo, que alimentam a guerra fiscal, vão persistir até pelo menos 2032, mas bancados pela União. É preciso ainda discutir a forma de cálculo das alíquotas e o excesso de exceções que foram contempladas no texto final aprovado pela Câmara. São muitos problemas pendentes”, finaliza Felipe.

Setor industrial teme aumento de desigualdades no Pará

Para o vice-presidente executivo da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), José Maria Mendonça, a proposta é preocupante e tem caráter de aumentar as desigualdades existentes no Pará. “Nosso sentimento é que vai ser muito ruim para a Amazônia. Somos uma região periférica e dependemos muito do setor de serviços, que vai ser cruelmente atingido. O fosso social entre as diversas regiões do país vai aumentar, é uma reforma que trata todos iguais desconhecendo que nossas realidades são desiguais”, pontua.

Com isso, a esperança do setor é que a ida do texto para o Senado Federal traga correções consideradas importantes, com o intuito de evitar danos. “Anote: a criação do imposto seletivo por ser subjetivo é uma arma contra diversos setores produtivos, em suma, vai ter muita barganha em cima de sua aplicação. Objetivamente, a reforma tributária da forma que está aumenta enormemente o poder da União sobre os Estados e o senado vai ter de corrigir esta e outras distorções”, completa José Maria.

Senador paraense acredita que haverá mudanças na Casa

O senador Beto Faro (PT-PA), mesmo acreditando que a reforma é benéfica, afirma que alguns pontos importantes devem ser estabelecidos pelo Senado Federal para análise. “Mas sempre procurando dar maior agilidade, já que é um tema que há muito tempo precisa ser feito. Deveremos concretizar esta reforma tão importante para a retomada do crescimento do país. Após esta análise poderão surgir alguns pontos importantes para serem debatidos, antes de ir à votação”, frisa.

“Dentre os pontos que vejo como fundamentais podemos citar o fim da guerra fiscal, a simplificação tributária e a redução de alguns custos para empresas de pequeno e médio porte. Outro ponto forte é a isenção de tributos para produtos da cesta básica, mostrando que a preocupação com os mais necessitados é algo presente em todas as ações. Assim como o Arcabouço Fiscal, sofreu algumas alterações e precisou retornar à Câmara, é bem provável que a Reforma Tributária sofra algumas alterações sim”, conclui o senador.

Deputado da bancada paraense firma posição contrária à reforma

O deputado federal Eder Mauro (PL-PA) usou as redes sociais para declarar posição contrária à aprovação da reforma tributária pela Câmara. Ele foi um dos 118 parlamentares que votaram não à proposta. Em um vídeo publicado, ele disse: “Estamos discutindo a questão da reforma tributária, que é uma vergonha para o nosso país. Simplesmente eles vão tirar o poder econômico do pobre, elevando a quase 60% a cesta básica, isso é um absurdo”.

Autonomia

O aporte de investimentos para a realização da COP 30 em Belém depende também da arrecadação municipal proveniente de impostos. Por isso, o prefeito de Belém comentou, durante entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, que não concorda com a perda de autonomia que os municípios devem enfrentar com a atual reforma tributária. Segundo ele, concentrar poderes nas esferas estadual e federal destrói o pacto federativo.

“Você destrói o pacto federativo concentrando poderes na esfera federal ou estadual. Se é só na federal, está tirando poder e autonomia dos Estados e municípios, mas, como os governadores têm força, fazem acordo com a União e os municípios se ferram”, afirma. “Acontece que a falta de recursos no município é falta de limpeza urbana, de remédios, de creches, de escolas, de transporte público. Por isso a Frente Nacional de Prefeitos esteve em Brasília essa semana para conversar com o presidente da Câmara e com o governo federal e dizer: a reforma é necessária, mas não queremos ficar como coadjuvantes”.

Na avaliação de Rodrigues, é possível simplificar e, ao mesmo tempo, respeitar a autonomia dos municípios. O que o prefeito de Belém não quer é ficar “esperando que quem arrecadou devolva”. Ele também argumenta que muitos governadores têm concordado com a reforma porque sabem da expectativa de crescimento do Imposto sobre Serviços (ISS), até então com arrecadação municipal. Edmilson adiantou que vai continuar protestando e que será feita uma apresentação ao Senado. “Respeito ao pacto federativo, à autonomia municipal e à progressividade”, finalizou.

A reportagem do Grupo Liberal solicitou posicionamento para o governo do Pará, questionando qual a posição adotada sobre a reforma tributária. Entretanto, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. O espaço segue aberto.

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