Em 45 países, madeireiras com selo verde são acusadas de infrações ambientais

Pará está na lista com empresas com multas milionárias do Ibama

O Liberal
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Um levantamento inédito aponta que ao menos 62 empresas, algumas paraenses, certificadas pelo FSC – sigla em inglês para Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal, em português, uma ONG reputada e que atesta a exploração responsável de produtos florestais -, e com unidades industriais na Amazônia Legal, foram autuadas pelo Ibama. Juntas, as multas somam mais de R$ 100 milhões, por desmatamento ilegal, transporte de madeira sem documentação, fraudes em guias florestais e até grilagem de terras, entre outros.

A notícia publicada na quarta-feira (1) pelo site jornalístico Poder 360, teve apuração da revista Piauí e Agência Pública, em parceria com o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) e com os projetos Data Fixers e Fiquem Sabendo.

Foram três meses de investigação, e e reportagem faz parte da série Deforestation Inc., do ICIJ, que reúne 39 veículos de mídia ao redor do mundo. O ICIJ mostra que, desde 2004, empresas detentoras do selo FSC em 45 países foram acusadas de infrações ambientais.

Empresas registram multas até dezembro de 2022

No Brasil, os dados consideram as multas registradas no Ibama até dezembro de 2022, independentemente do status atual de cobrança. O registro da autuação não significa necessariamente que a empresa é culpada. Ela pode recorrer da decisão e, eventualmente, a multa pode ser anulada.

Em síntese, a reportagem mostra que mesmo cometendo graves crimes ambientais as empresas seguiram, ano após ano, recebendo certificação da ONG FSC, organização multinacional fundada em 1993, com sede em Bonn, na Alemanha, e representação no Brasil.

No Pará, são destaque as indústrias Pampa, fundada em Belém, em 1987, pelo gaúcho Demorvan Jaime Tomedi; a Madeireira Peracchi, do paranaense Idacir Peracchi, que a rebatizou de Juruá Florestal, no sul do Pará, desde 1980; e a Alecrim Indústria de Madeiras, criada em 1994, em Santarém, pelos gaúchos Aldir Schmitt e Milton Schnorr, sócios condenados por crimes ambientais e mesmo sendo presos em 2019, segundo o levantamento, isso não foi suficiente para que a Alecrim Indústria perdesse o selo da FSC, emitido em 2015. Também está na lista, a Madeireira Rancho da Cabocla, em Santarém, certificada pela FSC, e com ao menos 49 multas do Ibama.

Lastro de depredação ambiental

A reportagem destaca que as indústrias citadas têm histórico de descumprimento das leis e ações de depredação ambiental. No final dos anos 1980, por exemplo, a Funai flagrou funcionários da Peracchi extraindo mogno em áreas públicas griladas no meio da Terra Indígena Apyterewa, onde vivem indígenas da etnia parakanã.

Segundo o Ministério Público Federal, a empresa devastou 5 mil hectares de floresta e construiu mais de 100 km de estradas para escoar a madeira ilegal até Tucumã, onde ficava a empresa.

A Juruá obteve o certificado da FSC em 2000, e, de acordo com a reportagem, se valia da grife FSC para propagandear dentro e fora do Brasil que explorava madeira de forma legal e sustentável. De 2000 a 2017, a Juruá foi multada 12 vezes pelo Ibama por destruir floresta sem autorização do poder público e transportar madeira sem documentação. Ao todo, as multas somaram R$ 1,6 milhão em valores nominais.

a Alecrim foi autuada 31 vezes de 1997 a 2021. As multas somam R$ 3,1 milhões. Ao menos 6 delas foram emitidas depois de a empresa obter o selo FSC. As infrações são diversas: venda de madeira sem licença adequada, exploração de madeira em terra indígena sem autorização, armazenamento irregular de madeira. Quase todas foram registradas no Pará. Muitas já foram pagas, mas algumas ainda se encontram em processo de julgamento no Ibama.

Acúmulo de multas e condenações

Os donos da Alecrim aparecem como sócios de duas outras empresas do mesmo ramo. Uma delas – a Algimi Florestal– acumula 8 multas e já foi condenada na Justiça por poluir um igarapé em Santarém.

A despeito das condenações, Aldir Schmitt constava, até abril de 2022, como vice-presidente da Asimas (Associação das Indústrias Madeireiras de Santarém). Recentemente, a Asimas anunciou uma parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (o ICMBio), “em busca de estratégias sustentáveis para a colheita florestal”. Há dezenas de registros de exportação de madeira feitos pela Alecrim desde de 2020. Entre os compradores estão países como Estados Unidos, Panamá, Colômbia, Espanha, França e Reino Unido.

Desde 2012, a Pampa tem o certificado FSC, e tanto a empresa quanto o dono são considerados: "infratores ambientais contumazes”, nas palavras do Ministério Público Federal. A empresa soma R$ 5,1 milhões em multas do Ibama, quase todas por fraudes no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais, o Sisflora.

Posicionamento da FSC

O ICIJ questionou a FSC sobre a validade do certificado de boas práticas ambientais, já que várias empresas cometeram infrações e não perderam o selo. Na resposta, a entidade alegou que, só nos últimos 5 anos, 88 empresas tiveram seus certificados suspensos por causa das infrações ambientais. Os mecanismos de controle, segundo a ONG, vêm se tornando mais rígidos.

“A FSC está guiando novas tecnologias para a identificação de madeira, de forma que sua proveniência possa ser cientificamente atestada”, diz a nota. “A FSC também está desenvolvendo uma ferramenta baseada no blockchain para monitorar dados em tempo real sobre transações que acontecem entre diferentes detentoras de certificados”.

De acordo com a ONG, “a FSC não alega que pode resolver sozinha problemas de múltiplas camadas como o desmatamento e reconhece a necessidade de que muitos atores e stakeholders se envolvam com essa empreitada”.

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