Coquetelaria amazônica cresce em Belém com identidade, turismo e ingredientes da floresta

Com insumos nativos e criatividade, bartenders paraenses transformam o trabalho em vitrine da cultura amazônica às vésperas de evento climático.

Jéssica Nascimento
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Com a chegada da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), a capital paraense se prepara para apresentar ao mundo uma coquetelaria autoral, que mistura ingredientes da floresta, criatividade e fortalecimento da economia local. O Grupo Liberal conversou, na manhã desta quinta (10/04), com profissionais do setor. Eles apontaram desafios, oportunidades e tendências que colocam Belém no mapa da coquetelaria brasileira.

Sabores da floresta no copo e no mundo

O que uma semente de cumaru, um limão mexerica e um pouco de tucupi têm em comum? Em Belém do Pará, esses ingredientes estão deixando de ser apenas itens da cozinha tradicional para ocupar lugar de destaque nos bares da cidade. O que está nascendo na capital paraense é mais do que uma moda passageira: é um movimento de valorização da identidade amazônica através da coquetelaria – e que promete ganhar ainda mais visibilidade com a realização da COP 30, a Conferência do Clima da ONU, marcada para acontecer em Belém em novembro de 2025.

image Ensino de preparação de coquetéis em faculdade particular de Belém. (Foto: Wagner Santana)

Para entender a força e o potencial desse setor, ouvimos dois nomes de referência no cenário local: Yvens Penna, idealizador de um projeto de coquetelaria amazônica e sócio de um bar especializado, e Ises Farias, bartender experiente e responsável por uma casa focada em coquetelaria clássica. 

Tendência que vira movimento

De acordo com Ises Farias, os últimos cinco anos marcaram um crescimento importante da cena de coquetelaria em Belém. 

“Antes a gente não tinha ponto de referência para estudar, e hoje temos cursos online, gratuitos e acessíveis. Isso vem transformando nossa cena”, conta a bartender, com mais de dez anos de experiência.

A tendência agora é clara: buscar insumos hiper regionais e dar uma nova cara aos drinks. “A galera está mais curiosa. Está tentando utilizar insumos pouco comuns como tucupi e goma. Sabendo estudar bem o perfil do que vai introduzir no drink, dá pra oferecer algo com a cara do Pará”, completa.

Yvens Penna, por sua vez, vê a coquetelaria como parte de uma cadeia criativa maior: “A coquetelaria é o surf da gastronomia. Ela é estética, é inventiva. É um vetor da economia criativa da Amazônia”.

COP 30: uma vitrine para o mundo

Com a aproximação da COP 30, Belém se vê diante de uma oportunidade inédita. “A gente vai receber o mundo inteiro aqui”, aponta Yvens. O movimento já começou: mais de 300 profissionais da área da hospitalidade estão sendo qualificados com foco em coquetelaria.

Para Ises, a preparação vai além das técnicas de bar. 

“Estamos nos preparando até em relação à linguagem, aprendendo inglês, espanhol, para atender melhor os turistas. Também buscamos um atendimento mais humanizado, mais regional”, revelou.

Ambos os profissionais enxergam o evento como um divisor de águas. “O que as pessoas vão levar de memória da COP 30 é como foram recebidas, o que comeram, o que tomaram”, reforça Yvens. “É a chance de mostrar nossa potência”, completa.

Identidade no copo: uma Amazônia que se bebe

A coquetelaria amazônica tem como principal característica o uso criativo e autêntico de insumos da floresta. Não é apenas sobre misturar bebidas, mas contar uma história através do sabor. É o que afirma Ises:

“Nosso forte são as raízes, as frutas hiper locais que só crescem aqui e que só a gente sabe trabalhar”.

Yvens concorda. “A gente tem uma coquetelaria por nascer. É uma potência adormecida, aguardando ser tocada com nossos ingredientes e com nossa hospitalidade”, diz.

image Yvens Penna, idealizador de um projeto de coquetelaria amazônica e sócio de um bar especializado. (Foto: Wagner Santana)

Entre os insumos mais usados estão o cumaru (conhecido como a baunilha da Amazônia), o puxuri, o limão mexerica e até o tucupi – líquido fermentado extraído da mandioca brava, mais comum na culinária. 

“No meu bar, faço muito drink com ingredientes que não se encontram facilmente nos supermercados. É uma forma de gerar demanda e valorizar nossa biodiversidade”, explica Yvens.

Turismo de experiências e a bebida como cartão-postal

Belém já é um destino consolidado pela força de sua gastronomia. No entanto, segundo Yvens, a coquetelaria ainda precisa ocupar esse espaço

“A gente tem uma gastronomia mundialmente conhecida, mas a coquetelaria ainda está sendo desenhada. O turista quer experimentar algo com nossa regionalidade. O drink pode ser nosso cartão-postal”.

Para ele, os sabores amazônicos podem se tornar um produto de exportação. “A gente pode se posicionar internacionalmente com nossa coquetelaria. Os drinks mostram a nossa cultura de forma bela e atraente”, disse. 

Desafios: qualificação e fornecimento

Apesar do potencial, o setor ainda enfrenta entraves importantes. O primeiro deles é a falta de qualificação

“A coquetelaria ainda é um ‘não lugar’. Existe muito pouca literatura em português e pouquíssimos cursos de qualidade”, lamenta Yvens.

O segundo obstáculo é o fornecimento de ingredientes. Como aponta Ises, “a maioria dos nossos insumos vem do interior. É difícil deslocar esses produtos até a capital, e há poucas pessoas fazendo esse serviço. Às vezes temos falta de especiarias essenciais”.

image Ises Farias, bartender experiente e responsável por uma casa focada em coquetelaria clássica. (Foto: Wagner Santana)

Ela destaca a importância de pensar em estoques e em formas de armazenamento para evitar que o mercado fique desabastecido nos períodos de alta demanda, como o segundo semestre com a chegada da COP.

Economia local e o elo com a floresta

A cadeia de suprimentos da coquetelaria amazônica, quando bem estruturada, também gera impacto direto na economia das comunidades do interior. 

“Quando compramos diretamente dos pequenos agricultores, seja na Feira do Ver-o-Peso, seja em Curuçá ou Algodoal, estamos gerando renda e fortalecendo essas economias locais”, afirma Ises.

Yvens reforça: “Estamos qualificando profissionais de bar para demandar mais produtos da floresta. Assim, ajudamos a profissionalizar essa cadeia e damos valor ao que é nosso”.

 

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